A cidade do Rio de Janeiro é cercada de favelas povoadas por comunidades marginalizadas que não têm acesso a serviços públicos e vivem sob permanente pânico de morrer em meio a um tiroteio entre a polícia e os traficantes ou milicianos - os verdadeiros donos do poder local. Ali o Estado é completamente ausente. Seja por fraqueza diante dos bandidos, seja por omissão mesmo, a verdade é que não há escolas, postos de saúde, água tratada, coleta de lixo e a luz elétrica chega por longos emaranhados de fios (os famosos gatos), por vezes desencapados e sem nenhuma proteção, que atravessam becos ao relento e entram nas casas através de janelas e portas, ao alcance de crianças. Ali, se a morte não vem de uma bala perdida, pode chegar por choque elétrico - e o risco piora em dias de chuva. Nada disso é desconhecido dos governantes e do País. A novidade é que, pela primeira vez, esse gênero de tragédia social está sendo enfrentado na sua estrutura e com resultados positivos. O Morro Santa Marta, no bairro de Botafogo, foi escolhido como favela piloto pelo governo estadual, por se tratar de uma comunidade relativamente pequena - com 1,6 mil moradias e apenas 75 ruas - e por estar localizado próximo à sede social da prefeitura e de um quartel da Polícia Militar. Com um plano de ação financiado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), há pouco mais de seis meses o governo estadual ocupou militarmente e expulsou os traficantes do Santa Marta. Empresas de serviços públicos foram chamadas a participar da ocupação e construir redes de luz, gás, água e telefonia. A Light foi para lá há seis meses, investiu R$ 3 milhões e sua ação começa a apresentar resultados concretos: neste mês de agosto vai pôr um ponto final no gato e começará a cobrar dos moradores o consumo de energia. "Nessas comunidades a política de repressão piora, não resolve. O meio eficaz é promover a inserção das pessoas marginalizadas na economia formal. Não podemos tratá-las como ladrões de energia, porque elas não se sentem assim. Mas funciona quando ganham status e sensação de cidadania", define o presidente da Light, José Luiz Alqueres, ex-presidente da Eletrobrás e um misto de engenheiro e sociólogo. O que fez a Light no Santa Marta? Com proteção da polícia e ajuda da Associação dos Moradores, começou a substituir os emaranhados de fios por redes blindadas à prova de gatos; colocou medidores eletrônicos dentro de armários lacrados e um comunicado bem visível: se um deles for destruído, automaticamente a luz inteira da favela é cortada. Abriu vielas, cobriu buracos e deu nomes às 75 ruas, numerando cada barraco e criando endereço para cada um deles. Se antes eles eram impedidos de contratar um crediário por não disporem de um endereço que os localizasse, passaram a tê-lo. A vergonha da marginalidade foi substituída pelo orgulho da cidadania. Mas vale a pena para o morador? É compensador passar a pagar por um serviço antes gratuito? A população ainda está dividida, conta Carlos Alberto Piazza, superintendente de Comunicação com Comunidades da Light. Há quem tenha saudades do tráfico e do gato de luz sem custo. Afinal os bandidos saíram, mas deixaram agentes que trabalham para sabotar a ocupação. Porém cresce e hoje é majoritário o número dos que aprovam. Se antes eram agressivos com os eletricistas que lá trabalham, hoje se mostram compreensivos e camaradas. Esse trabalho de conquista implica também ensinar moradores a economizar energia e enquadrar-se no consumo de até 80 kW/hora e na tarifa social de R$ 15/mês. Para isso, a Light forneceu lâmpadas econômicas, substituiu geladeiras velhas por novas e trocou a fiação dentro dos barracos. Além disso, aboliu uma espécie de senha entre traficantes e moradores que chegava a triplicar o consumo: para avisar que no barraco morava uma família, os moradores mantinham as lâmpadas acesas dia e noite (afinal, era tudo grátis). Luz apagada, o barraco era tomado pelos bandidos. A bem-sucedida experiência no Morro Santa Marta mostra que não há saída para melhorar a qualidade de vida dos favelados sem a ocupação por inteiro: o Estado provendo proteção policial, educação, saúde e as empresas privadas levando serviços de luz, água, telefonia, coleta de lixo. É essa ação coletiva que vai permitir o salto em percepção de cidadania e vai mudar o clima de hostilidade e revolta com que a população favelada recebe a polícia - a única forma de Estado que conhecem. *Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio (sucaldas@terra.com.br) |
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domingo, agosto 02, 2009
Suely Caldas* Marginalidade e cidadania
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