O Globo - 05/08/2010
Se você quer que seja mantido o equilíbrio fiscal, controle da inflação e o câmbio flutuante é simples: basta votar em um dos três candidatos mais competitivos nas eleições presidenciais de outubro.
Os três prometem que não vão mexer no “tripé”: as três políticas implantadas pelo governo Fernando Henrique e mantidas pelo governo Lula.
Há sinceridade no que dizem?
Se há, não há mais diferenças entre os candidatos.
Estamos portanto numa espécie de fim da História: não há mais divergência ou dúvida sobre política econômica no Brasil. Seria bom se fosse simples assim — até porque há vários outros temas exigindo atenção —, mas neste, como em vários outros assuntos desta difícil campanha, há pouca verdade no que os candidatos dizem e muito truque de marqueteiro.
“É o tripé que está dando certo e em time que está ganhando não se mexe”, resumiu numa declaração originalíssima o presidente do PT, José Eduardo Dutra. Vamos pular aquela parte em que o mesmo PT dizia que tinha recebido uma herança maldita e que essa eram políticas neoliberais.
Nesta reta final do governo Lula, políticas têm sido adotadas diariamente que quebram a longo prazo um pé do tripé. Os aumentos de gastos públicos, a criação de despesas permanentes, a construção de atalhos fiscais para o endividamento público, a ressurreição da política industrial do governo militar, as exceções criadas na Lei de Responsabilidade Fiscal, tudo isso está, na prática, minando as bases do equilíbrio fiscal.
A política de metas de inflação que vigora há 11 anos pressupõe a não interferência nas decisões do Banco Central. O BC sozinho não resolve o problema, tem que ser ajudado pelo primeiro pé do tripé, mas é condição essencial a autonomia do Banco. Todos os candidatos disseram que respeitarão a autonomia do Banco Central. Há dúvidas razoáveis sobre a real intenção de pelo menos os dois com maiores intenções de voto. O ex-governador José Serra já mostrou em várias entrevistas que esse é um assunto que não está pacificado em suas convicções.
Ele acha que o BC errou nos últimos anos, já deu declarações contraditórias o suficiente para se duvidar da sua convicção quando diz que, se eleito, manterá a política atual. Sobre a ex-ministra Dilma Rousseff repousa a mesma dúvida. Sua formação econômica incipiente e seu entorno fomentam a certeza de que algo de diferente ela vai tentar. Por enquanto, ela está repetindo as frases e palavras que o ex-ministro Antonio Palocci a ensinou.
A sua formação leva a crer que o que ela tem dito não passa de mais um truque de marketing.
A candidata do PV, Marina da Silva, é a menos conhecida dos três por vários motivos. Nunca falou muito desses assuntos econômicos e a imprensa tem obsessivamente perguntado a ela sobre outro tripé: célula tronco-criacionismocasamento gay. Quando consegue fugir dessa pauta pobre, Marina tem admitido que votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e contra o Plano Real, mas que mudou de ideia, se convenceu de que estava errada, por isso defende a consolidação dos ganhos dos últimos 16 anos dessa política.
Os pés do tripé estão relacionados. Dilma acredita no expansionismo do gasto público, tem demonstrado que sustenta os mesmos ideais do governo militar no que se refere à ampliação da estatização.
Para fazer frente a uma política fiscal frouxa decorrente dessas convicções, a política monetária teria que ser mais e mais apertada. Alguém realmente acredita que Dilma toleraria altas das taxas de juros sequenciais sem interferir? Lula compensou seu parco conhecimento do tema com uma visão profundamente pragmática e sua capacidade de aprender com os dados da realidade. Visto que a inflação sob controle era garantia de popularidade, ele jogou fora a velha cartilha do PT e manteve o que prometeu que mudaria.
O terceiro pé é o câmbio flutuante. Está relacionado aos outros dois. Altas taxas de juros atraem capital especulativo, principalmente em momentos de boom internacional, e isso aprecia a moeda nacional. Os exportadores reclamam. Tanto o entorno de Dilma Rousseff, quanto o candidato da oposição, José Serra, já demonstraram que são sensíveis ao lobby exportador.
A única forma de manter o tripé é fazer um aperto fiscal forte, uma política de austeridade que significaria fazer escolhas difíceis, rever a excessiva estatização e os subsídios extravagantes dados às grandes obras iniciadas neste fim de governo Lula, ser capaz de cortar gastos correntes, abandonar a política dos anos 70 que voltou a vigorar no BNDES.
Uma verdadeira política de austeridade criaria um círculo virtuoso: reduziria a necessidade de elevação das taxas de juros, o que reduziria a apreciação cambial. Se o eleito ou a eleita continuar mantendo um discurso de ambiguidade em relação ao Banco Central, a instituição terá que, de novo, conquistar reputação, o que significa manter juros altos por mais tempo.
Por tudo o que os candidatos têm escondido do que realmente pensam sobre a política fiscal, monetária e cambial; por tudo o que já disseram; por suas ambiguidades; pelo que dizem em assuntos que estão relacionados com esses, a verdade é que mesmo hoje, 16 anos depois da maior vitória que o Brasil teve na luta contra a inflação, não há garantias. Ao contrário do que se poderia esperar, alguns candidatos mais que outros estão prontos para cometer erros velhos. Profissões de fé no chamado “tripé” convencem pouco quem tem mente treinada.
Entrevista:O Estado inteligente
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