Livros
O cinismo dos emergentes
Um retrato desencantado da Índia moderna no
primoroso romance de estréia de Aravind Adiga
Miguel Sanches Neto
LUZ E TREVAS Aravind Adiga, vencedor do prestigioso prêmio Man Booker: a ascensão social de um predador |
A Índia entrou no imaginário ocidental como espaço da iluminação interior e dos gurus. Mas é outra a Índia revelada pelo primoroso romance de estréia de Aravind Adiga – O Tigre Branco (tradução de Maria Helena Rouanet; Nova Fronteira; 256 páginas; 34,90 reais), ganhador do Man Booker Prize deste ano. Segundo mais jovem autor laureado com o prêmio inglês, Adiga, que nasceu na Índia em 1974, escancara a existência de duas pátrias, a da escuridão e a da luz. A nação das trevas é a banhada pelas águas do Rio Ganges, onde vivem os homens invisíveis, presos às suas castas. A outra é aquela próxima do mar, onde se vive sob o impulso de um vigoroso desenvolvimento econômico. Quem narra o romance é um empresário que conseguiu migrar do país profundo e pobre para a Índia emergente e iluminada. Com cinismo, ele desmonta o mecanismo da própria ascensão social.
Na infância chamado apenas de Munna (menino), o narrador assumirá uma série de nomes ao longo de sua trajetória. Seu professor na escola da aldeia o batiza de Balram Halwai. Filho de um puxador de riquixá que morreu de tuberculose, ele consegue, depois de muitos ardis, tornar-se motorista particular em Délhi. Sem pudor, Balram vai relatando como todos os de sua classe vivem pacificamente numa gaiola social. Na condição de animal raro, ele resolve romper com isso. O momento de mudança se dá quando se encontra com um tigre branco no zoológico e descobre sua própria identidade predadora. Balram mata e rouba o patrão, começando sua carreira de sucesso. Nunca se sentirá como um monstro. A imoralidade, alega, é uma questão de circunstâncias: um habitante da civilização pode optar por ser bom, mas em Laxmangardh, sua aldeia natal, "ele não teria sequer escolha. Eis a grande diferença entre esta Índia e a outra: a escolha". Aravind Adiga constrói um personagem sem caráter, que se torna símbolo extremo de um impulso selvagem de liberdade. Um alerta para os que vivem na luz.