Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 16, 2008

Medicina Consultório virtual: médicos receitam pela internet

Os doutores da internet

No vasto consultório informal da rede, médicos
vendem remédios para todo tipo de doença – até 
para algumas que eles próprios inventam


Anna Paula Buchalla


Feira on-line
Médicos populares atraem clientela e ampliam as vendas em seus sites

Houve um tempo em que curandeiros montavam barraquinhas nas ruas ou iam de porta em porta vendendo suas fórmulas milagrosas – de chás exóticos com poder de cura a receitas ditas infalíveis para viver mais e melhor. Seus equivalentes modernos agora têm título de doutor e se valem de consultórios virtuais na internet para atrair clientela. É um negócio próspero e que se auto-alimenta. Primeiro, eles criam ou simplesmente alardeiam novas teorias a respeito de doenças antigas. Em seguida, pregam métodos alternativos para curá-las. Por fim, vendem o tratamento em forma de pílulas, suplementos ou dietas alimentares. A fórmula do sucesso invariavelmente está no livro – ou nos vários livros – que eles próprios escrevem e promovem. E tudo isso está à disposição ali mesmo no site, à distância de um clique na lojinha virtual.

Trata-se de um fenômeno tipicamente americano. Os doutores da internet ganham fama, lucram com a venda dos produtos e, de quebra, arrastam mais gente para os seus consultórios – os reais, de tijolo e cimento, onde uma consulta não custa menos que 300 dólares. Em termos de autopromoção e estratégia de vendas, o doutor Joseph Mercola, um dos mais populares defensores da medicina alternativa na internet, é imbatível. Entre as dezenas de campanhas abraçadas por ele está a que prega que o diabetes tipo 2 é uma doença curável. A fórmula da remissão dos sintomas estaria descrita tintim por tintim no seu livro Take Control of Your Health (Assuma o Controle de Sua Saúde). Mercola não é médico. É um osteopata da região de Chicago, nos Estados Unidos. Isso quer dizer que sua abordagem da medicina é, digamos, "holística", aque-le termo que é tudo e nada ao mesmo tempo. Ele afirma que seu site recebe 2 milhões de acessos mensais, o que o torna o quarto mais visitado nos Estados Unidos entre os de conteúdo médico, atrás de endereços seriíssimos como WebMD e MedicineNet.

Assim como o doutor Mercola, há dezenas de médicos-estrelas atraindo diariamente milhares de pessoas a seus consultórios on-line. As mais faiscantes são os doutores Stephen Sinatra, Andrew Weil, Christiane Northrup, William Sears e Nicholas Perricone. De vitaminas e barras de cereais a cosméticos, camisetas e até flores, anuncia-se e vende-se muita coisa nos sites deles. Os termos "grátis" e "bônus", aliás, são abundantes. No Mercola há 58 produtos à venda: óleo de crustáceos, spray de vitamina B12 e até um "summer survival kit". O kit de sobrevivência ao verão nada mais é do que um protetor solar da marca Mercola Healthy Skin. Uma das mais requisitadas é a sua linha de suplementos cardioessentials, pílulas que melhoram a circulação, a visão, a digestão e as dores musculares. São boas para tudo, enfim. No endereço alternativo do doutor Andrew Weil, vendem-se azeite de oliva italiano e panelas, várias delas. Christiane Northrup, expert em menopausa e freqüentadora assídua do sofá da apresentadora Oprah Winfrey, anuncia em seu site proteína em pó, óleo de coco, salmão livre de mercúrio... ah, sim, e os seus cinco livros sobre questões femininas, a sua especialidade.

É a partir das brechas deixadas pela medicina convencional que os médicos alternativos vão ampliando seus negócios. Uma das principais bandeiras de Mercola é defender que a contaminação por mercúrio, presente nas vacinas, está causando uma epidemia de autismo nas crianças. Já é uma pista para pais de autistas, ávidos por uma resposta da ciência para a doença. Outro artifício utilizado por esses médicos é valer-se de uma teoria com algum fundamento científico e, a partir dela, criar uma fórmula, ainda que sem nenhum aval da ciência. Um exemplo típico: um pequeno estudo mostrou que uma espécie de cogumelo, o maitake, encontrado no Japão, pode ajudar a prevenir a síndrome metabólica. Rapidamente, o doutor-celebridade Nicholas Perricone, um dermatologista, lançou um suplemento com cápsulas da substância a ser tomadas por trinta dias. Saiu um novo estudo mostrando que existe relação entre o uso de celulares e tumores cerebrais? O doutor Mercola já pôs à venda no site o dispositivo que evita a radiação dos celulares. Na última edição de sua publicação Heart, Health & Nutrition, o cardiologista Stephen Sinatra fala de um extrato marinho pouco conhecido, que conteria um dos mais potentes antioxidantes do mundo. Ele já o encapsulou sob o nome de Seanol – e garante que em oito semanas o suplemento ataca o colesterol ruim.

Sites como esses não teriam tanto sucesso se não houvesse um público ávido por informações. A internet se tornou um enorme consultório informal. Oito em cada dez usuários da rede já acessaram endereços de informações médicas. A FDA, agência que regula a venda de remédios e alimentos dos Estados Unidos, controla a medicina on-line na medida do possível. Os produtos e suplementos à venda, até onde se sabe, são inofensivos. "O problema é quando os médicos vendem promessas de tratamento e cura para doenças sérias, que requerem orientação médica especializada", diz Eleuses Paiva, ex-presidente da Associação Médica Brasileira. Aqui, os conselhos regionais de medicina fazem marcação cerrada. Os sites com assinatura de um médico dificilmente vendem produtos on-line. Introduzir no mercado substâncias sem respaldo científico resulta em punição severa ao profissional.

 

A "eyeróbica" do Dr. Gottlieb

Abaixo os óculos 
As teorias do doutor Gottlieb desafiam os oftalmologistas

Praticamente ninguém, depois dos 40 anos, escapa da presbiopia, a famosa "vista cansada". Com o processo de envelhecimento, a lente do olho se torna mais rígida e já não se expande ou contrai conforme a necessidade. Ler torna-se uma dificuldade. Eis que surge o "método ler sem óculos", do médico americano Ray Gottlieb, cuja promessa é livrar os pacientes das lentes. Gottlieb é um optometrista que se auto-intitula inovador no treinamento de visão "holística" – olhe a palavrinha aí, novamente. Ele aplica o método há mais de trinta anos e costuma dizer que é seu próprio garoto-propaganda. "Tenho 63 anos e nunca precisei de óculos para ler", diz. Sua teoria: óculos de leitura ou bifocais e cirurgias não são as únicas formas de corrigir a presbiopia, como pregam os oftalmologistas. Se a vista cansada é resultado do enfraquecimento dos músculos oculares, basta exercitá-los para recuperar e rejuvenescer a visão. A proposta do doutor Gottlieb são seis minutos de exercícios oculares diários. São basicamente três os movimentos: virar os olhos para dentro, acionando os seis músculos que controlam a convergência; forçar o olho até aproximar ao máximo o foco; e, por fim, relaxar a visão, numa série de repetições. Seu método ler sem óculos está disponível em DVD ao preço de 40 dólares, ou 64 reais. O que dizem os oftalmologistas sobre ele? "Nem os próprios optometristas acreditam nisso", afirma Rubens Belfort, da Universidade Federal de São Paulo. "Os exercícios são inócuos", diz Francisco Max Damico, da Universidade de São Paulo.


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