O GLOBO
Pode parecer estranho o presidente Lula se colocar tão abertamente na defesa da ministra Dilma Rousseff, chegando a desafiar a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira a apresentar provas de que teve realmente o encontro com sua chefe da Casa Civil, no qual teria sido pedido que "agilizasse" a investigação contra o filho do senador José Sarney, o que foi interpretado por Lina como uma orientação para encerrar a investigação. Lula tentou minimizar a discussão, tachando-a de "mexerico".
Parece estranho, mas não é. O presidente Lula simplesmente joga seus altos índices de popularidade na defesa de sua candidata à sucessão em 2010, que está se tornando com frequência indesejável uma política envolvida com histórias mal contadas.
Desde que, em depoimento no Senado, a ministra Dilma se aproveitou de uma pergunta mal colocada pelo líder do DEM, senador Agripino Maia, e disse que se orgulhava muito de ter mentido enquanto esteve presa, em Porto Alegre, durante a ditadura, porque ajudara a salvar vida de companheiros perseguidos pelos militares, que a questão da mentira a persegue.
Naquela ocasião, ela chegou a se emocionar ao confirmar uma entrevista em que dizia que mentira muito na prisão, e, quase chorando, desmontou o senador oposicionista, que dissera temer que estivéssemos vivendo novamente no Brasil um "estado policialesco" onde a mentira prevalece.
O que era uma tentativa de desestabilizar a ministra foi, ao contrário, um estímulo a que ela exaltasse sua imagem de revolucionária corajosa que, apesar de "barbaramente torturada", mentira para salvar seus companheiros. Mas, na democracia, discursou a ministra, não havia espaço para mentiras.
De lá para cá, pelo menos dois casos graves antes desse colocaram a ministra em posição delicada, demonstrando que o seu apreço pela democracia e pela verdade pode não passar de retórica.
O caso do dossiê sobre os gastos do governo Fernando Henrique, para rebater investigações oposicionistas sobre os gastos secretos do governo Lula, é típica atitude de autoritarismo.
Denunciada a operação, que confirmava uma afirmação da própria ministra a um grupo de empresários em São Paulo, de que o governo estava recolhendo informações da gestão anterior e que não ficaria parado diante dos ataques, ela se saiu com uma explicação sem pé nem cabeça, dizendo que se tratava apenas de um levantamento de dados, não de um dossiê.
O caso do currículo falso é mais grave, pois a única desculpa que deu foi que não vira o próprio currículo, que estava publicado em sites oficiais do governo e da Petrobras, tendo sido enviado até mesmo para a agência dos Estados Unidos que controla a Bolsa de Valores.
Esse mesmo currículo, informando falsamente que a ministra tinha mestrado e doutorado, fora lido na apresentação do programa "Roda Viva", da TV Cultura, na presença da própria ministra, que não fez qualquer objeção.
Por isso o caso atual ganha relevância. Não se trata de mero "mexerico", como quer o presidente Lula. A ser verdade o que a ex-secretária Lina Vieira disse, estamos diante de um crime de servidor público.
Há também um indício de que a ministra Dilma Rousseff tratava pessoalmente da crise em que o presidente do Senado está metido.
Ela esteve na casa do senador José Sarney para orientá-lo a não pedir demissão, num dos momentos mais críticos da crise política, enquanto o presidente Lula estava em viagem ao exterior.
Afinal, como o próprio Sarney e seu grupo apregoam, o que está por trás das denúncias é a eleição de 2010, em que Dilma desponta como a mais que provável candidata oficial. E o que mais interessa ao Palácio do Planalto é manter o PMDB ao lado da candidatura, dando o vice e os minutos preciosos de televisão.
A ministra Dilma desmente o encontro desde o primeiro momento, com pequenas alterações, e alega que cabe à acusadora provar que o encontro existiu.
Em nenhuma das versões Dilma admite que possa ter havido um mal-entendido entre as duas.
Embora esteja correta, ao dizer que cabe a Lina Vieira provar que fala a verdade, seria muito mais eficaz para o governo, do ponto de vista político, se o Palácio do Planalto divulgasse as imagens dos carros e pessoas que entraram pela garagem do edifício no período mencionado.
Poderia até apresentar o material a um grupo reduzido de deputados e senadores, para manter o sigilo do material. Não liberando as imagens "por questões de segurança", e nem mesmo emitindo uma nota oficial em que alguém com responsabilidade, como, por exemplo, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Armando Felix, garanta que, revisadas todas as fitas, não foram encontrados registros da presença da ex-secretária no Palácio do Planalto, ficará sempre a dúvida de que não divulgam porque as fitas confirmariam a versão de Lina Vieira.
Do que revelar, ou acrescentar ao que já falou, ou mesmo se retirar alguma coisa, hoje na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, depende a sorte de Dilma Rousseff, que não colheu bons resultados na mais recente pesquisa do Datafolha, que a mostrou parada no mesmo ponto, em empate técnico com Ciro Gomes, que almeja ser o candidato do PSB à sucessão de Lula.
O que torna verossímil a versão da ex-secretária da Receita é que ela é petista, e foi demitida do cargo por motivos que ainda não ficaram claras. Na entrevista à "Folha de S. Paulo" em que relatou o encontro, parece claro que Lina quis se vingar, dando a entender que fora demitida por não ter atendido ao pedido/ordem da ministra toda-poderosa.
Mas a vingança pode também ser a motivação para uma mentira.