Na condição de consultor da Varig, propõe que o governo aceite o parcelamento em 420 meses (35 anos) do passivo tributário e previdenciário, com a Receita Federal e com o INSS, de quase R$ 3 bilhões. O presente viria acompanhado de perdão de multas, juros de mora e tal. As parcelas assim divididas seriam acrescidas de correção calculada pela variação do IPCA e não se fala mais nisso.
Se acha normal e justo esse plano, o Unibanco devia estendê-lo aos clientes que deixassem de pagar suas dívidas nas condições contratuais.
A proposta é indecente por um punhado de razões. Primeira, porque está contribuindo para o fortalecimento da cultura da sonegação, num país em que o índice de informalidade é de pelo menos 30% do PIB. Se o governo aceitasse esse despropósito, passaria o recado de que é trouxa o contribuinte que recolhe impostos aos três níveis de governo e que paga contribuições para o INSS. Nada melhor do que, em vez de preencher Darfs e mais Darfs da Receita, deixar o dinheiro engordando no mercado financeiro e, quando a Receita Federal der em cima, declarar insolvência para depois renegociar a dívida, a ser paga depois em suaves prestações, a perder de vista.
É indecente, também, porque atropela a livre concorrência. Quando recomenda o favorecimento de um competidor, está patrocinando o jogo desleal. É o mesmo que meter 200 quilos na garupa de meia dúzia de cavalos e permitir que só o sétimo dispute a corrida sem essa carga.
Se a Varig tiver esse tratamento, por que não estendê-lo às outras companhias aéreas? E, sacramentado o precedente, por que não admitir, em nome da equanimidade, condições iguais às outras empresas que também criam riquezas e postos de trabalho?
É indecente, também, porque estimula "soluções políticas" para encrencas geradas por má gestão administrativa, como é o caso da Varig. O que vale aí não é regra do jogo, mas capacidade de mobilização de autoridades e compadres de todos os calibres. Normalmente, esse esquema produz desdobramentos, como o de permitir que um processo de concordata seja conduzido, digamos, por um tribunal "mais chegado". Não se surpreendam, por exemplo, se a diretoria da Varig submeter à assembléia geral de seus acionistas a proposta de transferência de sua sede hoje no Rio de Janeiro para outra comarca, provavelmente no Rio Grande do Sul, onde supostamente tudo poderia ficar mais fácil.
O Brasil já é conhecido pelas rolagens das dívidas dos mais influentes. O acordo de Taubaté (1906) começou por dar esse tratamento aos cafeicultores de então. Os usineiros e a bancada ruralista do Congresso são conhecidos por conseguirem créditos oficiais subsidiados para depois seguirem negociando indefinidamente prorrogação e condições de pagamento até que a inflação ou novos favores se encarreguem de provocar o derretimento do passivo.
A Sudam e a Sudene tiveram uma história inteira de recursos públicos repassados a aproveitadores que depois se encarregaram de deixar quilômetros e quilômetros quadrados de cemitérios de empresas.
O BNDES está sendo alimentado por R$ 60 bilhões em recursos dos assalariados, acumulados no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), aos quais paga remuneração de 6% ao ano, para repassá-los a beneficiários a juros de 9,75% ao ano. Enquanto o Tesouro paga 17,85% ao ano, esses felizardos deixam recursos próprios cevando no mercado financeiro.
Enfim, a proposta do Unibanco é indecente também porque pereniza esse tipo de tratamento e o uso predatório de recursos públicos.
Enquanto isso, os que pagam impostos são obrigados a entregar aos tesouros dos três níveis de governo nada menos que 40% da renda nacional, que é quanto pesa hoje a carga tributária no Brasil.
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