Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 02, 2008

Amorim entra e sai com o pé esquerdo

Amorim, pede pra sair

A falta de acordo não seria tão amarga se o chanceler
não saísse das negociações moralmente derrotado
por suas próprias e absurdas declarações

Fotos Vincent Thian/AP e Sergio Dutti/AE

NINGUÉM MERECE
Traço de união: antiamericanismo infantil e língua solta aproximam Amorim do iraniano Ahmadinejad

O fracasso das negociações comerciais de Doha ecoa a falência verbal que levou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, a entrar nas reuniões com o pé esquerdo no lugar da língua e a sair delas com a autoridade destroçada por duas declarações de natureza intrinsecamente perversa. Uma análise do que disse o ministro:

• "O autor não é bom, mas é verdade: uma mentira dita muitas vezes vira verdade." A declaração tinha por objetivo desmentir um avanço nas negociações sobre produtos agrícolas supostamente difundido por representantes dos países desenvolvidos (leia-se Estados Unidos, claro). Definir o "autor" como "não bom" é possivelmente a melhor coisa já dita sobre Joseph Goebbels nos últimos sessenta anos. Goebbels foi o monstruoso e fanático ministro da Propaganda de Adolf Hitler, apologista do extermínio das "raças inferiores" e algoz dos judeus de Berlim .– e dos próprios não-judeus, que incitou a resistir, quando a guerra estava perdida. Depois do suicídio de Hitler, foi chanceler por um dia, que aproveitou para mandar a mulher matar os seis filhos do casal, antes de ambos se despacharem. Além de repugnante em si mesmo, citar Goebbels incorre na "Lei de Godwin" – quanto mais se prolonga uma discussão, a probabilidade de alguém fazer uma comparação envolvendo nazistas ou Hitler tende para 1. A partir daí, em virtude da disparidade da comparação, diz a Lei de Godwin, a discussão já está perdida. O fato de a representante americana nas negociações ser Susan Schwab, filha de sobreviventes do genocídio dos judeus, provocou uma típica não-desculpa de Amorim – "Se ofendi alguém...".

• "Deus queira que não seja preciso outro 11 de setembro." Assim o chanceler insinuou que o impasse comercial só seria rompido com atentados terroristas de proporções comparáveis aos de 2001 nos Estados Unidos. Se morasse no Irã do presidente Mahmoud Ahmadinejad, com quem parece se identificar na parolice desvairada, o autor poderia ser preso por exposição indecente das próprias idéias. Toda frase que, numa situação de confronto, começa com "Deus queira que isso não aconteça" significa exatamente o seu oposto ("Queira Deus que você seja castigado por seus pecados"). Ficam patentes o antiamericanismo infantil, um fenômeno freqüente nos que se sentem inferiorizados pela superpotência, e a expressão de desejos inconfessáveis (os Estados Unidos "mereceram" ser atacados e podem "merecer" de novo). O lapso elimina a hipótese de que, com a primeira declaração, o chanceler estivesse provocando os americanos em público para, a portas fechadas, trair a Argentina, como fez, sem sucesso.

Ainda a propósito da citação nazista: Goebbels, que se sentia excluído do círculo mais próximo de Hitler e se desdobrava no sicofantismo, jamais disse a frase mencionada por Amorim (mas uma variação: "Uma grande mentira sempre tem uma certa credibilidade"). Deus queira que o ministro jamais seja comparado a ele.

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