Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 02, 2005

Folha de S.Paulo -LUÍS NASSIF Fumaça que pode queimar - 02/03/2005

O episódio Lula-BNDES -e seus desdobramentos- é um caso típico de fantasias que são fatos e fatos que são fantasias.
Na primeira categoria, enquadra-se a estratégia adotada por Fernando Henrique Cardoso, como chefe inconteste da oposição. Sabe ele que, se não cometer nenhum erro, Luiz Inácio Lula da Silva será imbatível nas próximas eleições. A estratégia consiste em minar Lula, batendo reiteradamente na tecla "falta de competência". Lula acusou o golpe, mostrando sua eficácia.
Aí se entra no segundo ponto, das acusações de corrupção no episódio de financiamento pelo BNDES da privatização da Eletropaulo. Deve-se questionar o modelo adotado para as privatizações, que consistia em o BNDES entrar com financiamento visando aumentar os lances dados pelos compradores. Mas, em si, nada tem de ilegal ou desonesto.
No episódio Eletropaulo, a venda foi feita em 1998 para a Lightgás, uma sociedade de propósito específico que tinha como controladora a francesa EDF -"triple A", na avaliação das agências de risco.
A modalidade de financiamento concedido é a de "nonrecourse financing", pela qual o próprio bem financiado é dado em garantia. Procurando o significado no Google -conforme sugerido pelo ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros-, lê-se que é operação cujos riscos devem ser minimizados com a adoção de regras prudenciais.
No caso da Eletropaulo, financiou-se metade da empresa, num total de US$ 896 milhões, com risco dólar (só para grupos nacionais se aceitava TJLP) e com o BNDES tendo direito a uma comissão anual de 5% -comissão grossa para operações desse tipo.
Na ponta do lápis, a operação foi favorável ao país. Somando o que a AES pagou de juros, amortização e comissão, as garantias foram adequadas, mesmo no momento de maior baixa das cotações. E São Paulo teve uma redução em uma dívida pela qual pagava IGP mais 12% ao ano. O problema de aguamento do capital, com remessas expressivas de dividendos pela AES, é uma outra história, condenável, mas que não tem a ver com o financiamento.
Depois, teve uma segunda operação, em 2002, quando o BNDES vendeu em leilão ações PNs que tinha da Eletropaulo. Nessa operação, metade à vista, metade a prazo, a financiada já foi a AES, que passou a controlar a Eletropaulo, àquela altura com uma avaliação de risco pouco melhor que a brasileira.
Da privatização para cá, muita água rolou. Primeiro, a desvalorização do câmbio em 1999, reduzindo as garantias de 200% para 170% do valor financiado. Segundo, o "apagão", jogando por terra quase todo o setor elétrico. Terceiro, a crise das eleições em 2003. Quarto, a própria crise da AES, que praticamente a alijou do mercado internacional de capitais.
Há quem queira ver o circo pegar fogo -a oposição processando Lula pelas declarações, a situação pretendo uma CPI para o episódio. Pode até virar incêndio, mas será em cima de fumaça. Os problemas da privatização não passam por aí.

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