A LEI DE PARKINSON, de C. Northcote Parkinson (tradução de Silveira Sampaio; Nova Fronteira; 116 páginas; 34,90 reais)
• Publicado nos anos 50 do século passado, este livro logo se tornou um clássico da literatura sobre administração pública, embora seu estilo satírico seja pouco comum na área. A lei referida no seu título – criação do historiador inglês Northcote Parkinson (1909-1993) – reza que "o trabalho aumenta a fim de preencher o tempo disponível para a sua conclusão". Daí se seguem vários princípios na aparência contraditórios, mas que esclarecem os mecanismos pelos quais a burocracia governamental se movimenta sempre para beneficiar a si mesma. Esta reedição de A Lei de Parkinson – há décadas ausente das livrarias brasileiras – foi motivada por uma coluna do jornalista Villas-Bôas Corrêa no Jornal do Brasil, texto que vai reproduzido na orelha do livro. O colunista lembra que o governo Lula, com seu inchaço de ministérios e cargos, comprova a atualidade de Parkinson.Leia trecho.
Trecho de A Lei de Parkinson, de C. Northcote Parkinson O trabalho aumenta de modo a preencher o tempo disponível para sua conclusão. A prova disso está na expressão proverbial de que "os mais atarefados é que têm tempo disponível." Assim, uma ociosa senhora de idade pode passar o dia inteiro para escrever e remeter um cartão-postal a sua sobrinha em Bognor Regis. Uma hora será gasta procurando o cartão; outra, caçando os óculos; meia hora para achar o endereço; uma e um quarto na redação e vinte minutos para decidir se carrega ou não o guarda-chuva para ir à caixa do correio na rua próxima. O esforço total, que para um homem atarefado ocuparia três minutos, pode deixar outra pessoa prostrada após um dia de dúvidas, ansiedade e fadiga. Admitindo-se que o trabalho (e especialmente o trabalho com papéis) é elástico na sua exigência de tempo, é claro que haverá pequena ou nenhuma relação entre o trabalho a ser feito e a quantidade de pessoas a executá-lo. A falta de atividade não significa lazer, nem é a indolência que revela, necessariamente, a falta de trabalho. As coisas a serem feitas aumentam de importância e complexidade em proporção com o tempo a ser gasto. Esse fato é largamente reconhecido. Mas, pouca atenção foi dispensada às suas amplas implicações, mais especialmente no campo da administração pública. Políticos e contribuintes acreditam piamente (com fases ocasionais de dúvida) que um aumento do número de empregados públicos deve refletir um aumento do serviço a ser feito. Cínicos, questionando essa crença, imaginaram que a multiplicação de funcionários deve ter deixado alguns deles desocupados ou todos eles em condições de trabalhar horas mais curtas. Mas esse é um assunto no qual a fé e a dúvida parecem estar igualmente deslocadas. O fato é que o número de funcionários e a quantidade de serviço não guardam relação entre si. O aumento do total dos empregados é governado pela Lei de Parkinson; e seria o mesmo, quer o volume de serviço aumentasse, diminuísse, ou mesmo desaparecesse. A importância da Lei de Parkinson reside no fato de que é uma lei de crescimento baseada numa análise dos fatores pelos quais esse crescimento é controlado. A validade desta Lei recentemente descoberta apóia-se, principalmente, em provas estatísticas que se seguirão. Ao leitor comum, o que interessa é a explicação dos fatores que alicerçam a tendência geral definida por essa Lei. Abandonando detalhes técnicos, que são muitos, podemos distinguir, de início, duas "forças-motivo" que podem ser representadas por duas verdades quase axiomáticas: 1. "Um funcionário quer aumentar o número de seus subordinados, desde que não sejam seus rivais" e 2. "Funcionários inventam trabalho uns para os outros." Para compreendermos o Fator 1, precisamos imaginar um funcionário público que chamaremos A e que se acha com excesso de trabalho. Que esse excesso de trabalho seja real ou imaginário, não vem ao caso. Lembremo-nos de que essa sensação (ou ilusão) poderia ser ocasionada por uma diminuição das energias de A. Um sintoma normal da meia-idade. Para esse mal real ou imaginário existem três possíveis soluções: A poderá se afastar; A poderá dividir o seu trabalho com um colega, a quem chamaremos B; A poderá pedir dois subordinados, que chamaremos C e D. Provavelmente não há caso na história em que a escolha de A não seja admitir dois subordinados. Se ele se afastar, perderá o direito à pensão; se consentir em dividir o trabalho com um colega do mesmo nível hierárquico, estará criando um rival que poderá ser promovido em vez dele, quando W (finalmente!) se aposentar. Portanto, A escolherá C e D, dois jovens que trabalharão para ele. Além disso, dividindo o trabalho em duas categorias, entre C e D, ele passará a ser o único homem capaz de compreender os dois. Precisamos notar que C e D têm que ser inseparáveis. Admitir apenas C seria impossível. Por quê? Porque C sozinho iria dividir o trabalho com A, e, conseqüentemente, assumiria um status de igualdade, o que foi recusado a B logo de saída. Este status ficaria mais destacado ainda, porquanto C seria o único sucessor possível de A. Os subordinados devem ser sempre dois ou mais, cada um mantido sob controle por medo da promoção do outro. Quando C, por sua vez, queixar-se de excesso de trabalho (e isso irá acontecer certamente), A recomendará, com a concordância de C, a admissão de dois ajudantes para C, mas A, para evitar aborrecimentos, será obrigado a recomendar também dois ajudantes para D. Com o recrutamento de E, F, G e H, a promoção de A é agora praticamente certa. Temos então sete funcionários fazendo o trabalho que antes era feito por um. É quando o Fator 2 entra em operação. Pois esses sete criam tanto trabalho uns para os outros que todos vivem ocupadíssimos, e A então está trabalhando mais do que nunca. Qualquer documento que entre poderá eventualmente ser examinado por todos eles. O funcionário E conclui que o assunto é da competência A Lei de Parkinson de F, que rascunha uma resposta para C, que a modifica drasticamente antes de consultar D, que por sua vez pede a G para tratar do caso. Mas, a esta altura, G sai de férias e entrega a pasta a H, que prepara a minuta que D assina e devolve a C, que revisa devidamente o texto e entrega a nova versão a A.* A, por sua vez, poderia assinar em cruz, pois está trabalhando como nunca na sua vida. Sabendo que deverá suceder W no ano seguinte, A tem que decidir quem será seu sucessor: C ou D. Ele concordou com a ausência de G, apesar de este ainda não ter direito a férias. Está preocupado se não seria H quem deveria ter saído por motivo de saúde. H, ultimamente anda meio pálido e abatido por motivos (mas não só) de ordem particular. Além disso, existe o problema de salário extra para F na época das conferências e o pedido de transferência que E fez, para o Ministério das Aposentadorias. A ouviu dizer que D está apaixonado por uma datilógrafa casada e que G e F não se falam, ninguém sabe por quê. Então, A se vê tentado a assinar o memorando preparado por C e liquidar o assunto. Mas A é homem de consciência. Cercado como está de problemas criados por seus colegas para eles mesmos e para ele – criados pelo simples fato de existirem os funcionários – não é homem de fugir ao dever. Lê e estuda com cuidado o memorando, corta os parágrafos desnecessários incluídos por C e H e restabelece a forma primitiva adotada por F, sujeito capaz (posto que brigão). Corrige a redação – nenhum desses rapazes sabe escrever gramaticalmente – e por fim ele mesmo faz a resposta que teria escrito se os funcionários C até H não tivessem nascido. Muito mais gente levou muito mais tempo para produzir o mesmo resultado. Ninguém ficou parado. Todos fizeram tudo o melhor que podiam.
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