Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 01, 2005

Jornal O Globo -Luiz Garcia Língua frouxa

Brasília não é terra de unanimidades, mas ainda lá não se ouviu quem aplaudisse, ou até desculpasse, com a ênfase permitida aos realmente ofendidos, a revelação pelo presidente Lula da ordem ao seu primeiro presidente do BNDES, de que não abrisse o bico em público sobre supostas irregularidades acontecidas na instituição durante o governo Fernando Henrique.


Mas quando foi exatamente que Lula errou? O episódio tem momentos distintos: o da instrução dada ao economista Carlos Lessa e aquele em que a revelou. Não há dúvida sobre a ingenuidade política do segundo episódio, como logo ficou evidente. A interpretação de que se tratava de uma ordem de abafar irregularidades, ou mesmo crimes de qualquer natureza, foi uma benesse para a oposição, que sobre ela se deitou, e continua rolando.

O PSDB tem direito a isso: não se recusa presente. E está aí o presidente, talvez até perplexo, defendendo-se da acusação de abafador de escândalos. Não deixa de ser original: escândalos que atingiriam seus principais adversários.

Lula, obviamente, pisou na bola com força suficiente para estourá-la. A questão é determinar o momento em que o fez. Foi quando exigiu discrição a Lessa? Em parte, sim: não se nomeia para alto cargo quem precisa ouvir tal instrução. Ela não fazia sentido, mesmo que o momento fosse de relações cavalheirescas com o ex-presidente Fernando Henrique e sua equipe . Esse período certamente existiu, não tão longo ou sincero como em democracias européias bem-educadas, mas até mais longo do que muitos esperavam. E, claro, a descoberta de alguma maracutaia séria no BNDES obviamente mandaria os bons modos para o espaço.

Pode-se argumentar que Lula saberia que nomear Lessa para o BNDES podia ser presente merecido para aliado fiel, mas arriscado. Quem solta rinoceronte em loja de louças tem de saber o perigo que corre. No caso, o de que um adversário feroz e falante do governo anterior, e principalmente de sua política econômica, talvez considerasse sua prioridade inicial desmontar, a ferro e fogo, a obra encontrada. Não é incomum quando oposição passa a governo. Mas seria exatamente o oposto do que pretendia fazer — e fez — a nova equipe econômica. Nesse contexto, a mordaça em Lessa faria sentido. O que não tem lógica é nomear um presidente do BNDES que precise de mordaça.

Não é preciso muita generosidade para aceitar que a instrução peculiar e talvez inédita não teria o objetivo de engavetar escândalos envolvendo adversários políticos. O objetivo — especulemos, ainda com a caridade a todo o vapor — seria, antes de pôr a boca no trombone, passar qualquer acusação ou suspeita pelo crivo das cabeças mais moderadas da nova equipe. E a verdade é que, divergências sobre políticas e prioridades à parte, de nenhuma parte surgiu até agora acusação séria contra o BNDES de Fernando Henrique nos anos finais de seu governo.

Nada disso deixa Lula sem culpa em cartório. Primeiro, não se nomeia um presidente do BNDES que precisa ouvir a recomendação feita a Lessa. Segundo, o senso político mais elementar proíbe a revelação espontânea, feita com a vaidade de quem conta vantagem, da exigência de tanto tempo atrás — como está sendo fartamente provado.

Todo presidente corre perigo com amigos indiscretos. Lula corre perigo com sua própria língua frouxa. Pagará por isso, o seu governo pagará por isso, o país pagará por isso — até que aprenda.

Um comentário:

ARTIGOS disse...

Lessa já desmentiu. Não acusou maracutaia - nem afirmou que o banco estava falido. Então Lula mentiu agora. Ou mentem ambos. A ser verdade Lessa não poderia acatar a ordem.Seria desonesto.
O que mais parece é falta de decoro, basófia e mentira. Em país sério ou impeachment ou desmoralização pública.

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