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Seqüestro oficial
A reportagem que elucidou um crime do regime militar
Ricardo Chaves |
FALSO CARECA O agente do Dops conhecido como Irno (à dir.) e seu advogado: farsa rasteira |
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Em novembro de 1978, os uruguaios Universindo Díaz e Lílian Celiberti, militantes de esquerda residentes em Porto Alegre, foram presos, torturados e mandados de volta ao país natal, onde cumpririam cinco anos de prisão. Não se tratou de um processo de extradição, mas do seqüestro de dois exilados políticos (e também de duas crianças, filhos de Lílian), do qual participaram policiais do Brasil e do Uruguai – uma colaboração espúria no âmbito da Operação Condor, aliança firmada por ditaduras sul-americanas para caçar opositores. Então chefe da sucursal de VEJA em Porto Alegre, o jornalista Luiz Cláudio Cunha tornou-se testemunha do crime. Seguindo uma pista de um anônimo, Cunha e o fotógrafo J.B. Scalco foram bater no apartamento em que Lílian era mantida presa. Seus carcereiros receberam os jornalistas com arma na mão. Passados trinta anos, Cunha reconstitui toda a história, com detalhes que vão do dramático ao pitoresco, em O Seqüestro dos Uruguaios – Uma Reportagem dos Tempos da Ditadura (L± 472 páginas; 49 reais).
O livro mostra os bastidores do esforço de Cunha para trazer a operação clandestina à luz. Com uma arma apontada para a cabeça, Scalco não pôde tirar fotos do cativeiro de Lílian – mas, graças à sua experiência de fotógrafo esportivo, identificou um seqüestrador: Didi Pedalada, ex-jogador do Internacional convertido em escrivão de polícia. Quando VEJA publicou uma reportagem nomeando outro participante do seqüestro, o agente do Dops João Augusto da Rosa, codinome Irno, foi armada uma farsa para desautorizar a revelação: em uma entrevista coletiva, Irno apresentou-se careca e de óculos, muito diferente do sujeito com cabelo e bigode descrito na revista. Coube a outro fotógrafo, Ricardo Chaves, desfazer a farsa: apontando a teleobjetiva para a careca do meganha, descobriu marcas recentes de um corte a navalha, para simular a calvície. O Seqüestro dos Uruguaios é uma demonstração vigorosa do melhor trabalho da imprensa livre: desmontar as trapaças oficiais.