A mais alta Corte de Justiça do País decidiu - decisão essa que por súmula vinculante se impõe a todas as instâncias judiciais - que é proibido contratar parentes de autoridades e funcionários para cargos de confiança em todo o serviço público, seja federal, estadual ou municipal. É que, para o Supremo, esse tipo de contratação desrespeita quatro princípios estabelecidos no artigo 37 da Constituição: o da legalidade, o da impessoalidade, o da moralidade e o da eficiência. E, em se tratando de prática contrária a princípios constitucionais, entendem os ministros do STF que sua proibição independe de lei específica. Deverão ser excluídos da proibição apenas os chamados cargos de governo, como os de ministros de Estado, secretários estaduais e secretários municipais.
A decisão do Supremo foi tomada em julgamento de um recurso em processo contra a nomeação do irmão do vice-prefeito de Água Nova (RN) para o cargo de motorista da prefeitura. Mas há todo um precedente nessa matéria que, por motivos óbvios - vale dizer, de interesses políticos -, tem suscitado controvérsias. Primeiro o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) resolveu proibir a prática do nepotismo no âmbito do Judiciário, por meio da Resolução 07/2005. A reação foi de muitas críticas e de mandados de segurança impetrados por desembargadores contra essa Resolução. Em favor desta a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) entrara com ação declaratória de constitucionalidade (ADC) no STF, defendendo a competência constitucional do CNJ para deliberar sobre a questão. O procurador-geral da República teve o mesmo entendimento, pelo que também entrou com ação declaratória no Supremo para acabar com o nepotismo nas promotorias e procuradorias.
Em dezembro de 2007, o CNJ teve que reafirmar que o nepotismo é vedado ao Judiciário, em face de sua Resolução ter sido desobedecida: a mulher de um ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, demitida em razão da decisão do Conselho, recorrera à Justiça e ganhara o direito de ser reintegrada ao cargo, além do de receber os salários retroativamente. O CNJ afirmou a nulidade daquela decisão judicial e determinou nova demissão da funcionária. Finalmente, nessa quarta-feira, o Supremo reafirmou a competência do CNJ e estendeu a proibição do nepotismo ao Executivo e ao Legislativo. Com isso, a partir de agora os responsáveis pelos Três Poderes, em todas suas instâncias, terão de cumprir, sob pena de crime de responsabilidade, o que determina a mais nova súmula vinculante do STF.
Como se vê, houve uma verdadeira corrida de obstáculos para que a Justiça brasileira, por sua instância mais elevada, fizesse cumprir uma clara exigência constitucional.
O STF ainda definiu, no texto da Súmula, que são proibidas as nomeações de parentes até o terceiro grau. Com isso, ratificou decisão anterior do Conselho Nacional de Justiça. Também declarou ilegal o "nepotismo cruzado" - que consiste na troca de nomeações, entre colegas, uns favorecendo os parentes de outros. De qualquer forma, o que afirmaram dois dos ministros do Supremo Tribunal Federal sintetiza a correção ética fundamental que representa essa deliberação. Disse o ministro Ricardo Lewandowski que a nomeação de parentes permite que "o interesse privado prevaleça sobre o interesse coletivo", e disse o ministro Celso de Mello, decano da Suprema Corte, que "o nepotismo é um desrespeito aos atos republicanos e à ordem constitucional". Esperemos que, com essa decisão, o Supremo tenha encerrado, efetivamente, um histórico ciclo de patrimonialismo no Brasil.