Folha de S.Paulo - Editoriais: VITÓRIA NA OMC - 05/03/2005

O triunfo final obtido pelo governo brasileiro na Organização Mundial do Comércio ao contestar os subsídios concedidos pelos Estados Unidos a seus produtores de algodão representa um avanço na tentativa de tornar menos assimétricas as relações comerciais entre países ricos e em desenvolvimento.
Não é improvável, porém, que o governo norte-americano ignore a decisão, que o obriga a retirar a ajuda financeira aos produtores num prazo de 16 meses e a acabar com os subsídios às exportações até julho. A grande potência planetária, embora com freqüência se apresente como guardiã de acordos e regras internacionais, é perfeitamente capaz de descumpri-los quando considera que ferem seus interesses.
Nesse caso, a tendência é que os EUA condicionem as medidas relativas a subsídios às conclusões da chamada Rodada Doha, o mais ambicioso -e complexo- projeto de liberalização comercial formulado no âmbito da OMC. Lançada em 2001, na capital do Qatar, a Rodada Doha pode ser considerada uma espécie de "mãe de todas as negociações". Nela, os principais países emergentes, entre os quais o Brasil, procuram inscrever o comércio agrícola mundial num regime menos protecionista, rompendo as barreiras impostas pelas economias mais avançadas.
A reação do governo dos EUA no caso do algodão indicou com clareza que o país considera inadequado tratar de subsídios fora da Rodada Doha, em processos como o que foi movido pelo Brasil na OMC. Segundo o porta-voz norte-americano -que se declarou "desapontado" com a decisão final-, essas contestações deveriam estar subordinadas a entendimentos multilaterais para promover "reformas globais ambiciosas na agricultura", com contrapartidas de "acesso a mercados".
Essas considerações, entretanto, em nada diminuem a importância da vitória conquistada pelo Brasil. Ao contrário, são um sinal de que ela já se constituiu em novo fator de pressão em prol de um comércio internacional mais equilibrado.