Não tenho dúvidas sobre Hugo Chávez. Ele tem espírito totalitário, não tem qualquer respeito pelas instituições democráticas e está desmontando, uma por uma, todas as bases de um regime de liberdade na Venezuela. A minha dúvida é em relação ao Palácio do Planalto e ao Itamaraty: até quando eles defenderão Chávez? Até quando eles dirão que os crimes de Chávez são coisas "deste tamanhinho".
O fechamento de emissoras de rádio e televisão, as ameaças físicas e administrativas contra jornais e jornalistas, e a nova lei de "delitos midiáticos" são provas mais do que suficientes do caráter perigosamente ditatorial do governo de Hugo Chávez. Mas nos seus onze anos de poder ele já fez muito mais. Mudou a Constituição várias vezes; governa por decretos; reformou a Justiça para controlá-la; confisca as empresas que lhe convém pelos motivos que inventa; formou uma milícia maior do que as Forças Armadas e com esta força particular ameaça seus adversários.
A lei de delitos midiáticos, que será examinada por um Congresso domesticado por Chávez, é uma ameaça a todos.
Basta ler o projeto. O texto fala em "informação oportuna, veraz e imparcial"; diz que não estão submetidos a ela apenas os jornalistas, mas também "os conferencistas, os artistas ou qualquer pessoa que se expresse através de qualquer meio". Diz que são delitos passíveis de prisão as "ações ou omissões que atentem contra a paz social, segurança, independência da nação, ordem pública, estabilidade das instituições, a saúde mental e moral pública, que gerem sensação de impunidade ou de insegurança".
Pune também com prisão quem "manipule ou tergiverse a notícia, gerando falsa percepção dos fatos". A lei, ambígua e imprecisa, não engana quem já viveu uma ditadura: é uma forma de tornar crime qualquer crítica ao governo, qualquer notícia que o desagrade.
É uma intimidação a todos. Como diz o jornalista venezuelano Teodoro Petkoff em editorial no seu combativo e miúdo "Tal Cual": é uma revogação da Constituição.
Chávez só respeita as eleições que ganha. Em 2007, fez plebiscito em que pedia aprovação para várias mudanças.
Como perdeu a consulta, implantou na marra todas as mudanças que queria. Quando perdeu eleições em Caracas recentemente, retirou poderes da prefeitura e tomou órgãos do município.
Financiar, armar e dar passe livre para terroristas que atuam em outro país é crime.
O governo de Chávez faz isso com a Colômbia, mas o chanceler Celso Amorim disse, na entrevista que concedeu a Eliane Cantanhêde, da "Folha de S.Paulo", que o episódio das armas suecas vendidas à Venezuela e encontradas com as Farc é uma coisa "deste tamanhinho". As Farcs sequestram inocentes e os mantêm em situações desumanas, como é impossível ignorar, diante do relato já feito pelos que são libertados.
Um governo apoiar um grupo armado que em outro país sequestra e tortura é, para o governo brasileiro, uma coisa menor.
A tradição diplomática brasileira nunca foi de ter dois pesos e duas medidas quando se trata da relação com vizinhos. Agora tem. A Colômbia é tratada com a severidade necessária quando não informa a natureza do acordo que faz para as bases americanas na região.
Mas qualquer ação de Chávez é tratada com displicência conivente.
Chávez já interfere abertamente na política interna de países da região e montou uma rede de governos comandados de Caracas aos quais fornece dinheiro e a tecnologia de solapar bases democráticas de suas sociedades.
Rafael Correa é um desses aprendizes de feiticeiro que disse que o governo vai tomar "várias" emissoras de rádio e televisão.
A Globovisión já enfrentava, quando eu a visitei, em Caracas, há seis anos, o mesmo tipo de ameaça que sofre hoje. Já havia sido vitima de um ataque de chavistas com bombas e granadas em suas instalações. Uma das TVs estatais, a VTV, que também visitei, já era, naquele tempo, um cabide de militantes, onde não se fazia nada parecido com jornalismo. De lá para cá, Chávez escalou e não há dúvida de que ele quer fechar a Globovisión, que vive sendo encurralada por todos os múltiplos braços do estado totalitário que ele montou.
O Brasil não pode interferir em assuntos internos da Venezuela, por suposto. Mas deve defender princípios e valores democráticos que estão sendo ameaçados na região, pode condenar a interferência de Chávez em assuntos internos de outros países, deve reagir com firmeza à denúncia das armas da Suécia.
Pode e deve avaliar melhor o tamanho dos crimes cometidos por Hugo Chávez.
A economia não passa incólume por esse turbilhão. A Venezuela vem sofrendo um perigoso esvaziamento econômico como consequência dos sucessivos ataques de Chávez a empresas. A inflação é a maior da região, uma das maiores do mundo.
Prova de que a violência política não traz ganho econômico, pelo contrário, os investidores precisam de estabilidade das regras.
Não tenho dúvidas de que a Venezuela terá sequelas durante uma geração pela violência que sofre agora. A minha dúvida é em relação ao governo brasileiro. Ele não vê tudo isso, ou concorda com esses métodos e propósitos?
Com Alvaro Gribel