Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, fevereiro 28, 2005
Primeira Leitura : A operação de privatização da Eletropaulo e o BNDES
http://www.bloglines.com/blog/ArchIvo?id=1316
http://www.primeiraleitura.com.br/auto/leia.php?id=40808
BliG Ricardo Noblat Comentário da cientista política Lucia Hippolito na CBN:
"Pelo visto, já foi montada a estratégia do PT e do governo para tentar corrigir o desastre da semana passada, quando o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou que foi informado de atos de corrupção ocorridos no governo Fernando Henrique, mas determinou que isto não fosse divulgado nem investigado.
Essa estratégia consiste em jogar a culpa no PSDB, colando no partido o rótulo de golpista. Os tucanos estariam aproveitando o episódio para antecipar as eleições de 2006.
O presidente do PT, José Genoíno, procura reduzir a gravidade das declarações de Lula, dizendo que não tem essa importância toda que a oposição está atribuindo.
É uma defesa ruim. Sobretudo, porque deixa muito mal o presidente Lula. É como se Genoíno estivesse dizendo que não é para se levar a sério o que diz o presidente da República.
Lula é apresentado como alguém que fala qualquer coisa, sobre qualquer assunto em qualquer lugar. Em resumo, um falastrão meio irresponsável. Ao qual ninguém deve dar crédito e que não responde por aquilo que diz.
Já uma parte do governo, tendo à frente o ministro José Dirceu, assumiu uma atitude mais ofensiva, chamando os tucanos para a briga. José Dirceu declarou que o feitiço pode se voltar contra o feiticeiro.
Ou seja, uma investigação sobre as privatizações do governo Fernando Henrique poderia revelar irregularidades.
Ou coisa pior.
A sugestão do ministro-chefe da Casa Civil é das mais oportunas e merece aplausos. Quem sabe não chegou a hora de se fazer uma investigação séria sobre todas as suspeitas de corrupção que rondam a vida brasileira como assombrações?
Seria uma CPI ampla, geral e irrestrita.
Isso não traria nenhuma ameaça à governabilidade, porque as instituições brasileiras já demonstraram que agüentam o tranco. Privatizações do governo Fernando Henrique, os mistérios do Banestado – nunca inteiramente esclarecidos – e o escândalo Waldomiro Diniz, figura de proa na Casa Civil da Presidência da República.
Nunca é demais lembrar que no episódio das privatizações caíram um ministro das Comunicações e um presidente do BNDES. No escândalo Waldomiro Diniz, que operava dentro do Palácio do Planalto, o único demitido foi o próprio Waldomiro – e assim mesmo porque pediu.
Uma coisa é certa: o presidente Lula precisa saber que quem não investiga não tem o direito de acusar. E quem acusa tem o dever de provar que está falando a verdade."
Jornal O Globo - FMI, prós e contras George Vidor
Agora em março o governo vai decidir se renova ou não o acordo com o Fundo Monetário Internacional, e as apostas dos analistas financeiros se inclinam ligeiramente em favor da prorrogação por mais um ano. E o motivo para isso seria político, e não econômico, pois o atual quadro das contas externas brasileiras dispensa qualquer tipo de guarda-chuva do Fundo Monetário.
Ao renovar o acordo com o FMI, o governo Lula teria um escudo que o ajudaria a conter as demandas por aumento de gastos públicos. O recuo da inflação este ano dependerá muito do comportamento das despesas do setor público, que teriam de se expandir menos do que o crescimento esperado para a economia.
A renovação do acordo com o FMI adiaria por pelo menos um ano a entrada do Brasil no rol das nações emergentes classificadas na categoria das que oferecem pouco risco para investidores em moeda estrangeira. Para ser promovida a investment grade a economia brasileira terá de passar um tempo sem ser monitorada pelo FMI, demonstrando que faz o dever de casa por vontade própria.
Esse adiamento retardaria a redução dos prêmios de risco cobrados pelo mercado na concessão de empréstimos ou compra de títulos brasileiros no exterior. Mas, politicamente, o presidente Lula faturaria o fim do acordo do FMI em 2006, quando sua reeleição estará sendo decidida. Até lá, o Brasil terá acumulado um volume de reservas em moeda forte que não deixaria mais dúvida sobre a solvência externa do país.
No curto prazo, com a renovação do acordo, haveria desgaste político junto aos grupos mais à esquerda que ainda apóiam o governo Lula, mesmo acusando-o de manter uma política econômica tutelada pelo FMI.
Pondo esses fatores na balança, o mercado hoje considera que os prós superariam os contras à renovação do acordo com o FMI.
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Os preços do trigo estão baixos no mercado internacional. A Argentina chegou a vender a tonelada por US$ 100 (agora as cotações andam na faixa de US$ 125 porque a China anunciou que comprará mais 1 milhão de toneladas este ano, empurrando o mercado um pouco para cima).
Em função desses preços, a previsão é de que safra brasileira em 2005 praticamente não crescerá, permanecendo em um patamar de 4,6 milhões de toneladas. Provavelmente não haverá exportação de trigo nacional (no ano passado houve demanda para o tipo mais produzido no Brasil, e o país vendeu para o exterior quase um milhão de toneladas). O consumo interno deve atingir cerca de onze milhões de toneladas. É esperada uma expansão maior do que a de 2004, que ficou abaixo do crescimento (5%) do Produto Interno Bruto.
No mercado interno, o consumo geralmente acompanha a evolução da renda média dos brasileiros, com uma pequena defasagem de tempo. Quando melhora a renda, as pessoas comem mais pão, macarrão, bolos, biscoitos, pizzas etc.
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Com os lucros que registraram no ano passado, chega a ser vergonhoso que as pessoas tenham de enfrentar filas enormes quando vão à boca do caixa nas agências dos grandes bancos de varejo. Cerca de 80% do que os grandes bancos arrecadam na suas tarifas de serviços já são suficientes para cobrir a folha de pagamentos (até mesmo nos estatais).
Os bancos procuram automatizar ao máximo seus serviços, mas há casos em que o cidadão tem de recorrer ao guichê do caixa, sem opção de ir a outro banco, usar a internet ou fazer o pagamento em casa lotérica. Por isso, as filas são uma rotina nas agências dos bancos de varejo, onde o número de guichês abertos é sempre pequeno. Não fosse isso, nem haveria necessidade de se criar uma fila especial para pessoas com mais de 60 anos, gestantes ou deficientes físicos (bastaria dar preferência a eles).
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O número de patentes que a China deposita internamente dobrou desde que o país foi admitido na Organização Mundial do Comércio (OMC) e já passa de cem mil por ano, dos quais 82% têm origem nas empresas, e não em universidades ou institutos de pesquisa. O modelo chinês de desenvolvimento tecnológico repete a experiência da Coréia do Sul e de Taiwan, pela qual o governo incentiva diretamente as empresas.
A OMC só admite subsídios e subvenções para desenvolvimento tecnológico e preservação do meio ambiente, sendo que no primeiro caso a regra permite que até 75% do investimento sejam bancado por recursos oficiais.
O Brasil continua achando que o desenvolvimento tecnológico é tarefa das universidades, e não por caso que o número de patentes depositados pelo país internamente ou nos Estados Unidos pouco evoluiu nos últimos anos, embora o governo tenha criado diversos incentivos, como os fundos setoriais (petróleo, eletricidade, telecomunicações, verde-amarelo, etc.).
O professor Roberto Nicolsky, diretor geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec), acha a opção brasileira um equívoco, pois as universidades e os centros de pesquisa estão voltados para a fronteira do conhecimento, enquanto a indústria está vários passos atrás. Nicolsky, ele mesmo um pesquisador acadêmico no campo da supercondutividade, acha que o trabalho que desenvolve na universidade não terá aplicação prática para a indústria ou para as ferrovias no estágio que ambas se encontram atualmente.
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A avalanche de turistas estrangeiros no começo do ano é certamente uma das razões para os índices de emprego no Rio terem melhorado em janeiro, contrastando com os das demais regiões metropolitanas. Hotéis, albergues, bares, restaurantes, lanchonetes e lavanderias situados nos bairros freqüentados pelos turistas faturaram como nunca.
Folha de S.Paulo - Luiz Carlos Bresser-Pereira: FMI e nação - 28/02/2005
Se o país estivesse enfrentando uma crise, como aconteceu em 1998 e em 2002, recorrer ao FMI não teria esse significado. O principal papel que deve desempenhar essa instituição é a de ser emprestador de última instância. Neste momento, porém, depois de um saldo em conta corrente de US$ 11,7 bilhões em 2004 e da perspectiva de saldo apenas um pouco abaixo desse valor em 2005, o Brasil não tem necessidade de renovar o acordo. Renová-lo representará apenas o reconhecimento de que o governo desistiu de interromper o processo de recolonização do país iniciado no início dos anos 90.
Para o FMI, manter o Brasil sob o seu regaço é importante. Como, nos anos 90, a Argentina era o exemplo que essa organização podia apresentar ao mundo de país que seguia suas recomendações, agora esse papel está sendo representado pelo Brasil. Por isso o FMI está fazendo "concessões" ao Brasil, como se o país precisasse delas. Agora concorda em excluir cerca de R$ 3 bilhões do cálculo do superávit primário. Em outras palavras, concorda em reduzir o superávit primário acordado de 4,25% -o que é coerente com a lógica perversa do sistema econômico brasileiro, no qual o valor do superávit primário está condicionado pelo objetivo de não deixar a relação dívida/PIB aumentar. Como essa relação caiu devido à forte apreciação do real, o superávit primário pode ser reduzido.
Como qualquer instituição, o FMI precisa se mostrar útil a seus controladores, e por isso quer manter o Brasil subordinado. O nosso ministro da Fazenda, que continua a acreditar na política de "confidence buiding", mostra-se inclinado a renovar o acordo, ao dizer que ele seria "precaucionário". Sem dúvida, estamos precisando agir com mais cautela, mas não é nos subordinando fielmente às políticas vindas de Washington que lograremos segurança. Os países credores, que o FMI representa, não estão interessados em que o Brasil entre em nova crise, mas querem exportar o mais possível para cá e querem financiar o nosso déficit em conta corrente (a poupança externa) com seus financiamentos. Seus interesses, portanto, são contraditórios, e certamente não se identificam com o interesse nacional do Brasil.
O Brasil deixou de crescer a partir de 1980 em razão da crise do modelo de desenvolvimento anterior. Esse modelo, porém, foi abandonado há muito tempo, e, no entanto, continuamos a não ter nem estabilidade nem crescimento. Se me pedirem para dar uma única razão para a quase estagnação e a instabilidade da economia brasileira, não tenho dúvida em responder que foi nossa rendição à ortodoxia convencional vinda do Norte a partir dos anos 90.
Desde 1930, o Brasil vinha fazendo sua revolução nacional, "transferindo os centros de decisão para dentro do país", como dizia Celso Furtado, mas deixou de pensar com a própria cabeça diante de suas próprias fraquezas internas e da onda ideológica que vinha do Norte. Deixou, portanto, de ter uma estratégia para garantir a estabilidade macroeconômica e para se tornar mais competitivo internacionalmente. Ora, não serão os países ricos, que vêem os países de desenvolvimento médio como o Brasil como um de seus principais problemas, que nos contarão como voltar a tê-la. Nas nossas negociações comerciais, vemos todos os dias como eles defendem seus interesses contra os nossos. Por que não seria a mesma coisa em relação à política macroeconômica que nos aconselham?
Apesar de toda a pressão ideológica sobre o Brasil, os resultados das políticas propostas pelo Norte têm sido tão negativos que, aos poucos, a idéia de nação está voltando para os brasileiros. O governo Lula está vendo isso acontecer. Está vendo que a inserção do Brasil no sistema global só é possível por meio de uma política ativa de garantia da estabilidade macroeconômica e de elevados superávits comerciais. Talvez seja essa sua oportunidade de empunhar a bandeira da nação, que está, neste momento, sem um portador claro. Ou então aceitar a submissão e contar com as frestas que o Norte abre para que possamos, eventualmente, voltar a nos desenvolver.
Folha de S.Paulo - Fernando Rodrigues: Empulhação política- 28/02/2005
É impossível proibir alguém de buscar vantagens para si. Já sobre as siglas de aluguel há muito a ser feito.
O Brasil tem 27 partidos. Nada contra. Que floresçam os mil partidos. O problema é a maioria dessas agremiações ser tratada como se fosse grande, com tempo de TV à vontade e dinheiro do fundo partidário.
Com o recente troca-troca desenfreado de partidos voltou a esquentar em Brasília o debate sobre reforma política. Infelizmente, as medidas propostas são quase inócuas ou só servem para degradar o que já existe. Continua a valer uma lógica antiga e cruel: toda vez que um deputado ou senador tem uma idéia há risco de o Brasil ficar pior do que é.
O mais nefando no debate em curso é a proposta de redução da chamada cláusula de desempenho (ou de barreira). Criada em 1996 para valer a partir da eleição de 2006, determina que só terão amplo acesso à TV e aos recursos do fundo partidário as siglas que obtiverem 5% dos votos para deputado federal em todo o Brasil.
Sob o comando do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, deputados querem reduzir a exigência para 2%. Facilitarão a vida de partidos nanicos. No limite, siglas inexpressivas como o Prona terão na TV o mesmo tempo que PSDB e PT.
"A cláusula não vai criar oportunidade para todos. Vai criar meia dúzia de privilegiados. Vamos derrubar", declarou Severino na semana passada. O recado foi direto.
É possível contar nos dedos de uma mão o número de brasileiros interessados em assunto tão chato como a cláusula de barreira. Congressistas podem fazer a estripulia sossegados, sem pressão da sociedade. O eleitor só perceberá o estrago quando assistir ao desfile de personagens esdrúxulos no próximo horário eleitoral. Daí, será tarde. Severino e o baixo clero já terão vencido mais uma batalha.
Folha de S.Paulo - Editoriais: PARVOÍCE SINDICAL - 28/02/2005
O texto acerta ao acabar com a unicidade sindical. Em outras palavras, o trabalhador de determinada categoria não ficaria mais submetido à alternativa de não se sindicalizar ou de se filiar ao único sindicato que teoricamente o representa em determinada região.
Ao instituir, porém, a diversidade até hoje negada pela Constituição e pela CLT, o projeto do governo imediatamente encontra uma maneira velhaca de financiá-la. Recorre, como é de praxe na história brasileira, ao bolso do próprio trabalhador, seja ele sindicalizado ou não. A reforma pretende sancionar um "imposto negocial" a ser cobrado de todo e qualquer assalariado cuja categoria seja protegida por um contrato coletivo de trabalho. Tenta-se oficializar a famígera taxa confederativa, hoje cobrada a fórceps de uma parcela crescente de assalariados.
Trata-se de um mecanismo de arrecadação problemático. O trabalhador tem todo o direito de se filiar a seu sindicato e de contribuir voluntariamente para as finanças de sua entidade. Transformar em contribuinte o não-sindicalizado é inaceitável.
Existem ainda problemas derivados da legitimidade de cada sindicato que em tese disputará a representação de determinada categoria.
Se apenas abastecidos por contribuições voluntárias, sobreviveriam os mais representativos e mais dinâmicos. Beneficiados, porém, pelo "imposto negocial", sindicatos pouco representativos terão como sustentar uma estrutura burocrática independentemente da presença maciça de filiados.
A taxa confederativa, tal qual já é hoje praticada, subtraiu de uma parcela da máquina sindical a representatividade e o poder de reivindicar. Perpetuá-la é pretender financiar novas gerações de "dirigentes" à custa da sociedade.
domingo, fevereiro 27, 2005
Folha de S.Paulo - Uma crise de 99 anos RUBENS RICUPERO - 27/02/2005
Completaram-se , ontem e hoje, 99 anos da reunião dos presidentes de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro que culminou no Convênio de Taubaté. Primeira crise global do café, provocada pela triplicação da produção brasileira na década de 1890 (de 5,5 milhões a 16,3 milhões de sacas), a solução aventada foi sustentar os preços altos mediante a redução da oferta, que o Brasil controlava em cerca de três quartos.
O remédio acabou realimentando a doença. O preço estimulava a superprodução, no Brasil e nos concorrentes, enquanto o consumo crescia à taxa vegetativa de menos de 2% ao ano. Tem sido essa, com pequenas variantes, a história do café em um século.
Hoje, há 60 países exportadores, mas três, Brasil (33,7%), Vietnã (13,2%) e Colômbia (9,3%), respondem por mais da metade. O último capítulo da crise intermitente se desenrolou de 1997 a 2002, por haver dobrado a produção brasileira e devido à meteórica ascensão do Vietnã em robusta. A Unctad calculou que, se as cotações tivessem permanecido no nível de 1998, correspondente à média histórica, os produtores teriam tido renda adicional de US$ 19 bilhões entre 1999 e 2002.
Quer dizer, houve transferência de renda desse montante para as poucas firmas internacionais (de quatro a seis) que concentram o comércio e a torrefação. São elas que se apropriam dos ganhos de produtividade, sem que o consumidor final se beneficie do colapso do preço pago ao produtor. É essa a nova e alarmante desgraça do café, pois a volatilidade das cotações é fenômeno velho.
O produtor cada vez participa menos do valor agregado da cadeia do café. Em dez anos apenas, essa participação, que era de 36% a 38%, mergulhou para algo entre 6% e 8%! Apesar do desabamento dos preços, o valor total da cadeia passou de US$ 30 bilhões a US$ 70 bilhões de 1990 a 2000. Só que os agricultores recebiam, no início, US$ 12 bilhões de US$ 30 bilhões e agora mal chegam a US$ 5,5 bilhões de US$ 70 bilhões. O mais grave é que, diferentemente de crença generalizada, 70% da produção provém de 25 milhões de pequenos e médios agricultores. Os países mais dependentes da exportação de café (entre 60% e 80%) estão entre os mais pobres do mundo: Burundi, Etiópia, Ruanda, Uganda.
Não apenas no café mas em quase todos os produtos primários é impressionante a concentração vertical e horizontal em mãos de gigantes transnacionais e cadeias de supermercados. No Reino Unido, as quatro maiores cadeias varejistas representam 75% de todas as vendas de alimentos do país, inclusive vegetais frescos.
Graças à posição de domínio que exerce em mercados imperfeitos, o megacomércio assegura que a maior parte do valor agregado fique em mãos dos que manipulam o atacado e o varejo, depois que o produto deixa a fazenda. Na Califórnia, o consumidor paga US$ 3,99 por libra de ervilhas frescas, ao passo que o produtor na Guatemala recebe 18 centavos a libra (5%); as mangas vendidas por 99 centavos a libra rendem 8 centavos ao produtor.
A correção desse iníquo mecanismo de espoliação e transferência faria mais pelos pobres do mundo do que todos os programas de ajuda. É bom que os brasileiros iludidos pelo ufanismo ingênuo das exportações agrícolas, hoje um tanto já corroído pelas dificuldades da soja e do algodão, meditem essa dura realidade. Só assim compreenderão o que disse o professor Carlos Eduardo Young, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sobre esse tipo de atividade econômica que devasta a floresta, concentra a renda e o emprego e só agrega valor ínfimo a um produto sempre ameaçado pelas oscilações do mercado. Ela não é o futuro do Brasil. Ao contrário, conforme revela o papel do café na destruição da mata atlântica, na decadência do Estado do Rio de Janeiro e na herança das cidades mortas do Vale do Paraíba, ela não passa do seu triste e doloroso passado.
Folha de S.Paulo - LUÍS NASSIF Como negociar a dívida externa - 27/02/2005
"Bem, senhores, o que podemos fazer por vocês?".
A atitude de Zélia gerou resistências adicionais enormes. Com sua rede de relações internacionais, o embaixador Walther Moreira Salles atuou nos bastidores para convencer o Commerzbank, alemão, a aderir à proposta. A resistência se devia, exclusivamente, à atitude arrogante de Zélia.
Por aqueles tempos, o embaixador estava de partida para os EUA. Em almoço na sede da Brazil Warrant, no Flamengo, seu filho João indagou qual seria sua estratégia para renegociar a moratória brasileira. Seu depoimento, conforme minhas anotações:
"Para negociar uma divida, o relacionamento social funciona. Menos que antes, mas funciona. Relações sociais são indispensáveis. As grandes negociações no mundo, entre Rússia e EUA, não teriam avançado se as primeiras conversas não tivessem surgido em razão de contatos pessoais".
"Nas negociações de uma dívida, os contatos pessoais talvez não sejam mais tão importantes. Mas, se nome do negociador inspira confiança, solidariedade e abertura de conversa, ajuda bastante."
"O fato de eu poder falar com Douglas Dillon (secretário do Tesouro do governo Kennedy) e mulher, convidá-los para almoçar e jantar, tornava tudo muito mais simples. Internacionalmente, o mundo é muito fechado. O grupo que decide é muito menor."
"Se fosse negociar a dívida agora, primeiro falaria com Jonhatan Bush, irmão do presidente Bush, homem que aprovou minha entrada no River Club Racket and Tennis. No mundo anglo-saxão, freqüentar o mesmo clube é muito importante."
"Depois, iria ter com o secretário do Comércio, Robert A. Mosbacher. Antes de começar a conversar tecnicamente, falaria com David Mulford. Mas não iria até o Tesouro. Iria ao Metropolitan Club de Washington jantar."
"Diplomacia é questão de contatos de ordem pessoal, não há outra maneira. Sem alarde, sem ser do tipo "estou defendendo isso ou aquilo", é conversando suavemente, socialmente."
Com esse estilo, Salles salvou o Brasil de quatro crises cambiais.
Folha de S.Paulo - Janio de Freitas: O afrouxamento geral - 27/02/2005
"E ele me dizia simplesmente o seguinte: "A nossa instituição está quebrada, estamos falidos. O processo de corrupção que aconteceu antes de nós foi muito grande". (...) Eu disse ao meu companheiro: "Olha, se tudo isso que você está me dizendo é verdade, você só tem o direito de dizer para mim. Aí para fora você fecha a boca" (...)."
É possível alguma dúvida a respeito do sentido dessas poucas frases, seja no que se refere ao governo de Fernando Henrique Cardoso ou à ordem para ocultar?
Muitos quilômetros de papel e horas de telejornalismo estão sendo gastos, desde a noite de quinta-feira, com as pretensas atenuações, por todos os que têm voz política no governo, do sentido das frases discursadas por Lula. E, como coadjuvantes do gasto, representantes dos atingidos saem com desafios, represálias aparentes e duvidosas exigências de retratação.
Parece um choque entre as duas principais correntes políticas pelo controle, atual e futuro, do poder. Não é. Ou só é à primeira vista.
O afrouxamento dos limites éticos e legais, nos níveis altos da vida institucional brasileira, tem avançado nos últimos anos com ritmo e alcance avassaladores. Esse processo se expõe por atos dos que o produzem e dos que a ele aderem. É natural, então, que em certas ocasiões ocorra uma concentração de diferentes evidenciações do processo. O que houve nos últimos dias foi uma crise aguda de exposição, com diferentes personagens exibindo o que as faz construtoras do processo ou o que dele absorvam por fraqueza e ambição.
Pode-se explicar a escolha dos dirigentes de uma instituição com a estatura da Câmara dos Deputados, como se deu agora, sem tomar como fator primordial o afrouxamento dos princípios éticos e culturais da ação política? Mas o problema não pode estar só na Câmara. Em 1992 um presidente da República ruiu sob a acusação de numerosas transgressões, suas e de familiares e auxiliares mais próximos. Quantos condenados se poderia citar? Se não houve condenados, o que tinha havido a ponto de derrubar um governo? Os fatos ocorreram e ficaram conhecidos; condenações, não. Nem o assassinato de um do grupo resultou em condenação. Foi a partir de Collor que o processo, vindo de longe, acentuou sua evidenciação, sem encontrar resistência.
Lula, com sua frase, regurgitou parte de algo que aceitou ingerir, em adesão explícita ao afrouxamento ético e legal. O pacto de silêncio que fez com Fernando Henrique Cardoso, componente da dita "transição civilizada", foi parte da reviravolta petista para adoção, como prioridade do governo e do partido, das regras historicamente impostas ao país pelo poder econômico. Nenhum governo levou tão longe a aplicação dessas regras quanto o de Fernando Henrique. Mas servir à lei e ao dever ético presidencial, e investigar as tantas pistas deixadas pelas privatizações e outros negócios dos anos precedentes, seria afastar-se das regras do poder econômico. Ou seja, da prioridade adotada pelos convertidos Lula e companheiros.
Desde os primórdios do governo, Lula mostrou sua dificuldade de conciliar a sujeição à regra tradicional e, incontível, o sentimento de grande vitorioso, de poderoso incontrastável, de personagem da admiração planetária. A "herança maldita" logo virou um carimbo de Lula para o governo Fernando Henrique. Diferentes versões surgiram para variar com o carimbo original. E tudo o que Fernando Henrique e circunstantes puderam fazer, sempre, foi fingir que respondiam.
Talvez pela derrota na Câmara, talvez pela demonstração amazônica de seu abandono a tudo o que pregou por duas décadas, na quinta-feira Lula caiu em um momento discurseiro de maior fúria, seu rosto lembrava o Lula das portas de fábrica. Regurgitou o que se obrigara a calar. Fernando Henrique retrucou como de hábito, aí se ressaltando dois instantes. Uma frase escrita na nota pessoal: "Mandei apurar todas denúncias que chegaram a mim". Uma frase dita na acanhada entrevista de TV: "Se houve alguma coisa, tem obrigação de apurar".
Fernando Henrique referia-se à obrigação de Lula. Essa última frase foi providencial, para que houvesse ao menos uma verdade reconhecível na sua, vá lá, reação. Em vez de "mandar apurar", Fernando Henrique impediu todas as CPIs e frustrou todas as outras investigações -repito: todas- de evidências de corrupção em seu governo. Inclusive flagrante de negociata dentro da própria Presidência, com a prova inequívoca obtida por um integrante do governo (a gravação providenciada por Francisco Graziano). Figura central desse negócio flagrado, o embaixador Júlio César Santos foi agraciado por Fernando Henrique, sem dúvida bem motivado para isso, com uma embaixada em Roma.
Fernando Henrique há de se lembrar de sua voz na gravação em que autoriza o uso do seu nome para influir na condução, pelo BNDES, do resultado de uma privatização de telefônica. Nem deve ter esquecido da viagem sigilosa de um ministro seu à Espanha, Luiz Carlos Mendonça de Barros, para encontros secretos com dirigentes da empresa que veio a ser a maior vencedora nas privatizações de telefônicas. Fernando Henrique tem boa memória, não é preciso citar mais.
Quanto à outra frase, caso verdadeira sua afirmação de que, a haver "alguma coisa, [Lula] tem a obrigação de apurar", Fernando Henrique não seria parte dos entendimentos que deram na "transição civilizada" tanto quanto silenciosa sobre conhecidos feitos do seu governo.
Presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim não faltou com sua contribuição para a crise aguda de evidenciações do afrouxamento ético e legal, nas cúpulas da vida brasileira. Nesse estado de coisas, é compreensível que alguém confesse uma alteração, sem conhecimento dos constituintes, no texto que viria a ser a Constituição, e, além de se manter no cargo mais elevado do Judiciário, nenhum questionamento lhe seja feito. Sendo assim, quem estranharia, agora, que o mesmo presidente do STF andasse pela Câmara, dias atrás, a fazer "lobby" para um projeto que o beneficia em pessoa, e aos colegas de tribunal, com aumento dos seus vencimentos.
O político-magistrado aproveitou a ocasião, porém, para afirmar que "a equiparação global" dos vencimentos é o "melhor" a ser feito. Os deputados que querem equiparar os seus vencimentos aos do Supremo Tribunal Federal não poderiam ouvir palavras mais doces. Nem mais estimuladoras para votarem o aumento do STF buscado por Jobim, pois, com esse, crescerá ainda mais a elevação que já pleiteiam sob a bandeira de Severino Cavalcanti.
Mas o que se viu também, nesse episódio, foi o próprio presidente do STF antecipando, publicamente, sua opinião sobre matéria que tende a ser objeto de julgamento naquele tribunal. O afrouxamento ético e legal não atinge só as alturas do Executivo e do Legislativo.
Folha de S.Paulo -ELIANE CANTANHÊDE"Feche a boca!" - 27/02/2005
Enquanto a turma do uísque e do vinho tinto torce o nariz para a falta de gerência, juros altos e superávits primários inacreditáveis, a turma do boteco da esquina não dá a mínima para nenhuma dessas chatices.
O que faz a diferença entre a avaliação de Lula (mais alta) e a de seu governo (mais baixa) são os resultados objetivos da economia e a maneira como o presidente se comunica. Quando envereda pelas metáforas, pode agradar muito a turma do boteco (já que o papo é mesmo sobre futebol). Mas, quando o improviso é sério, a turma do uísque e do vinho, formadora de opinião, se assusta.
Lula decidiu "bater duro" em FHC, que dera entrevista ao "Correio Braziliense" responsabilizando o sucessor pela anarquia partidária e pela própria derrota para Severino Cavalcanti na eleição na Câmara. Na quarta-feira, aproveitou uma entrega de prêmios para dizer que o governo tucano fora "negligente", "anti-republicano" e "antinacional". Na quinta, animado com o próprio tom, extrapolou ao contar, sem contar direito, a história de um assessor que fizera denúncias contra a gestão FHC.
Segundo Lula, ele ordenou ao denunciante: "Feche a boca!". Nada poderia ser mais negligente, anti-republicano e antinacional. Com efeito bumerangue. Tentando atingir FHC, Lula atingiu a própria testa.
Foi a vez de FHC se refestelar. Numa nota elegante, sem gorduras, ele disse tudo o que tinha que dizer: que nunca impediu investigações do Ministério Público como presidente, não impediria agora sem funções pública. E que, portanto, ou Lula contava tudo e fazia o que deveria ter feito desde o início -mandar apurar às últimas conseqüências-, ou se retratava em público. Caso contrário, o Congresso que entrasse em ação.
Lula perdeu uma ótima chance de ficar calado. Quando o presidente é boquirroto, fala cobras e lagartos. E é vítima do próprio veneno.
Folha de S.Paulo - CLÓVIS ROSSI Silêncio- 27/02/2005
Primeiro, porque meu neurônio, já gasto, mal consegue dar conta da concentração necessária para acompanhar o assunto de que me incumbiu esta Folha, no caso a saúde do papa. Segundo, porque o editorial de ontem deste jornal já dizia o que se poderia dizer.
Mas há um aspecto que me incomoda faz algum tempo e que se torna, agora, necessário compartilhar com o leitor. Trata-se da capacidade inigualável de Lula de dizer coisas que não fazem o menor sentido.
Há alguns exemplos folclóricos, já tratados pelos jornais, como aquela vez em que disse que nem parecia estar na África, tão limpinha era a cidade em que acabara de desembarcar (Windhoek, a capital da Namíbia). Gafe feia.
Mas há outros exemplos menos notórios. Em 2003, ao participar da reunião da "Progressive Governance", nas imediações de Londres, Lula relatou que acabava de tomar parte em reunião ampliada do G8. Citou alguns dos outros países em desenvolvimento também convidados e incluiu o Nepal entre eles.
Ora, o Nepal só é convidado para cúpulas de meditação, o que revela o grau de, digamos, distração do presidente quando improvisa.
Os críticos do governo preferirão dizer que não é distração, mas desinformação ou coisa pior (irresponsabilidade, por exemplo). É o típico caso do discurso que gerou o novo escândalo. Só um distraído ou irresponsável confessa, de público, que preferiu ocultar a corrupção.
Ou seja, confessou um crime.
Curioso o mundo: o papa está condenado ao silêncio, o que muitos lamentam. Mas, em outras paragens, o lamento está dado pela incontrolável verborragia do presidente.
Jornal O Globo - Miriam Leitão País dos cartéis
O Brasil tem três produtores de vergalhão de aço: Belgo, Gerdau e Votorantim. Se alguém achar que eles atuam em cartel e têm preços abusivos poderá importar o produto? Poder, pode, mas tem que cumprir as seguintes exigências: o fornecedor lá terá que ter ISO 9000 e terá que registrar sua marca no INPI no Brasil e, além disso, o produto terá que ter uma especificação técnica de um tamanho que não é fabricado em nenhum país grande do mundo. O nome disso é barreira técnica. Com elas, os cartéis sobrevivem até na era da abertura.
No caso do vergalhão de aço, a SDE seguiu uma denúncia e abriu um processo. A investigação concluiu que os três dividiam clientes entre si e combinavam preço para que eles fossem cada vez mais altos. Enviado para o Cade, foi marcado o julgamento. No dia do julgamento, um juiz deu uma liminar, pedida pela Gerdau, impedindo o Cade de julgar.
Daniel Goldberg, o secretário de Direito Econômico, acha que esta é a melhor forma de enfrentar o problema crônico dos cartéis no Brasil: partindo para o ataque.
— Em vez de ficar apenas julgando 800 casos de fusão e aquisição por ano, o sistema de defesa da concorrência tem que ter também uma atuação agressiva contra os cartéis.
Ele chama isto de “inteligência concorrencial”. Com agentes da Polícia Federal treinados na própria SDE, com convênio com o Ministério Público em 26 estados, com escuta telefônica autorizada, astúcia e estratégia, Daniel está encurralando alguns dos muitos cartéis que existem há décadas no Brasil.
Aqui não é o país dos cartéis por acaso. O próprio governo, durante os longos anos da superinflação, tinha um órgão que empurrava a economia para a combinação de preços e conspiração contra a concorrência: o Conselho Interministerial de Preços. Até hoje, ainda há fatos exóticos, como o DAC impedir desconto nas passagens aéreas.
O mais espantoso, na opinião de Daniel Goldberg, é o que ele encontrou nas várias batidas que deu com a Polícia atrás das provas do crime. Ele disse que é tudo organizado, há normas nos cartéis, esquemas de punição para quem descumprir o combinado, há programas de computador adaptados para fazer a ação combinada, há até programas de motivação para que todos, juntos, não deixem o cartel morrer.
— Há duas notícias. Uma boa e uma ruim. A boa é que é possível pegar o cartel e provar que ele existe. A má é que nós nunca demos uma batida sem encontrar provas da existência de cartel — disse o secretário.
Uma das formas de pegar o cartel desenvolvida no atual governo foi a do “acordo de leniência”, ou seja, o integrante que denunciar o cartel tem uma redução ou anulação da pena. Empresas pequenas que são constrangidas de diversas formas — inclusive com uso da fiscalização de órgãos do governo — a aderir ao cartel, podem denunciar. A primeira denúncia a aparecer na Secretaria foi sobre empresas de vigilância privada. Houve mandado de busca e apreensão em quatro lugares e, depois de análise do conteúdo de 16 CPUs e 11.400 documentos, foi possível iniciar um processo contra 21 empresas, três entidades e 30 pessoas físicas. Há um caso que envolve multinacionais: White Martins, Air Liquide e Aga, Air products, Indústria Brasileira de Gases. Juntas produzem 99% dos gases industriais que são usados tanto na indústria de alimentação quanto em hospitais. O caso mais conhecido que partiu de uma investigação preliminar da SDE é o de hemoderivados, o da Operação Vampiro.
Essa nova forma de atuação de um dos órgãos de defesa da concorrência está produzindo o acúmulo de provas e de processos contra os cartéis e os seus responsáveis nas empresas brasileiras. O segundo passo vai ser dado agora: no mês que vem, vai para o Congresso um projeto de criação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, um redesenho institucional que promete atualizar a ação antitruste no Brasil.
Daniel Goldberg fala com entusiasmo sobre o processo que, ao ser concluído, vai acabar com o emprego dele no governo:
— A SDE deixa de existir e passa a ser um braço do Cade. E, no Ministério da Fazenda, a Seae deixa de ser um órgão antitruste para se especializar na remoção das barreiras técnicas às importações, além de outras funções.
Se for aprovada, os casos de fusão e aquisição que serão analisados pelo órgão vão diminuir, os processos serão simplificados, as decisões mais rápidas. E haverá mais tempo para a atuação ativa contra os cartéis.
As histórias que ele conta são todas espantosas. O resultado da ação do órgão é inédito: nunca houve tanto cartel encurralado e tantas provas na mão da Justiça e do Cade como agora. Quem sabe, com ações assim, haverá um dia concorrência no cartelizado capitalismo brasileiro.
O Globo Elio Gaspari Nuvem
Um dos muitos formatos da nuvem do Ministério da Saúde sugere que ele possa vir a ser ocupado por Ciro Gomes.
Por mais fácil que pareça, a demissão de Humberto Costa complica-se toda vez que a turma da bandalha resolve criar crises para enfraquecê-lo.
Recordar é viver
O Departamento de Estado talvez não lembre, mas o consulado do Brasil em Atlanta foi criado em 1976, a pedido do então governador da Geórgia, Jimmy Carter.
Ele visitou o Brasil em 1972, antes de ser eleito presidente, batalhando pela medida. Àquela época ninguém poderia imaginar que 30 anos depois haveria cerca de 30 mil trabalhadores brasileiros na região de Atlanta.
Não fica bem para um serviço diplomático profissional encrencar com uma repartição que foi criada para atender a um pedido do cidadão que se tornou presidente dos Estados Unidos.
Palpites
Um curioso das sucessões no Vaticano acredita que se o sucessor de Karol Wojtyla não for um cardeal italiano, a tradição estará de tal forma quebrada que não será restabelecida tão cedo.
Se o sucessor de João Paulo II for um italiano, é provável que se chame Dionigio Tettamanzi. Tem 70 anos e é o arcebispo de Milão.
Nos últimos cem anos, todas as vezes em que o arcebispo de Milão esteve entre os papabili, saiu Papa do conclave. (Pio XI e Paulo VI)
Como não há conclave sem que o secretário de Estado esteja entre os favoritos, a continuidade do pontificado de João Paulo II seria defendida pelo cardeal Angelo Sodano. O último secretário de Estado a chegar ao papado foi Pio XII, em 1939.
Desperdício
O comissário José Genoino teve duas reuniões com políticos oposicionistas nos últimos dias do recesso. Uma, com o tucano Geraldo Alckmin, aconteceu no Palácio Bandeirantes. A outra, com o senador Jorge Bornhausen, foi na sede do PFL. O presidente do PT propôs-se a discutir a pauta política e foi aos dois encontros levando um companheiro.
Durante a conversa com Bornhausen, a certa altura o comissário voltou-se para o acompanhante e perguntou: “Não é, Delúbio?”
O presidente do PFL não conhecia pessoalmente o tesoureiro do PT. Homem educado, conduziu a conversa por mais uns dez minutos.
Pena. Tem tanta gente querendo reunir-se com o companheiro Delúbio e Bornhausen desperdiça um encontro desses.
Mesa farta
O IBGE informa que, em 1996, quando começou a medir a renda da população ocupada, ela caiu de R$ 508 para R$ 409.
Nesse mesmo período, a renda de FFHH, de Lula e do pedaço da ekipekonômica que passeou pela porta giratória que liga Brasília à Avenida Paulista aumentou de forma significativa.
Um dia o Banco Central fará uma pesquisa revelando quanto a banca paga aos seus ex-diretores que trocaram a mesa do Copom pela do restaurante La Coupole, em Paris.
De novo
Ressurgiu o nome de Vladimir Palmeira nas articulações do petismo carioca. Ele pode ser candidato a governador.
O grande agitador das manifestações de 1968 é hoje um petista que não brigou com sua própria biografia. Une a esquerda carioca e dedetiza a banda podre do PT fluminense.
Seu problema pode vir a ser esse: une demais, dedetiza demais.
Um holofote para a privataria
Não se preserva auto-estima encobrindo malfeitorias. A privataria do tucanato e os financiamentos ruinosos concedidos pelo BNDES precisam de mais holofotes e menos folclore. O “alto companheiro” citado por Lula em sua maledicência nunca esteve no anonimato. O professor Carlos Lessa jamais escondeu a situação em que encontrou o banco, em janeiro de 2003. Ele tem conhecimento e capacidade para recontar o que viu.
A privatização das empresas de energia elétrica produziu um socorro genérico, um calote específico (Eletropaulo) e uma hospitalização (Light). Em todos os casos, a conta foi para a choldra. A liquidação das ferrovias beneficiou pelo menos um raposão internacional e acabou numa injeção estatizante que poderá chegar a R$ 1 bilhão. Tudo isso com um encolhimento de quatro mil quilômetros da malha. As maracutaias da privataria das comunicações só não acabaram em CPI porque no início de 2003 o PT negociou um telesilêncio com o PSDB.
Não é necessário criar um clima de caça aos tucanos. Trata-se apenas de abrir o debate e as contas do BNDES. Faz tempo que pesquisadores nacionais e estrangeiros estudam as privatizações do mandarinato de FFHH. Em alguns casos as conclusões são muito mais tristes que as de Lula.
Talvez se possa usar a autópsia da privataria para melhorar a qualidade do debate das políticas públicas nacionais.
Ao contrário do que dá a entender o companheiro, a corrupção não é a causa determinante do malogro de muitas privatizações nem da tunga imposta ao BNDES. O mais grave é a política ruinosa. Mesmo que a privatização do setor elétrico (ou ferroviário) tivesse sido feita por São Francisco de Assis, a beatitude do vendedor não eliminaria o fato de que o processo era inepto e lesivo aos interesses da sociedade brasileira.
Por mais que se tenha roubado em Pindorama, debaixo deste céu de anil há mais coisas dando errado porque estão irremediavelmente tortas do que por roubalheiras. Ninguém roubou um ceitil do programa Primeiro Emprego e ele foi a pique. O Fome Zero acabou em piada sem que se tenha transformado em fonte de corrupção.
Se os companheiros estiverem mais interessados em fazer as coisas funcionarem do que em apenas denunciar os outros, o debate da privataria melhorará a auto-estima nacional. Não é preciso sair por aí pensando só em apontar culpados, até porque, como ensinou o cantor Paul Robeson, toda vez que você aponta um dedo na direção de alguém, outros três estarão apontando para você.
Remédio caro para cobaia barata
Deu no “The New York Times”: Louise Dunn, porta-voz do laboratório inglês Glaxo, informa que a empresa testa seus remédios em cobaias na Índia, China, México e Brasil.
Lá se foram os tempos em que D. Pedro II negou a Louis Pasteur um lote de presidiários para que ele testasse sua vacina contra a raiva.
Os testes de remédios na patuléia do Terceiro Mundo barateiam as pesquisas dos laboratórios. Esse tipo de trabalho consome dois terços do custo de um novo medicamento e quando ele é feito por cá, sai pela metade do preço. As empresas asseguram que praticam no andar de baixo os mesmos padrões de qualidade exigidos nos países do andar de cima.
Na hora de usar cobaias de baixo custo, os laboratórios entendem as virtudes do Terceiro Mundo.
Na hora de vender seus remédios para as famílias dessas mesmas cobaias, recusam-se a baixar os preços.
Alem do Glaxo, os laboratórios Roche, Aventis, Pfizer e Eli Lilly mantêm programas de testes na Índia.
no mínimo Augusto Nunes A hora da mordaça
Os amigos de Lula precisam providenciar com urgência uma mordaça destinada a livrá-lo do permanente convívio com o perigo. Esse perigo mora nos sucessivos improvisos disparados por um falante compulsivo: ele vem mantendo a média mensal de 25 discursos, a maioria dos quais improvisados. É nesses que o maratonista dos microfones, abstraídas performances marcadas pelo talento do velho palanqueiro, costuma espancar o idioma com particular desembaraço e dar-se à prática de um esporte de alto risco: caminhada sobre navalha.
Impedir o presidente de discursar de improviso é inviável, e seria excessivamente cruel obrigá-lo a apenas ler textos preparados por assessores cautelosos. Aí é que entra a mordaça, de uso restrito a dois ou três amigos de fé. Os improvisos devem ser limitados a dois por semana. Se Lula der sinais de que vai partir para o terceiro, o amigo tratará de silenciá-lo. É gesto caridoso, coisa de bom companheiro. Porque reduziria o volume de bravatas, tolices, frases insensatas, argumentos ilógicos, rompantes de candidato, gabolices, fantasias e outras bobagens de variado calibre.
O primeiro escorregão ocorreu já na largada, no discurso de improviso para a multidão que festejava na Avenida Paulista a vitória do candidato do PT. “Prometo não dormir enquanto existir um só brasileiro que não tenha três refeições por dia”, informou.
Nestes dois anos, os responsáveis pela área social têm colecionado fiascos. O Fome Zero foi reduzido a piada de mau gosto. Entre janeiro e fevereiro, quatro crianças indígenas morreram numa aldeia em Dourados, Mato Grosso. Todas sucumbiram à desnutrição, causada pela ação do cutelo do Ministério da Fazenda sobre verbas reservadas a programas assistenciais e pela inépcia de entidades incumbidas de garantir a sobrevivência dos índios.
A fome corre solta por aí, mas ninguém tem visto no rosto de Lula vincos e olheiras que dois anos de insônia tornariam inevitáveis. O drama das crianças indígenas assassinadas pela inanição não foi sequer mencionado no programa radiofônico semanal em que discorreu longamente (de improviso) sobre questões amazônicas.
Depois de proclamar-se indignado com a execução a tiros da missionária Dorothy Stang, uma ingênua heroína dedicada a projetos sociais num grotão do sul do Pará conhecido como “Terra do Meio”, Lula esbanjou felicidade. Os autores do crime haviam sido identificados e quase todos recolhidos à cadeia. Os policiais da região receberam um reforço de respeito: dezenas de agentes da Polícia Federal e centenas de soldados do Exército fantasiados de conquistadores da selva. E acabara de ser divulgado um abrangente e audacioso “pacote ambiental”.
O conjunto de providências – uma Medida Provisória, seis decretos e um projeto de lei – pretende “coibir a violência e o desmatamento na Amazônia”. Foram interditados 3,8 milhões de hectares na “Terra do Meio”, para a criação de duas unidades de conservação florestal, e outros 8,2 milhões de hectares às margens da rodovia Cuiabá-Santarém. O governo federal tornou-se responsável direto pela gestão de 72% das terras do Pará.
Em poucas semanas, estará criado um novo órgão encarregado de “gerir a exploração de madeira, disciplinar a atividade e obrigar os concessionários a reflorestar áreas desmatadas”. O Ibama e o Incra, duas siglas em frangalhos, ganharão estruturas consistentes. Supostos donos de terra terão de apresentar documentos de posse convincentes. E obedecerão a códigos rigorosos, concebidos para impedir os mandarins das matas de incendiar a floresta para em seguida consumar a grilagem.
Orlando Villas-Bôas, o maior especialista em coisas da Amazônia, vivia reiterando a advertência: “Aquilo é uma terra de ninguém e de todos”, resumia. “Existem tantas escrituras falsificadas que, se quiser entregar terras a todos os que se dizem donos de algum pedaço de chão, o governo terá de inventar um Pará com dois andares”. Lula não precisou operar milagres para revogar um problema forjado ao longo de cinco séculos. Uma boa canetada foi suficiente.
O Brasil com neurônios sabe que tudo continuará como sempre, que várias medidas ficarão engavetadas no armário das ficções federais, que muitas regiões do país seguirão esquecidas pelo Estado. Mas Lula embarcou na gabolice. “Atingimos a maioridade no controle da nossa Amazônia e das nossas florestas”, proclamou. Horas depois, a fantasia seria fulminada pelo tiro de escopeta que matou o ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro Filho. Ribeiro era um dos três encarregados de preservar a Biológica do Tinguá, 27 hectares de Mata Atlântica a 70 quilômetros do Rio. Foi condenado à morte por caçadores de animais em extinção e exploradores de palmito.
O convite à reflexão foi substituído por um surpreendente contra-ataque. Em novo improviso, confessou ter mantido em sigilo casos de corrupção supostamente ocorridos no governo Fernando Henrique, denunciados por “um alto companheiro”. Se a história efetivamente ocorreu, Lula pode ser enquadrado no crime de prevaricação.
Mordaça nele.
O DIA Dora Kramer Online Aécio anima-se: ‘2010 veio antes’
Aécio já assume que está no páreo com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Até outubro, ele acreditava na reeleição de Lula como um fato quase consumado, ficava lá e cá quando se tratava de fazer oposição e tratava a história de candidatura mais como um elogio pessoal, não uma realidade próxima.
As eleições municipais e episódios políticos subseqüentes mudaram as convicções de Aécio.“O cenário esperado para 2010 veio antes, vai acontecer em 2006”. Qual seja, a disputa com possibilidade real de vitória para a oposição.
Por isso mesmo, o governador de Minas alerta: o PSDB deve tomar muito cuidado para não errar no processo e na escolha do candidato. “Precisamos entrar preparados para ganhar, não apenas para competir”.
Apesar de enxergar luz ao longe para o tucanato, ele discorda dos mais afoitos quanto à premência da apresentação à opinião pública de um rosto capaz de encarnar o contraponto ao presidente Lula.
Além de não considerar urgente o lançamento de nomes, Aécio aconselha à oposição prudência no cumprimento da agenda eleitoral. “Pior que não ter um candidato agora é errar o nome e a hora da escolha”.
Na opinião de Aécio Neves, o nome do jogo no momento é “desconstrução”. Mostrar que o Governo não tem gerência, “está à deriva”, é incapaz de tomar medidas eficientes e de levar adiante um projeto eficaz para o Brasil.
Para ele, 2005 é o momento da imposição do desgaste ao adversário; a hora do lançamento da candidatura o governador localiza em alguma data entre o fim deste e o início do ano que vem.
Note bem o leitor que as assertividades às quais o sinuoso governador recentemente aderiu limitam-se à hipótese de vir a ser candidato e à oposição aberta ao Governo. Entre suas decisões não está o ataque direto à figura de Luiz Inácio da Silva, como pregam vários de seus correligionários, Fernando Henrique, inclusive.
Aécio vai preservar a relação. Acha que é perfeitamente possível fazer o discurso político com marcação cerrada nas deficiências do Governo e na comparação com “as eficiências” da gestão FH, sem a necessidade de pesar a mão no confronto com o presidente Lula.
“Não acho correto copiar a forma do PT de fazer oposição, soa artificial e desagrada ao nosso eleitorado”.
Argumenta, por exemplo, que o PSDB pode mostrar ao eleitorado um “time” de estrelas – modestamente, governadores incluídos – enquanto que o PT só tem Lula para exibir.
“Além disso, o conteúdo da campanha será inteiramente diferente do de 2002. Lá, disputamos contra uma esperança, os problemas do Governo eram comparados com uma utopia prometida. Agora, não: é proposta contra proposta, comparação de realidades objetivas e, nesse campo, seja pelo Governo de Fernando Henrique ou pelas atuais administrações do PSDB, nós ganhamos”.
Excesso de otimismo? Não, senso de oportunidade. “O Governo começou a se fragilizar quando deu menos atenção à produção de resultados do que à necessidade de empregar os amigos derrotados. Aí perdeu-se e nunca mais se encontrou”.
Fácil, Aécio não chega a dizer que as coisas serão. Apenas vão ser menos difíceis que o esperado.
Sim, mas da mesma forma que mudou para melhor do ponto de vista da oposição, o cenário pode voltar a favorecer o governo, pois não?
Possível é, mas na concepção do governador de Minas, muito pouco provável. “Da metade para o fim, a possibilidade de as coisas darem errado para os governos é sempre maior”.
A começar, na visão de Aécio, pelo desconforto dos aliados que precisam garantir suas sobrevivências políticas e afinam o faro para volver ao lado onde esteja mais bem delineada a expectativa do poder.
“Em matéria de fidelidade, a base do Governo é frágil e fluida”, diz, ponderando porém ser ainda muito cedo para a oposição sonhar com a adesão de determinado tipo de político cuja peculiaridade é sugar governos até o fim.
E, no fim, uma lembrança: a política não se resume a PT e PSDB. Há, por exemplo, o candidato Anthony Garotinho, do PMDB. Estariam os tucanos nutrindo a ilusão de que ele vá desistir, ou arquitetando contra ele armadilhas de percurso?
“De jeito nenhum, ainda mais que Garotinho tira votos é do Governo, não da oposição”. Mas, antes de tratar de candidatos outros, o governador prefere esperar setembro chegar.
É quando vence o prazo, um ano antes da eleição, das filiações partidárias. Até lá, tudo pode e, na opinião de Aécio Neves, muita coisa vai acontecer.
Tasso presidente
O governador mineiro considera a troca de comando no PSDB, prevista para outubro, como um marco para o lançamento da candidatura presidencial.
Antes disso, nem pensar.
sábado, fevereiro 26, 2005
VEJA on-line Tales Alvarenga Severino não é Geni
"Tentar transformar Severino na Geni do
Congresso é uma tolice. Sacrifica-se o bode
preto do agreste pernambucano no altar da
incorreção política, permitindo-se que todos
os outros pareçam moralmente impecáveis"
O novo presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, não é a Geni do Parlamento. Isso é o que estão tentando fazer dele. Severino é um político fisiológico. É também um defensor de posturas religiosas retrógradas. É inculto. Tudo isso é Severino. A eleição desse homem, no entanto, está sendo apresentada como um dos momentos mais rasteiros do Parlamento brasileiro, como um chocante espetáculo de degeneração política e moral.
Aí, convenhamos, chegou-se ao terreno da mais galopante hipocrisia. Sacrifica-se o bode preto do agreste pernambucano no altar da incorreção política, permitindo-se, com seu apedrejamento, que todos os outros (políticos ou não) pareçam moralmente impecáveis. É como diz a música de Chico Buarque: "Joga pedra na Geni / Ela é feita pra apanhar / Ela é boa de cuspir / Ela dá pra qualquer um / Maldita Geni".
Jader Barbalho já foi presidente do Senado e hoje é deputado. Paulo Maluf, Orestes Quércia e Newton Cardoso também foram ilustres figuras no Congresso, além de terem governado seus estados. Fernando Collor de Mello foi deputado, governador e presidente. Essa escalação aconselha um pouco mais de humildade aos que apedrejam Severino porque ele é chucro.
Severino é apenas a parte do Congresso que nunca aparece na foto. Na Câmara, fez promessas fisiológicas aos que acabariam por elegê-lo à presidência. Prometeu-lhes um aumento de salário, de 12.850 para 21.500. O aumento não é bom para as contas nacionais. Severino está sendo oportunista. Mas os seus colegas, pode-se ter certeza, estão intimamente felizes com o aumento que condenam da boca para fora. A Câmara está cheia de Severinos. O Brasil está cheio de Severinos. Apontar apenas uma Geni na multidão só contribui para satanizar aquela pessoa, deixando de lado o sistema de idéias e costumes retrógrados que os sustentam.
Eleito, Severino não fez declarações sobre rumos do Brasil, reforma de instituições ou qualquer coisa que se espera de um político sério. Mandou recados, sempre na mesma e milimétrica direção. Sugeriu acabar com a reeleição para a Presidência da República. Nunca um aliado do PT, como ele é, teve a audácia de sugerir que Lula não dispute mais quatro anos de governo. Afirmou também que Fernando Henrique Cardoso seria um bom nome para 2006.
Ao presidente do PT, deputado José Genoino, fez saber pelos jornais que o considera um trapalhão. Ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, avisou que o BC precisa de "um cabresto". Disse que vai convocar Palocci e Meirelles para explicar a política econômica que aplicam no país. Quer pedir a Lula a demissão dos ministros que desdenham parlamentares desconhecidos. Tais idéias, postas em prática, darão dor de cabeça ao governo por meses seguidos. Largadas no ar apenas como ameaças, são moedas de troca. Nada que não se tenha presenciado antes em Brasília. E não foi Severino que inventou essas coisas.
VEJA Diogo Mainardi Coragem, presidente!
"Uma das características mais desalentadoras
de Lula é o medo que ele tem da imprensa.
Considerando o grau de domesticação do meio
jornalístico, é um medo inexplicável. Lula não
responde nada a ninguém"
Vá até o site do Palácio do Planalto. Clique na página de Lula, no cantinho esquerdo da tela. Leia tudo. Leia a biografia. Leia os pronunciamentos. Leia o "Café com o presidente". Quando enjoar, entre na seção "Fale com o presidente". Preencha o formulário com seus dados completos, e mande uma pergunta a Lula. Qualquer pergunta serve. Pergunte se ele consegue colocar o dedo na ponta do nariz e andar em linha reta. Pergunte se ele tem alguma suspeita sobre quem matou o prefeito Celso Daniel. Pergunte se ele já experimentou maconha. Pergunte qualquer bobagem. O importante é entupi-lo de mensagens.
Uma das características mais desalentadoras de Lula é o medo que ele tem da imprensa. Considerando o grau de domesticação do meio jornalístico, é um medo inexplicável. Lula não responde nada a ninguém. Algum tempo atrás, pedi-lhe sua lista de leituras preferidas. O secretário de imprensa, Fábio Kerche, mandou me dizer que o presidente estava atarefado demais, visitando Pernambuco, mas que tentaria responder em breve. Esperei uma semana. Esperei duas semanas. Como ninguém respondeu, reiterei o pedido. Educadamente, o secretário do secretário do secretário se comprometeu a consultar o chefe mais uma vez. A seguir, desapareceu. Continuo esperando.
Lula não gosta de livros. Todo mundo sabe disso. Ao pedir-lhe uma lista de leituras preferidas, minha intenção não era zombar de sua falta de cultura. O que eu queria é que o governo fornecesse alguma pista para explicar sua estratégia de longo prazo. Foi o que fez George Bush quando o New York Times o entrevistou sobre suas leituras. Assim como Lula, Bush não é particularmente letrado, mas aproveitou a entrevista para recomendar um livro de Natan Sharansky, que foi alçado à condição de plataforma ideológica para a política intervencionista americana. O New York Times, acertadamente, faz oposição a Bush. Chega a contar mentiras a seu respeito, como aconteceu na última campanha eleitoral. Na semana passada, o jornal publicou mais uma reportagem constrangedora sobre ele: velhas gravações em que o presidente parece admitir que já fumou maconha. É esse o ponto: Bush enfrenta a imprensa, mesmo a que lhe é mais hostil, enquanto Lula não dá satisfação a ninguém, nem para esclarecer assuntos menores, como sua lista de livros preferidos.
O caso do momento nos Estados Unidos é o do falso jornalista que assessores de Bush teriam plantado na sala de imprensa da Casa Branca. Sua função seria levantar a bola para o presidente nas entrevistas coletivas, dirigindo-lhe perguntas combinadas. Descobriu-se que o falso jornalista é um garoto de programa ligado ao Partido Republicano. Se forem confirmadas as suspeitas de que assessores de Bush estão metidos nessa história, a credibilidade do governo ficará comprometida. Lula, claro, não precisa de nada disso. Ele resolveu a relação com a imprensa de maneira muito mais direta: simplesmente nunca deu uma entrevista coletiva, com ou sem jornalistas infiltrados. Vou escrever agora mesmo ao secretário de imprensa Fábio Kerche, perguntando qual é a cor preferida de Lula. Vamos ver se ele responde.
VEJA André Petry Lula está só
"Se até encobriu um crime para não 'achincalhar' o antecessor, só o fígado
explica que tenha agora confessado
em público uma postura ilegal apenas
para 'achincalhar' o antecessor..."
É quase certo que não terá conseqüência prática o disparate cometido pelo presidente Lula num discurso no Espírito Santo, mas trata-se de um episódio com alguns preciosos ensinamentos. Diante de uma platéia formada por 400 áulicos, Lula contou que, ao assumir o governo, um "alto companheiro" mostrou-lhe as vísceras de uma "instituição" que fora levada à "quebradeira" devido ao "processo de corrupção" ocorrido em "algumas privatizações" feitas na gestão de Fernando Henrique. Acrescentou que, para não "achincalhar" a gestão do antecessor, orientou o "alto companheiro" a "fechar a boca". Ao dizer que tomou conhecimento de um crime e decidiu ocultá-lo, Lula está sujeito a ser processado por prevaricação ou por crime de responsabilidade. Nada disso deve acontecer, dada a ilimitada generosidade com que as falas do presidente têm sido encaradas pela opinião pública. Mas isso não encerra a questão:
• A solidão – O caso mostra que o presidente está muito solitário. Sua trajetória espetacular de retirante nordestino a presidente da República deu-lhe uma extraordinária – e merecida – autoconfiança, mas no comando do país ninguém pode ficar só. Não apareceu um único assessor, amigo, aliado, conselheiro para avisá-lo de que estava dizendo uma tremenda tolice em público? Ao fim da confissão, a platéia aplaudiu...
• O fígado – Lula é vítima de uma ânsia incontrolável para rebater qualquer crítica lançada pelo ex-presidente Fernando Henrique. Com isso, comete o erro imperdoável em gente experiente como ele de fazer política com o fígado. Se até encobriu um crime para não "achincalhar" o governo do antecessor, só o fígado explica que tenha agora chegado ao ponto de confessar publicamente uma postura ilegal apenas para achincalhar o governo do antecessor...
• A ética – O presidente autoriza o país a imaginar que sua celebrada retidão ética navega nas ondas do interesse da hora. Se chegou a esconder as irregularidades cometidas na gestão de um adversário político, é lícito imaginar que faria a mesma coisa, quem sabe até com mais empenho, para proteger um amigo ou aliado. Ao narrar o episódio, Lula parece querer nos dizer que ser generoso e magnânimo é isso...
• A lei – Lula desconhece um dos rudimentos de sua missão como presidente da República. Ele não pode esconder crimes, sob pena de cometer um crime ele mesmo. Se quiser esconder, então que não diga que o fez. Mas, ao esconder e contar para todo mundo, Lula nos indica dois caminhos. O primeiro: acha que está acima da lei, mas isso não parece provável, pois a lei, diz ele, vale para "o presidente ou o pistoleiro". O segundo: ele não conhece a lei...
• A credibilidade – O inusitado do episódio é patente. Para alguns, ficou a impressão de que o presidente pode ter contado algo desprovido de fundamento real. Como se fosse uma anedota, uma parábola, uma alegoria. Esta alternativa para o episódio pode parecer a mais inocente, mas é indicadora de uma rachadura na aura da credibilidade presidencial.
Por tudo isso, talvez Lula devesse ter feito ele mesmo o que recomendou ao "alto companheiro" que lhe denunciou o "processo de corrupção": fechar a boca. Mas, pelo visto, Lula está muito só. Autoconfiante e só.VEJA on-line Roberto Pompeu de Toledo Olhares estrangeiros
História de dois Brasis: o de um
sábio francês e o de um repórter
de suplemento de turismo
Dois dos principais jornais do mundo publicaram, em sua edição da segunda-feira 21, textos que dizem respeito ao Brasil. O primeiro é o Le Monde, jornal de referência da França, que publicou entrevista com Claude Lévi-Strauss, o último sobrevivente dos grandes intelectuais franceses do século XX e que descobriu no Brasil, para onde veio contratado pela recém-criada Universidade de São Paulo, a vocação que o tornaria o mestre supremo da etnografia. "O Brasil representa a experiência mais importante da minha vida", disse Lévi-Strauss. "Sinto por esse país uma dívida profunda."
O então jovem professor francês viveu no Brasil entre 1935 e 1939. Essa experiência está relatada num livro capital, Tristes Trópicos. Só voltou ao país em 1985, por uns poucos dias, integrado à comitiva do então presidente francês François Mitterrand – e então lhe ocorreram coisas curiosas, relatadas na entrevista ao Le Monde. A São Paulo em que Lévi-Strauss morou tinha 1 milhão de habitantes. Agora tinha 10 milhões, e virara uma cidade "assaz assustadora". Ele resolveu visitar a rua em que morara. Não que esperasse rever sua antiga casa – sem dúvida ela não mais existia –, mas pelo menos percorreria a vizinhança. Não conseguiu. Ficou preso num congestionamento de trânsito, e teve de desistir.
Restava tentar outra empreitada nostálgica. A partir de Brasília, Lévi-Strauss embarcou num pequeno avião para as solidões de Mato Grosso. O destino era a terra dos bororos, os índios que tanta importância tiveram em suas pesquisas. Do alto, quando se aproximaram, ele conseguiu divisar aldeias que, como em seus tempos, mantinham a forma circular, mas o avião não pôde descer. A pista era curta demais. Tomou-se então o rumo de volta, e no caminho adveio uma formidável tempestade. Eis então o grande pensador duplamente bloqueado. Na frustrada visita aos bororos, diz ele ao Le Monde ter exposto a vida mais do que no tempo de suas expedições científicas. A segunda vinda de Lévi-Strauss pode ser lida como uma metáfora. Até parece que o país tanto se tinha mexido que deu um nó em torno de si mesmo. Tornou-se intratável e impenetrável.
O segundo texto foi publicado no New York Times, ou melhor, no suplemento de turismo do New York Times. O mundo dos suplementos de turismo é um mundo à parte, como se sabe. Em suas páginas as coisas vão muito bem. Em outras seções de jornais estrangeiros, o Rio de Janeiro tem mais chance de aparecer quando o assunto é bala perdida ou crime organizado. Nos suplementos de turismo, a cidade retoma sua graça e seu esplendor. No caso, a reportagem de Seth Kugel, aliás um repórter que se revela inteligente e bem-humorado, tem enfoque na juventude dourada da cidade e no eterno clima de festa que a envolve. Claro, o texto de Kugel não tem, nem quer ter, a ciência e a sabedoria de um Lévi-Strauss. Mas contém lá a sua antropologiazinha.
O repórter do Times dirige um olhar arguto para a tribo que freqüenta as areias da Barra da Tijuca. Os americanos, diz ele, costumam conceber as praias como lugar de deitar-se ao sol, mas, no Rio, aquilo que ele chama de "social butterflies", ou "borboletas sociais", supera os que aproveitam o tempo de ócio para ler um livro na proporção de dez para um. Há trechos de praia onde vigora um perfeito clima de festa. "Tantas pessoas parecem conhecer umas às outras que lembrar de virar o corpo na areia, para bronzeá-lo por igual, é uma tarefa dispensável, tão freqüentemente é preciso levantar para saudar a chegada de mais um amigo, enrolado em mais um traje de banho impossivelmente miúdo."
A festa na praia, quando a noite chegar, vai prosseguir, segundo descobriu Seth Kugel, nos bares do Baixo Gávea. O "murmúrio sedutor" do português falado no Brasil é nesses lugares pontuado "pelos gritos de amigos cumprimentando uns aos outros, enquanto avançam pelo amontoado de gente para trocar duplos beijos nas faces". O repórter vê aí a encarnação do "típico, puro Rio: barrigas bronzeadas e sorrisos transbordantes, celebração informal e trocas amigáveis". Há problemas, claro – onde não há? –, e um deles, uma carioca conta ao repórter, é o estrangeiro confundir nosso estilo "liberal" e nossa fartura de "calor humano" com ofertas afetivas, quando não libidinosas. Mas o fato, nota o repórter, é que os brasileiros, "gregários por natureza", gostam de orientar os estrangeiros, especialmente (que maldade, Seth Kugel!) "quando têm em mente que um dia visitarão o Hemisfério Norte e recolherão a retribuição pelos favores prestados".
Que diferença entre um depoimento e outro... Claro, cada um segue sua própria pauta. Seth Kugel não se programou para uma impossível visita aos bororos, da mesma forma que Lévi-Strauss, ao que se saiba, jamais se sentiu tentado a uma noitada no Baixo Gávea. Cada um experimentou a sua espécie de Brasil. O do sábio francês revelou-se áspero e temível. O do repórter americano é um jardim das delícias, sem político malandro nem freira assassinada, onde não se toma conhecimento nem do tiroteio nas favelas, ali ao lado.A primeira Vítima" (por Ronaldo Costa Couto)
A matéria trata de Percival Farquhar, o idealizador da Madeira-Mamoré, personagem da trama "Mad Maria", da Rede Globo . Segue a transcrição autorizada pelo autor.
"Nos últimos dias, um personagem praticamente desconhecido do Brasil surgiu como um dos protagonistas de um folhetim televisivo visto por milhões de pessoas. A trama, batizada de Mad Maria, joga luzes sobre a personalidade audaciosa e os empreendimentos do americano Percival Farquhar, um dos maiores empresários do país na primeira metade do século 20.
Alvo de incompreensões e campanhas políticas, estigmatizado pelo fracasso de alguns de seus projetos, o polêmico Farquhar caiu no limbo da história do capitalismo brasileiro. Sua saga diz muito sobre a xenofobia com que os nacionalistas radicais sempre trataram os investidores estrangeiros.
A fascinante personalidade de Farquhar e sua trajetória estão retratadas no livro The Last Titan, de Charles Anderson Gauld, lançado em 1964, nunca traduzido.
Farquhar foi um daqueles visionários que enxergaram as oportunidades de um país a ser construído. Investiu em terras -- era proprietário de extensões maiores do que certos países europeus --, em ferrovias, siderurgia, transporte urbano, energia, navegação, portos, agropecuária, mineração e até em hotéis. Foi ele quem gerou os embriões do que hoje são negócios gigantescos, como a Companhia Vale do Rio Doce e a siderúrgica Acesita.
Filho de um próspero industrial da Pensilvânia, Farquhar optou por ser um investidor do mundo. No início do século, executou projeto de eletricidade em Cuba e de ferrovia na Guatemala. Logo depois descobriu o Brasil. A partir de então, teve início um período de empreendimentos em série.
Em 1904, assumiu a Light, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, começou obras no porto de Belém, que passou a controlar. Em 1906, criou a holding Brazil Railway. Farquhar sonhava com um sistema unificado de ferrovias na América do Sul, numa espécie de antevisão da importância da integração regional.
Comprou a Estrada de Ferro São PauloRio Grande, arrendou a Sorocabana, participou da Mojiana e da Paulista, atuou na Bahia, no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Com apoio de capital europeu, levou seus trilhos a países vizinhos, como o Uruguai. Em 1906, lançou-se no seu mais arriscado projeto -- a construção da ferrovia MadeiraMamoré, em Rondônia.
Durante as obras, milhares de trabalhadores morreram, quase todos de doenças tropicais. A conjuntura econômica negativa que precedeu a Primeira Guerra dificultou a atração de capital. Ao mesmo tempo, brotou no Brasil uma poderosa campanha nacionalista contra ele e seus projetos. Os negócios entraram em colapso.
Farquhar perdeu o comando do seu império brasileiro em 1917.
E aí entra mais um aspecto, típico dos empreendedores -- a persistência quase irracional. Dois anos após o auge da crise, ele apresentaria o projeto de ativação da Itabira Iron Ore Company, em Minas. Negociou com o governo Epitácio Pessoa um contrato de exploração de minério e construção de uma grande siderúrgica em Minas Gerais, cancelado mais tarde por Getúlio Vargas.
Em 1939, criaria, com participação de empresários brasileiros, a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia. Em 1942, porém, Vargas passaria tudo à Companhia Vale do Rio Doce. Já octogenário, Farquhar fundaria a Companhia Aços Especiais Itabira (Acesita), transferida ao Banco do Brasil em 1952, um ano antes de sua morte.
Ao insistir em fazer negócios no Brasil, Farquhar poderia ser visto como maluco. Não era. Tinha um tanto de aventureiro, mas era sobretudo empreendedor. No balanço final, deu-se mal no Brasil. Ganhou muitas frustrações e perdeu fortunas colossais. Mas fez muito como visionário, desbravador, criador de riquezas e de oportunidades.
Um titã empresarial que, embora esquecido, conquistou no Brasil estatura próxima à do barão de Mauá e à do conde Francesco Matarazzo."
(Ronaldo Costa Couto é autor de Matarazzo (Editora Planeta do Brasil).
enviada por Ricardo Noblat
O Estado de S. Paulo - O gogó do Lula CELSO MING
Algo muito sério parece estar ocorrendo com o presidente Lula.
Quinta-feira, fez três afirmações graves: (1) que houve corrupção na administração Fernando Henrique, por ocasião das privatizações; (2) que, já na condição de presidente da República, ouviu de "um alto companheiro" que "nossa instituição" (o BNDES) estava "quebrada", em conseqüência dessa corrupção; (3) e que mandou o alto companheiro "fechar a boca".
O que há de mais grave aí é que o presidente Lula confesse acobertamento de crime de corrupção. Mas há outros erros de avaliação e conduta por parte do presidente.
Embora Lula não o tivesse nomeado, o "alto companheiro" que o avisou do caso só pode ser o ex-presidente do BNDES, Carlos Lessa, o único em condições de dizer: "nossa instituição está quebrada". Lessa reconheceu que alertara o presidente para "a situação muito ruim". Mas acrescentou quatro afirmações: que o presidente exagerou; que nunca dissera que o BNDES estava falido; que não está em condições de apontar corrupção na administração anterior; e que, no máximo, poderia confirmar a existência de "contratos malfeitos" no BNDES.
O caso da privatização da Eletropaulo é conhecido. Se não houvesse o empréstimo do BNDES, não haveria comprador. O empréstimo, de US$ 1,2 bilhão, teve como garantia as ações da Eletropaulo, na proporção de 200% sobre o valor do empréstimo. Aparentemente, Lessa entendeu que essa garantia foi insuficiente. Três anos depois, a americana AES, que ficou com o controle acionário da Eletropaulo, alegou incapacidade de pagamento e forçou o BNDES a ficar com parte da garantia.
O que aconteceu produz sua lógica. Se, em público, o presidente de fato confessou que acobertou o que ele entende como crime de corrupção cometido por adversários políticos (funcionários do ex-presidente Fernando Henrique), imagine-se o que não seria capaz de acobertar em casos de corrupção que envolvessem companheiros de governo.
As declarações de Lula deixaram seus correligionários como baratas atingidas por jato de inseticida: perderam o rumo. O ministro da Casa Civil, José Dirceu, advertiu a oposição, que ameaça processar o presidente por crime de responsabilidade, com uma frase esquisita. Disse que "o feitiço pode virar contra o feiticeiro", sugerindo que há feitiço, feiticeiro e acobertamento do feitiço. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, tentou dizer que a oposição fez uma leitura equivocada do que disse Lula, na medida em que "transformou em questão política mera questão de polícia" e, assim, nada explicou. O ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, produziu uma pérola: "Lula não pediu para ocultar a corrupção; pediu para não a tornar pública." O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante, pareceu apoiar a "operação-abafa". Disse que na época havia muitas denúncias de corrupção. Mas não explicou por que não foram apuradas. O ex-líder do PT na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), disse que as declarações "só trazem confusão". E, ontem, Lula admitiu que fez "um discurso atravessado", seja lá o que isso signifique.
Sempre haverá os que tentarão desqualificar afirmações, como pretendeu o ministro da Justiça. Nesse caso, Lula teria se comportado como interlocutor de mesa de bar, do qual não se cobra por intemperanças verbais.
A verdade é que, à exceção da área macroeconômica e possivelmente da Justiça, a administração Lula não vai bem. Até na área econômica está difícil justificar a voracidade tributária que tem minado as relações de produção e empurrado o contribuinte para a sonegação, como saída (de "legítima defesa") contra abusos do Fisco.
Agora vemos que crises políticas podem irromper do gogó do Lula. E poderiam desembocar em crise maior se o governo usasse o feitiço contra o feiticeiro, como sugere o ministro José Dirceu.
A economia precisa de tempo politicamente firme para dar frutos. Não pode ficar à mercê da falta de limites do presidente Lula.
O Estado de S. Paulo - Editoriais Passou dos limites
A incontinência verbal do presidente Lula, a serviço de uma trôpega tentativa de revide a críticas de seu antecessor, aproxima o País do umbral de uma crise política de proporções amedrontadoras.
Está evidente que as relações entre o governo e a oposição vêm se deteriorando sem cessar desde que, há um ano, o Planalto sufocou uma proposta legítima de abertura de CPI para investigar a conduta do assessor parlamentar do Planalto Waldomiro Diniz, o amigo e protegido do ministro José Dirceu. A seguir, a campanha para as eleições municipais acirrou o confronto entre o partido do presidente e o do anterior - assim como a troca de farpas entre eles próprios.
Os resultados do pleito deram alento à hipótese de que a reeleição de Lula, apesar de sua inabalável popularidade, pode não ser tão líquida e certa como se prognosticava quando começou o "espetáculo do crescimento". Ao mesmo tempo, os surtos de autoritarismo petista, traduzidos, entre outras coisas, em projetos de lei como o da criação do Conselho Federal de Jornalismo, tornaram cada vez mais estridente o debate político.
Nesse clima de crispação, Fernando Henrique instou os tucanos a explorar a fundo os numerosos flancos expostos de um governo que, a rigor, só tem a mostrar a continuidade da política econômica herdada e a torrencial verborréia presidencial, cuja "quase-lógica", como já se disse, e cujo triunfalismo caem bem aos ouvidos do público menos preparado, por mais que estropie a bela flor do Lácio.
A sucessão na Câmara dos Deputados, enfim, deu ensejo a Fernando Henrique para enfatizar o que, de resto, já estava à vista de todos - a sistemática dilapidação do sistema partidário representado no Congresso a que o presidente e os operadores palacianos se entregaram desde a primeira hora. O objetivo último do tira-e-põe dos políticos de uma legenda para outra é montar, com os recursos da fisiologia, uma indecorosa falange partidária para a reeleição, indo do PC do B ao PP.
A reeleição é o tema único e indisfarçável da discurseira de Lula, com um auto-endeusamento que o leva a se declarar o demiurgo de "uma oportunidade histórica, que há muitos e muitos anos (o Brasil) não teve". Mas, se ele estivesse realmente seguro da vitória em 2006, talvez não chegasse a esse preocupante estado de excitação mental - e talvez não tivesse passado dos limites na sua cotidiana verborragia, que a colunista Dora Kramer definiu como "a banalização do descalabro".
Foi, no entanto, o que fez, com assustadora leviandade, ao relatar um diálogo, no início do governo, com um "alto companheiro" (sic) que lhe teria dito: "Presidente, a nossa instituição está quebrada, estamos falidos. O processo de corrupção que aconteceu, antes de nós, foi muito grande." E Lula teria respondido: "Se tudo isso que você está me dizendo é verdade, você só tem o direito de dizer para mim. Para fora, feche a boca." O presidente da República, em suma, declarou ter abafado uma denúncia de pesada corrupção na gestão Fernando Henrique.
Não bastasse essa confissão de prevaricação, Lula ainda faltou com a verdade. Ficou claro, pelo contexto da sua fala, que a instituição é o BNDES e o interlocutor era o seu então dirigente Carlos Lessa, que, por acaso, passou grande parte do tempo da sua gestão insultando o ex-presidente. Era de esperar, portanto, que a sua obsessão o fizesse corroborar a história com que Lula pretendeu dar o troco a FH. Mas o que se ouviu de Lessa foi um inequívoco desmentido: "O presidente exagerou um pouco. Nunca falei que havia corrupção, nem que o BNDES estava em situação pré-falimentar."
De seu lado e no seu papel, o PSDB pretende pedir a instauração de um processo contra Lula por crime de responsabilidade. Eis aí os contornos da crise produzida pela volúpia de poder do presidente e por sua intemperança no manejo das palavras. É de tirar o sono pensar que se está apenas em fevereiro de 2005 - a longos 20 meses das próximas eleições.
Anteontem, Lula disse também que "não vamos permitir que, por atitudes impensadas e irresponsáveis, a gente jogue a esperança desse povo no limbo...". E mais: "Vamos fazer as coisas como têm de ser feitas: com responsabilidade." Se ele não começar a praticar o que prega, em vez de fazer o contrário, sabe-se lá onde poderá parar a esperança dos brasileiros na manutenção da estabilidade político-institucional, agora sob ameaça da ambição, do despreparo e do ressentimento de quem deveria ser o primeiro a velar por ela.
Folha de S.Paulo - Editoriais: DISCURSO IRRESPONSÁVEL - 26/02/2005
Num desses pronunciamentos em que envereda pelo improviso e dá vazão à sua caudalosa retórica, o presidente informou ao país que "um alto companheiro", logo após assumir o comando de um órgão de grande importância, teria relatado que encontrara a instituição "quebrada" -e que "o processo de corrupção" anterior teria sido "muito grande". Segundo o presidente, ao ouvir o relato, aconselhou o colaborador a manter-se em silêncio: "Feche a boca e diga que a instituição está preparada para ajudar no desenvolvimento do país".
O "alto companheiro" é, como tudo indica, o economista Carlos Lessa, e a instituição é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Lessa admitiu ter mencionado ao presidente operações malfeitas, mas negou ter conversado acerca de corrupção e do suposto estado pré-falimentar do BNDES.
Ao subir no palanque com tão desastroso discurso, o primeiro mandatário ficou em situação difícil. Se possuía informações sobre indícios de corrupção e preferiu ocultá-las, foi conivente. Se, no entanto, tais informações, como declarou Lessa, não lhe foram transmitidas, resta concluir que o pronunciamento de anteontem foi fantasioso. Nas duas hipóteses, o presidente expõe-se a críticas e justificadas condenações.
Na arena política, o episódio fornece à oposição farto material para assumir a ofensiva. O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), considerou que Lula confessou um "crime de prevaricação" e afirmou -num exagero- que o caso pode dar origem a um processo de impeachment. Um dos prováveis nomes do PSDB para concorrer à Presidência em 2006, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, classificou a declaração de Lula de "totalmente irresponsável". Por sua vez, o senador Jefferson Péres (PDT-AM), colocou em dúvida se o presidente estaria sóbrio no momento em que discursava.
Na tentativa de sair da defensiva, o governo procura contrastar a onda de ataques com a versão de que o silêncio sobre as supostas irregularidades visava a preservar a "governabilidade" -palavra mágica, sempre útil quando se trata de colocar panos quentes sobre crises políticas. Em outra frente, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, tratou de lembrar que existem ações judiciais contra a antiga diretoria do BNDES e que Lula, em outras épocas, já fizera denúncias sobre casos de corrupção nas privatizações -como se isso o dispensasse de tomar medidas como presidente da República.
Ao que parece, o presidente ainda não assimilou por inteiro a importância do cargo que ocupa e não aprendeu que as palavras do primeiro mandatário têm um peso bastante diferente das "bravatas" de um líder sindical em campanha. O mínimo que se pode esperar é que o Planalto forneça explicações claras sobre o que foi dito na quinta-feira.
O DIA Online A palavra do presidente Dora Kramer
Se o caso tomar o rumo da investigação e da Justiça, até pode ser que se chegue lá e, aí, estarão os dois – PSDB e PT – bem embrulhados em maus lençóis: um porque fez, outro porque escondeu o malfeito.
Por ora o que se tem em questão é a palavra do presidente, o instrumento básico no relacionamento entre o Estado e a Sociedade. Por isso também o verbo presidencial deve ser sempre veraz, sob pena de os laços de confiabilidade entre um e outro sofrerem processo de esgarçamento do longo do tempo até se romperem.
Não tem sido a veracidade, entretanto, uma peculiaridade dos discursos presidenciais não raro eivados de números errados, dados imprecisos e incongruências com opiniões ou conceitos anteriormente emitidos pelo mesmo autor.
Em geral, o cotejo dos equívocos não é algo que atinja a compreensão da maioria. Fica restrito e tido como obra dos implicantes, dos obsessivos, dos negativistas, oposicionistas, enfim. “A massa nem percebe, isso não sai no Jornal Nacional”, é a frase que mais ou menos resume os revides a cobranças por alguma coerência e consistência naquilo que diz o presidente.
Pois muito bem, agora Lula produziu uma história de incontinência verbal com começo, meio, fim e de tradução simplificada: disse que tinha ouvido uma denúncia de corrupção mas, em nome do País, pediu ao denunciante que ficasse quieto.
Para não prejudicar as investigações e facilitar a punição dos responsáveis?
Não. Na versão do presidente, para mostrar ao Brasil que o PT não é rancoroso, denuncista nem pessimista: vê o lixo, olha para o outro lado e toca o barco.
Mas, chega um dia, não resiste e desengaveta o caso acreditando, com isso, prejudicar o inimigo.
Usa a arma da meia-verdade, não fala em nomes, mantém-se no campo da insinuação. Afinal, a disseminação da suspeição deu certo para o PT quando era oposição e, segundo alguns autores, deu tão certo que resultou na sua eleição para presidente.
E aí, nessa mudança de oposição para situação, é que reside a diferença a respeito da qual Luiz Inácio da Silva parece não se dar conta.
Presidente da República não pode fazer “discurso arrevezado” como ontem Lula classificou suas palavras do dia anterior a fim de amenizar seus efeitos.
Presidente da República tem compromisso com o que faz e com o que diz. É o chefe da nação, cargo cujas prerrogativas vão bem além daquelas meramente dadivosas, das mordomias, dos rapapés e das reverências.
É o mandatário número um, o proprietário da responsabilidade máxima, o modelo que, uma vez deformado, vira mau exemplo. Daí o prejuízo social de o presidente quase jactar-se da falta de estudo, de fazer uso de um português ruim.
Agora, com esse último resultado de sua opção preferencial pelo exercício do voluntarismo na Presidência da República, acabou entrando na seara do prejuízo político para si e seu partido.
Se erra no discurso e é no discurso dele que o Governo se sustenta, Lula começa a dilapidar seu patrimônio eleitoral mostrando que, se não tem equilíbrio interior para ignorar – ou pelo menos categoria para – as provocações do antecessor, não tem serenidade para muita coisa mais.
Advogado de defesa
Tirando o líder do PT, Delcídio Amaral, o único senador a subir à tribuna do Senado ontem de manhã para defender o Governo do espetáculo da pancadaria promovido pela oposição foi Luiz Otávio.
Aquele indicado pelo PMDB para assumir uma vaga no Tribunal de Contas da União que, em função de decisão do próprio TCU de investigá-lo por desvio de verbas públicas, teve de desistir do Tribunal, mas acabou presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.
Pela veemência da defesa, explica-se o silêncio do PT ante a indicação de um senador investigado por corrupção para a presidência da CAE.
Casos de tolerância
Aliás, justiça seja feita aos petistas, a complacência foi geral. Todos os partidos receberam com naturalidade não só a nomeação de Luiz Otávio, como também a entrega da presidência da Comissão de Constituição e Justiça, ao senador Antônio Carlos Magalhães, cujo decoro parlamentar foi duas vezes duramente questionado: quando da violação do painel eletrônico e da descoberta dos grampos telefônicos montados a partir da Secretaria de Segurança Pública da Bahia.
Os critérios já foram mais austeros no Senado. Em 2003, quando veio a público o episódio da espionagem telefônica, ACM estava indicado para a presidência da CCJ e, em função da pressão interna e externa, foi obrigado a abrir mão da indicação por eticamente inadequada.
Passados dois anos, o desconforto sumiu. A tolerância coletiva do Senado evidencia o compadrio e indica a razão pela qual a troca de comando na Casa, ao contrário da Câmara, transcorreu na mais santa paz. Dos cemitérios.
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