Uma brasileira que está em Pequim para as Olimpíadas estava na Praça da Paz Celestial com uma intérprete chinesa de 23 anos. “Foi aqui que aconteceu o massacre, não?” A chinesa disse: “Estamos proibidos de falar no assunto, mas, para falar a verdade, eu não sei nada sobre isso.” A maioria dos 100 mil voluntários é jovem; que efeito terá sobre eles o contato com pessoas de outros países com suas perguntas inconvenientes?
Talvez menos do que esperemos e mais do que as autoridades chinesas gostariam.
O contato entre jovens e a formação de rede de conexões sempre foram poderosos para espalhar a informação, as idéias novas, quando se está num regime autoritário. Agora, com a internet, mesmo controlada, isso fica ainda mais forte.
Porém as autoridades chinesas têm um trunfo na mão: o baixo nível de conhecimento de inglês dos chineses em geral. Os voluntários falam, segundo o relato dessa brasileira, muito mal um inglês básico. A barreira da língua acaba sendo uma proteção para o autoritarismo do governo: menos difusão de informação.
Mesmo assim, estão lá dois jornalistas para cada atleta. Imagine o que são 20 mil jornalistas de outros países perguntando, contando novidades ou montando redes de comunicação com jovens chineses? Essa troca de informações terá conseqüências.
Os jornalistas que estão só para as Olimpíadas não têm tido problemas, porque estão ocupados com a cobertura dos jogos ou com as reportagens leves, de variedades.
Mas quando, esta semana, um tanque amanheceu na porta do centro de imprensa, houve quem se assustasse.
Jornalistas que moram lá não se enganam, e quem acompanha o blog de Gilberto Scofield sabe de todas as barreiras para o exercício livre do jornalismo.
A maquiagem ambiental foi forte, mas insuficiente.
Os carros estão em rodízio, e inúmeras fábricas paradas, mas a poluição não dá trégua e a névoa cinzenta permanece lá. Melhora só quando chove.
— Eu fico aqui pensando: onde tudo isso vai parar? Os novos-ricos com carrões e grifes francesas, os operários trabalhando madrugada adentro, as meninas vendedoras dos mercados populares dormindo nas escadas nos poucos intervalos que têm. E esse ar irrespirável.
Eles esconderam bem a pobreza.
Quando estive aqui há dois meses, na preparação, vi trabalhadores comendo suas marmitinhas às dez da noite ou a uma da manhã de domingo, nas construções, mas quem é brasileiro tem olho treinado para ver a desigualdade — contou a brasileira que está em Pequim acompanhando os jogos.
Sua intérprete, que nada sabia sobre o massacre da Praça da Paz Celestial, tem apenas uma explícita crítica ao regime: à política do filho único. Justamente a política que evitou o pior cenário demográfico da China. Ela, nos seus 23 anos, com todo o período fértil pela frente, promete: se puder, terá muitos filhos. Relata que a pressão sobre ela por ser filha única é grande demais, que as expectativas dos pais são muito pesadas. Conta que seus pais gastaram todo o dinheiro que podiam poupar pagando uma boa educação para ela. A interlocutora ficou sabendo assim que, mesmo na China de alguns anos atrás, já havia educação paga.
Se outros jovens que se sentem hoje pressionados pela cobrança dos pais, pela solidão de não ter irmãos pensarem como esta intérprete, o que será do planeta? Mesmo com a política do filho único, a população chinesa continuará crescendo até meados do século. Imagine se houver uma mudança nessa política? Cada um vê o que quer na China: o economista, o país que mais cresce no mundo; o investidor, os ganhos fáceis; o importador, a mão-de-obra barata; o exportador, o mercado com mais potencial; o climatologista, a explosão das emissões dos gases de efeito estufa; o ativista de direitos humanos, o país que massacrou estudantes numa praça, que ataca monges pacifistas no Tibete. Ela é tudo isso ao mesmo tempo. Só que o pior lado da China conspira contra o melhor.
Uma série multimídia feita pelo “New York Times”, chamada “Sufocada em crescimento”, contou histórias e mostrou cenas chocantes.
Uma delas era de uma aldeia na província de Shanxi que está afundando pelos enormes buracos feitos por uma mina de carvão. Sem água e só habitada por idosos, a aldeia pedia ao governo um socorro que nunca chegava.
Os idosos temiam ser soterrados.
Em Sugai, uma aldeia foi abandonada pela poluição feita por duas papeleiras.
Um ambientalista que denunciou a poluição do Lago Thai foi condenado a três anos de prisão.
Em setembro do ano passado, Hu Jia, ganhador de duas medalhas olímpicas, foi condenado a três anos e meio de prisão por ter divulgado uma carta aberta na internet denunciando os atentados aos direitos humanos na China. Hu Jia virou atleta paraolímpico porque perdeu as pernas ao ser atropelado por um tanque na Praça da Paz Celestial. As autoridades o proibiram de disputar, pois o governo temia que o massacre fosse lembrado quando se falasse em Hu Jia. Que me desculpem os mais entusiasmados, mas o que me impressiona na China são essas histórias.
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COM DÉBORA THOMÉ
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