Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 13, 2008

Míriam Leitão - Ética de Obama



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
13/8/2008

Barack Obama propõe, no seu programa, o uso intensivo da internet na fiscalização das ações do governo e dos políticos. Ganhando ou não a eleição, suas idéias poderiam servir de inspiração. Banco de dados para ele não é aquilo que fica escondido na Casa Civil, de onde são pinçadas informações de forma nebulosa: Obama promete criá-los e colocá-los na rede para que qualquer pessoa possa procurar e baixar as informações.

Um dos bancos de dados é sobre os escritórios dos inúmeros lobistas que circulam em Washington. Conterá relatórios sobre eles e as fichas éticas de cada grupo de interesse. Outro é um banco de dados dos contratos públicos, o qual terá informação sobre todos os fornecedores do governo, o que eles gastam com lobby, que licitações ganharam e como estão se desempenhando. O governo Bush abusou do instrumento legal de "segredo de Estado" para fugir da licitação e, segundo o texto do programa, dar os contratos a amigos e financiadores. Para se ter uma idéia do tamanho desse abuso, no ano fiscal de 2006, os contratos sem licitação chegaram ao valor de US$145 bilhões, um crescimento de 115% sobre 2005. Obama propõe que todo contrato acima de US$25 mil seja licitado.

Pode ser que ele não ganhe a eleição ou que ganhe e não implemente as idéias, mas a proposta vai além dos monótonos websites dos órgãos que todo governo tem e que servem apenas de releases online, no mais das vezes, desatualizados. Ele está propondo interatividade. Uma das idéias é determinar que os funcionários do seu gabinete participem de audiências públicas em banda larga. Promete disponibilizar online informações para aumentar a transparência sobre os fornecedores do governo e lobistas, num formato que avisa que será searchable, sortable, downloadable (pesquisável, classificável e baixável). Ele é um dos autores da lei que cria um sistema de busca semelhante ao do Google, o qual permite a qualquer cidadão acompanhar cada gasto governamental, contrato, empréstimo e gasto com destinação específica. Obama promete ampliar esse sistema. As vinculações orçamentárias, que lá são determinadas pelo Congresso, terão informações online, inclusive com o nome do parlamentar que defendeu a proposta de que aquele dinheiro fosse ligado a uma despesa específica.

Obama garante que vai pôr em debate na internet toda concessão de subsídio, de redução de impostos. Equivaleria, se aplicada aqui, a que a política industrial brasileira, que concedeu redução de impostos de R$21 bilhões, fosse discutida antes de ser anunciada pelo governo. No Brasil, até os empresários protestaram por achar que a maior parte vai para a indústria automobilística. A idéia de Obama é que tudo isso seja passado sob o escrutínio do contribuinte. Toda proposta legislativa não emergencial será debatida através do site da Casa Branca por cinco dias antes de o Executivo enviá-la ao Congresso.

Obama usa a expressão "fechar a porta giratória", que significa acabar com a nomeação daqueles que estão lá apenas para defender interesses específicos. Por isso, toda pessoa nomeada politicamente não poderá trabalhar em nenhuma agência de regulação ou contrato do interesse do antigo empregador. Quem deixar o cargo não poderá mais defender nenhum tipo de lobby junto ao governo enquanto durar a administração Obama. Ele propõe também reformar o sistema de nomeação política para evitar um caso como o de Michael Brown, que, como presidente da Fema (Federal Emergency Management Agency), foi responsável pelo fracasso que foi a reação do governo ao desastre de New Orleans. Não estava preparado para o cargo; foi nomeado sem qualquer experiência prévia no assunto.

As propostas de aumento da transparência e de criação de regras para relação entre lobistas e o governo são muito bem-vindas depois da administração Bush-Cheney. Obama lembra, no programa dele, que alguns executivos da indústria de petróleo mantiveram reuniões com Dick Cheney quando ele dirigia um grupo de trabalho que escreveu uma proposta energética. Cheney foi à Suprema Corte para impedir a divulgação dos nomes dos executivos. Um alto funcionário da indústria do petróleo foi nomeado o chefe das questões climáticas, ao mesmo tempo em que o governo Bush censurou documentos produzidos por climatologistas que trabalhavam nas agências governamentais.

Obama avisa que não aceitou dinheiro dos lobistas, nem dos "PACs", os Political Action Committees (comitês de arrecadação de campanha). Pelo menos uma das suas propostas nós já adotamos há muito tempo: a propaganda de rádio e televisão gratuita, o que, segundo ele, reduziria o poder dos financiadores, já que este é o item mais caro da campanha.

O candidato promete, se eleito, usar a força da Presidência para criar uma agência independente, não ligada ao Executivo, que supervisionará as violações éticas do Congresso. Imagine quanto trabalho teria uma agência assim no Brasil!

Nem todas as propostas são viáveis, nem todas são aplicáveis ao Brasil, mas muito escândalo que tivemos nos últimos tempos, muito uso da porta giratória, muita nomeação política ligada a interesses específicos, muito tráfico de influência, não ocorreriam se essas idéias estivessem em vigor por aqui.

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