Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 07, 2008

DANUZA LEÃO Uma perda


Seria tão bom se, no lugar de morrer, elas pegassem um avião para fazer uma viagem bem longa e não voltassem

EU TINHA uma amiga doente há muito tempo; há alguns meses teve que fazer mais uma operação e ficou claro que ia morrer -e em pouco tempo. Sem perceber, fui me habituando à idéia de sua morte. Quando ela aconteceu, já estava tão preparada que não derramei uma lágrima; me senti uma pessoa fria e sem sentimentos. Ela era minha melhor e mais antiga amiga.
O tempo foi passando, eu lembrava dela com freqüência, mas era como se ela tivesse viajado. Não conseguia -como não consigo ainda- pensar nela como alguém que morreu. Não fui visitá-la no hospital e disse, pelo telefone, que não ia por não querer vê-la em condições desfavoráveis, digamos assim, e que iria quando ela estivesse de novo bonita e alegre como sempre foi. Não me senti culpada de não ter ido, porque se fosse eu a doente, detestaria que alguém me visse nas tais condições desfavoráveis -vocês me entendem. Junte-se a isso minha covardia, claro.
Ela morreu, e a ficha foi caindo aos poucos. Tão aos poucos que às vezes ainda pego o telefone e começo a ligar para ela e só depois dos primeiros números discados me dou conta de que ela não existe mais. E a cada vez fico mais triste. É uma tristeza que foi chegando aos poucos, e que só faz aumentar. E mais uma vez não consigo compreender a vida nem aceitar a morte.
Há os que dizem que vida e morte são uma coisa só, mas não entendo como alguém que um dia está falando, rindo, comendo, pensando, andando, correndo, brincando, no dia seguinte pode não existir mais. Dizem que o que não existe mais é só o corpo, mas isso é difícil de entender.
Para mim não melhora em nada lembrar dos bons momentos que passamos juntas, das risadas que demos, do quanto nos divertíamos o dia inteiro na praia, dos conselhos que dávamos uma à outra na hora de escolher entre um namorado e outro. Eu queria mesmo era poder falar com ela agora, mesmo que fosse para rir menos e mais para trocar nossas aflições, mas não posso. Ela não existe mais.
Isso pode acontecer com qualquer pessoa de quem gostamos (e conosco também, claro): de um dia para o outro, desaparecer. Seria tão bom se, no lugar de morrer, elas pegassem um avião para fazer uma viagem bem longa e nunca mais voltassem.
A gente sentiria saudades, com o tempo as saudades iriam diminuindo, e um dia nos esqueceríamos de que elas haviam existido e sido tão importantes em nossa vida, mas não. Temos que passar por toda a tristeza do final, lembrando e não entendendo.
Eu tive uma outra amiga que umas duas semanas depois de morrer seus dois filhos convidaram seus mais próximos para uma happy hour no apartamento em que ela morava; a casa estava cheia das flores de que ela mais gostava e fotos pela casa inteira. As pessoas lembraram histórias divertidas e brindaram com champanhe a alegria que ela deu a todos. Não houve lágrimas nem tristeza, e depois foram todos para casa se sentindo privilegiados por terem compartilhado de uma vida tão rica.
Seria bom se isso virasse um hábito, mas seria possível? Quando a dor é muito funda, é difícil. E a morte, nos países latinos, massacra os que ficam. É proibido não sofrer, e fica melhor na foto quem sofrer mais. Se a viúva se debater querendo ser enterrada junto com o marido, aí o sucesso é total. Porque há muito de exibição nessas horas, e se o morto é famoso e houver fotógrafos e câmeras de televisão, aí o espetáculo ganha muito.
Mas por que eu estou falando de tanta coisa triste? O Natal está chegando, o Ano Novo, depois o Carnaval, a hora é de alegria. Acho que é porque eu pensei na minha amiga e fiquei imaginando como vai ser o primeiro Natal dos filhos sem ela, e isso me entristeceu muito.
Desculpem tanta tristeza, leitores.

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