Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 16, 2008

Os riscos das nanotecnologias Gilberto Dupas

Nanotecnologia é a nova fronteira da era global. Ela permite o domínio de partículas com dimensões extremamente pequenas que exibem propriedades mecânicas, óticas, magnéticas e químicas inéditas; e é aplicável em amplas áreas de pesquisa e produção, como medicina, eletrônica, computação, física, química, biologia e materiais. Sua aplicação causará enormes impactos na sociedade, gerará enormes lucros com produtos e serviços revolucionários e provocará imensos riscos.

Os patronos dessas técnicas garantem, para um futuro próximo, nanorrobôs circulando pelo sangue humano para reparar células, capturar micróbios ou combater cânceres; materiais dez vezes mais resistentes e cem vezes menos pesados que o aço; e armas e aparelhos de vigilância milimétricos e potentíssimos. Anunciam a implantação de nanochips no organismo humano para substituir ou adicionar células com funções novas, abrindo espaço para uma primeira geração de pós-humanos. E seus oráculos mais delirantes prometem a completa regeneração celular; no limite, a imortalidade.

Mas há sérios alertas: risco de poluição ambiental incontrolável por partículas muito pequenas flutuando no ar, viajando a grandes distâncias e sem controle das barreiras naturais; nanocomponentes acumulando-se na cadeia alimentar com conseqüências não conhecidas; nanodispositivos modificando e controlando a mente humana; e reproduções descontroladas de nanopartículas destruindo vidas e gerando epidemias.

Já existem no mercado muitos produtos que contêm nanotecnologia sem que o saibamos, como protetores solares com partículas nano de óxido de titânio. No entanto, não há pesquisas para verificar como esse óxido penetra nas células, se avança para a corrente sanguínea e que efeitos provoca. Ainda não existem protocolos para padronizar pesquisas toxológicas nessa área. Algumas instâncias reguladoras e governamentais tentam apressar-se em definir critérios e mapear riscos, entre outras coisas, para evitar a política de fait accompli ou de rejeição sumária e não eficaz, como no caso dos transgênicos.

Mais uma vez, a lógica do capital e da acumulação tem sido implacável. As empresas estão fascinadas com as novas possibilidades de inovação e lucros em praticamente todos os setores. Começam-se a produzir em massa toneladas de nanomateriais comerciais para catalisadores, cosméticos, tintas, revestimentos, tecidos, corantes sintéticos, embalagens antimicróbio e cosméticos. E eles estão chegando com força total à medicina. A US Nacional Science Foundation estima que, em dez anos, todo o setor de semicondutores e metade do farmacêutico dependerão de nanotecnologia. Estruturaram-se mitos em torno das maravilhas dessas técnicas, criando ambiente favorável para poder lançar o quanto antes produtos que serão convertidos em objeto de desejo. Os riscos e conseqüências negativas, como sempre, ficam para depois.

No entanto, pesquisadores do US Environment Protection Agency já reportaram nanopartículas encontradas em fígado de animais de laboratório, vazamento para células vivas e o risco de novas bactérias desconhecidas atingindo a cadeia alimentar. Em agosto de 2007, a Sociedade Americana de Química anunciou que algumas novas formas de carbono (nanotubos) em produção já estão causando sério impacto ambiental com a emissão de substâncias tóxicas e cancerígenas (MTBE, PBDE, PFO e benzo(a)pireno). E a Food and Drug Administration reconhece que tem grandes dificuldades de estabelecer políticas e protocolos para a segurança das nanopartículas já presentes em produtos do mercado. Imagine-se em relação à avalanche de novos lançamentos!

Em suma, a nanotecnologia - cujos vetores e direções estão, mais uma vez, exclusivamente controlados pelas grandes corporações e pelos interesses do capital - radicaliza dramaticamente os instrumentos do homem para intervir na natureza, criando potencialidades e riscos imensos: da "pós-natureza" ao "pós-humano", de produtos fantásticos ao definitivo colapso ambiental. A sociedade civil está de novo à margem dessa nova revolução, a ela assistindo, em geral, como espectador maravilhado sob efeito da imensa propaganda global positiva que já se iniciou. Mas que avaliação retrospectiva nossa civilização fará, em algum momento do futuro, sobre a nanotecnologia regulada apenas pelo lucro e pelas leis de mercado? Terá sido um progresso ou uma aventura trágica? Infelizmente, considerações de ordem ética que poderiam iluminar e controlar melhor esses caminhos são quase inexistentes.

Há os que afirmam ser esse o preço do "progresso". Afinal, apesar de tudo, a expectativa de vida média da humanidade continua aumentando e os mesmos avanços tecnológicos que causam doenças curam várias outras. Existem até cientistas renomados apontando os homens-robôs viabilizados pelas nanotecnologias como os herdeiros da raça humana viajando pelo espaço para fugir do colapso ambiental que causamos à Terra. Mas outros pensam que o modelo de desenvolvimento econômico baseado nas leis do mercado e no encolhimento do Estado regulador é uma selva em que o interesse público é subjugado pelo lucro privado e que caminhamos para um salve-se quem puder. A sociedade contemporânea vai ter de tomar as rédeas de seu destino e encontrar soluções de compromisso para enfrentar o imenso desafio de controlar a direção dos vetores tecnológicos, administrando os efeitos perversos do sistema global de produção sobre a saúde e o bem-estar dos seus membros.

É imperioso retomar valores éticos como referência para a discussão sobre os rumos da ciência em geral, em especial das nanotecnologias.

Gilberto Dupas, coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional (IRI-USP), presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI), é autor de vários livros, entre os quais, O Mito do Progresso (Editora Unesp)

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