No início do ano, um jornal britânico comparava o enigma da economia americana ao episódio em que Sherlock Holmes solucionava um mistério, analisando o "curioso incidente" do cachorro que não latiu quando deveria tê-lo feito. Para o editorial, o cachorro que não havia latido tinha sido o mercado de títulos de longo prazo dos EUA, o qual, contra toda lógica, terminara 2004 mais baixo do que no início. O jornal esperava que os juros longos subissem -e, de fato, o movimento começou-, mas julgava desconcertante que isso já não tivesse ocorrido antes.
Essa perplexidade capta bem a reação dos analistas a aspectos surpreendentes do comportamento da economia americana e da mundial, nos quais o cachorro deveria latir e ficou calado. Esperava-se, por exemplo, que o brusco aumento do petróleo provocasse convulsão na Europa, como em meados de 2000, mas a valorização do euro em relação ao dólar serviu de almofada.
Não obstante o festival de consumismo nos EUA, o endividamento generalizado, a explosão das falências individuais, o desaparecimento da poupança familiar, as dívidas continuam a cruzar a estratosfera e os consumidores tomam de assalto as lojas em dias de liquidação.
Outro elemento do quebra-cabeça é a persistência do núcleo da inflação em nível baixo apesar do crescimento rápido, do aprofundamento do déficit orçamentário e dos choques petrolíferos. Tampouco se esperava que o déficit comercial dos EUA continuasse a se escancarar depois que o dólar sofrera diante do euro perda de valor de 38%. O que nos aconselha, aliás, a pôr as barbas de molho no caso de outro cachorro que, até agora, não latiu: o da lentidão da reação das exportações brasileiras à valorização do real. Lá como aqui, mudança preocupante da taxa cambial demora a produzir efeito, mas, quando produz, é mortal, conforme ensinava mestre Simonsen.
É verdade que, medida pelo índice balanceado do Fed, a desvalorização do dólar foi de apenas 16%. A discrepância se explica pela resistência da China e de demais asiáticos à valorização de suas moedas, assegurando que o ajuste americano recaia em cheio sobre os que não querem ou não podem evitar essa apreciação: europeus, latino-americanos, brasileiros.
Por quanto tempo ainda há de prolongar o silêncio do cachorro diante do que alguns chamam de "equilíbrio instável" e prefiro denominar "desequilíbrio estável"? Isto é, o macrodesequilíbrio da economia mundial gerado pelo déficit comercial dos EUA, que se aproxima dos 6% do PIB, mas consegue financiar-se, ano após ano, engolindo 70% dos saldos de conta corrente somados da China, do Japão, da Alemanha e muitos outros países superavitários.
Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do FMI e professor de Harvard, e Maurice Obstfeld, de Berkeley, acham que esse deveria ser o problema número 1 na agenda financeira do presidente Bush e que a explosão está perto. Já Richard Cooper, também de Harvard e ex-subsecretário do Tesouro, discorda radicalmente. Para ele, o déficit é não só sustentável mas perfeitamente lógico, à luz do apetite mundial por bons retornos e reservas em dólares. Não lhe parece exagero que os investidores queiram destinar 10%-15% da poupança global (US$ 6 trilhões) aos EUA, onde os investimentos são mais rentáveis e seguros. O déficit refletiria não só uma deficiência de poupança nos EUA em relação aos investimentos mas também excesso de poupança no resto do mundo comparado às oportunidades de investimento. Daí, conclui, qualquer intento de reduzir abruptamente o déficit americano ocasionaria uma recessão mundial.
Como se vê, economistas respeitáveis têm, sobre o problema crucial da economia, opiniões diametralmente opostas. Pelo jeito, continuaremos condenados à perplexidade até que o cachorro comece a latir. Esperemos, quando isso acontecer, que ele só lata e não morda...
Entrevista:O Estado inteligente
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