O Brasil e o risco do petróleo
Após um período de queda, os preços internacionais do petróleo voltaram a subir. Nos últimos dias, porém, recuaram novamente. Diante dessa incerteza sobre o rumo do barril, alguns analistas têm chamado a atenção para o fato de que um aumento dos preços do petróleo, na medida em que gera pressões inflacionárias na economia americana, poderá forçar o Fed (banco central norte-americano) a aumentar a rapidez com que vem elevando as taxa de juros, o que tenderia a inverter o fluxo de recursos para os países emergentes e aumentar seus prêmios de risco, principalmente o do Brasil.A US$ 50 o barril, o preço do petróleo já atingiu níveis próximos aos do início dos anos 1980. A preços de hoje, quando deflacionados pelo PPI dos Estados Unidos, em 1979, os preços correspondiam a mais de US$ 70 o barril. A US$ 50 o barril, os preços já significam um aumento de 150% em relação à segunda metade dos anos 1990, quando permaneceram na casa dos US$ 20 o barril, e de mais de 60% se comparado aos primeiros quatro anos dos anos 2000 (aproximadamente US$ 30 o barril). Sem dúvida, um choque de preços extremamente forte. Esse fato, por si só, já desperta o receio de que a economia americana (e o mundo) venha a repetir as condições de estagflação, como ocorreu na primeira metade dos anos 1980.Entretanto as condições da economia americana no momento são também muito diferentes das daquele período. Em primeiro lugar, no final dos anos 1970, a economia americana apresentava um baixo nível de ociosidade (em 1979, o grau de utilização da capacidade produtiva da indústria era de 86%) e a produtividade crescia a taxas relativamente baixas (nos primeiros anos da década de 1980, a produtividade crescia a taxas abaixo de 1% ao ano). Por outro lado, o país vinha de um período de políticas fiscal e monetária extremamente frouxas por mais de uma década, que resultaram em elevadas taxas de inflação desde meados dos anos 1970 (nesse período, as taxas de inflação chegaram a atingir dois dígitos).Ao contrário, o atual choque do petróleo pegou a economia americana em situação muito mais saudável do que no início dos anos 1980. Em primeiro lugar, após as elevadas taxas de investimento dos anos 1990 e a pequena recessão dos primeiros anos da década de 2000, o grau de utilização da capacidade produtiva é relativamente baixo para padrões históricos da indústria americana (79%).Da mesma forma, a rápida retomada dos investimentos, principalmente em tecnologia, já a partir do final de 2003, sugere que os ganhos de produtividade deverão permanecer elevados, próximos a 3% ao ano. Não é por outra razão que, apesar dos aumentos dos preços do petróleo nos últimos anos, a taxa de inflação ao nível do consumidor, conforme medido pelo Índice de Preços ao Consumidor, o CPI (principalmente o núcleo deste índice), permaneceu extremamente baixa, ao variar de 1% a 2,5% ao ano.Finalmente, os elevados déficits fiscais do presente são um fenômeno relativamente recente (últimos três anos), após vários anos de superávit fiscal.Em tais condições, a possibilidade de que pressões inflacionárias decorrentes de aumentos nos preços do petróleo venham a forçar o Fed a acelerar a trajetória de aumento dos juros é remota, a menos que a taxa de crescimento da produtividade se reduza substancialmente -algo que não parece provável, devido à retomada dos investimentos em tecnologia desde o final de 2003- ou os preços atinjam níveis extremamente elevados.Porém existe um risco ao qual os analistas têm dado pouca ênfase, mas que nos parece mais provável do que o descrito acima, qual seja o de uma queda substancial nos preços do petróleo. A demanda por petróleo na economia americana corresponde a 3% do PIB daquele país. Um retorno dos preços aos níveis que vigoraram em 2003, US$ 30 o barril, representaria uma queda de 40% em relação aos preços atuais. Supondo que a elasticidade-preço da demanda por petróleo na economia americana seja zero, no curto prazo, isso significaria um aumento de renda real disponível de aproximadamente 1,2% do PIB. Como o consumo representa mais de 70% do PIB americano, isso resultaria em um aumento de consumo e, portanto, da demanda agregada, da ordem de 0,8 ponto percentual do PIB. Em lugar da taxa de crescimento de 3,5% a 4% em 2005, que tem sido estimada pelos analistas, o PIB dos Estados Unidos poderia crescer a taxas próximas a 5% pelo segundo ano consecutivo.Um crescimento dessa magnitude, em uma economia com taxas de juros reais próximas de zero, dificilmente seria assimilado sem pressões inflacionárias por duas razões.Primeiro porque tal crescimento teria um efeito negativo sobre o déficit em conta corrente do país, aumentando-o de forma considerável, o que tenderia a gerar mais desvalorização do dólar e fator adicional de pressão inflacionária.Segundo, e mais importante, porque reduziria rapidamente o grau de ociosidade da indústria americana, criando espaço para repasses dos aumentos de custos aos preços dos bens finais e, portanto, pressões inflacionárias ao nível do consumidor, mesmo que a produtividade continuasse crescendo a taxas relativamente elevadas.Nessas condições, o Fed se veria diante da necessidade de elevar as taxas de juros mais rapidamente, antes que essas pressões inflacionárias se materializassem nos índices de preços. E, nesse caso, com o aumento mais rápido dos juros reais, os riscos de uma redução forte da taxa de crescimento e inversão dos fluxos de capitais para os países emergentes e, portanto, para o Brasil, não devem ser minimizados.
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