Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 07, 2008

Merval Pereira - Choque de capitalismo




O Globo
7/8/2008

A redução da desigualdade na distribuição de renda, e o crescimento da classe média, registrados por pesquisas da Fundação Getulio Vargas do Rio e do Ipea, são parte de um fenômeno mundial de longa duração, segundo outro estudo, este da Goldman Sachs nos Estados Unidos, que registra dois movimentos no mundo atual: 1) a mudança do poder de gasto em direção às economias médias, longe das economias desenvolvidas, a tal ponto que podem vir a dominar o gasto global pela primeira vez em décadas, à medida em que os países de maiores populações, como os incluídos nos Bric e no Next-11, fortaleçam suas economias. Por volta de 2050, nove países centralizariam cerca de 60% do PIB mundial, a saber: Egito, Filipinas, Indonésia, Irã, México e Vietnã, e três dos Bric - China, Índia e Brasil; 2) A mudança de poder de gasto em direção às pessoas da classe média, grupo que vem crescendo em escala mundial nos últimos dez anos e cuja tendência é continuar crescendo pelas próximas duas décadas.

Como resultado desses dois fatores, segundo a Goldman Sachs, a distribuição da renda mundial está ficando menos desigual e cada vez mais pessoas no mundo estão tendo acesso a essa distribuição.

A classe média global, que inclui os que têm uma renda anual entre US$6 mil e US$30 mil, vem crescendo a uma média de 70 milhões por ano e a previsão é que chegue a cerca de dois bilhões de pessoas por volta de 2030.

Embora China e Índia sejam fundamentais nesse processo, o estudo da Goldman Sachs mostra que, mesmo tirando esses dois países gigantes, o crescimento mundial da classe média continuaria batendo recordes, com cerca de 20 milhões de novos entrantes a cada ano.

Em conseqüência, a distribuição de renda no mundo está melhorando. Pelas projeções da Goldman Sachs, a distribuição global de renda deve se tornar menos desigual mesmo que as desigualdades entre países continuem altas ou até mesmo aumentem, à medida em que mais países de renda média juntem-se ao grupo.

A tendência seria que essa classe média passe a englobar 30% dos cidadãos do mundo em 2030 e chegue a 40% em 2050. As taxas de pobreza também continuarão a cair, e a proporção de pessoas no mundo ganhando menos de US$2,75 por dia, que já caiu nos últimos dez anos de 30% para 17%, deve ser ainda mais reduzida nas próximos anos. Assim como as com renda menor de US$1,50 por dia, que, com o crescimento da Índia e da China, também foi muito reduzida.

O economista Marcelo Neri, coordenador da pesquisa da Fundação Getulio Vargas do Rio que revelou o crescimento da classe média brasileira, que hoje já abrange 52% da população economicamente ativa, acha que a agenda que falta fazer no Brasil é a do "choque de capitalismo" nos pobres, de acesso a mercado para eles chegarem à classe média.

"Os pobres não precisam de proteção dos mercados, mas de que se pavimente o caminho deles de acesso aos mercados, seja de trabalho através de capital humano, com a educação, seja de investimento através de microcrédito, seja aos mercados consumidores, através de cooperativas, o capital social", assegura ele.

Segundo Neri, é "preciso pensar na riqueza e não na pobreza dos pobres". Em contraponto a "alguns que ainda querem a revolução socialista", o economista da Fundação Getulio Vargas diz que "a melhor proposta é o capitalismo para todos".

Ele compara a redução de desigualdade, "uma das maiores conquistas da presente década", com a estabilização na década de 90, a redemocratização na de 80, e o "milagre brasileiro" nas duas décadas anteriores. E diz que "a classe média precisa menos ainda de assistencialismo (pensões, transferências, etc) do que os pobres".

O outro estudo, o do Ipea, que mostra a redução da pobreza no Brasil, compreende os últimos 15 anos, de 1992 a 2008. A queda entre 2002 e 2008, que reduziu a 24,1% o percentual de pobres no país, nos faz retornar aos patamares de 1995, quando, devido aos efeitos do Plano Real, a proporção de pobres chegou a 25,3%.

Marcelo Neri diz que, embora muito tenha sido falado sobre a redução de desigualdade, desde 2001, e de pobreza, desde 2004, com ênfase especial ao papel das transferências de renda oficiais aos mais pobres, pouco se destacou os avanços estruturais decorrentes da expansão trabalhista observados em todos os segmentos da sociedade.

"Desde o final de 2006 até agora acontece aumento da renda do trabalho em geral, e da geração de empregos formais em particular", diz ele em seu estudo, que contém um dado importante: "A renda da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) já segue o passo do crescimento per capita chinês desde 2005, sendo 4,3% maior que o do PIB per capita", isso graças à geração da renda do trabalho.

Essa melhoria se concentra, segundo Neri, "nos elementos que ocupavam há pouco o epicentro da nossa crise, quais sejam: a renda do trabalho, o emprego com carteira, as metrópoles e a chamada classe média". Depois de duas décadas perdidas em relação à renda e ao trabalho, "a combinação de crescimento mais acelerado com marcada redução de desigualdade por um período mais longo é notável".

Na coluna de domingo, escrevi "as milhares de crianças" quando o correto é "os milhares de crianças".

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