Por esse compromisso assumido pelo Estado brasileiro, índios e quilombolas podem vetar projetos importantes para a economia nacional. O governo terá de pedir licença a esses "povos" - assim denominados no texto da convenção - para promover o desenvolvimento, se for necessário realizar obras ou explorar recursos minerais.
Segundo o artigo 7º, "os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento" e, além disso, "deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente".
Pelo artigo 15º, "em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios ou dos recursos do subsolo, ou de ter direitos sobre outros recursos existentes nas terras, os governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a consultar os povos interessados, a fim de determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, e em que medida, antes de empreender ou autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas suas terras". Na prática, isso restringe, se não elimina, o direito do Estado sobre recursos minerais.
Se os índios e quilombolas disserem não, será preciso buscar outros lugares, de preferência habitados pelos cidadãos comuns, para construir hidrelétricas ou abrir estradas. O poder público deve cumprir esse ritual por meio de consultas.
Pelo artigo 2º, os governos devem assegurar aos índios e quilombolas "o gozo, em condições de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos demais membros da população". Devem "promover a plena efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos, respeitando a sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições e as suas instituições". As do Estado brasileiro também valem? O artigo 5º reforça: "ao se aplicar as disposições da presente convenção (...) deverá ser respeitada a integridade dos valores, práticas e instituições desses povos."
Além de poderem preservar diferenças até institucionais, esses "povos" devem participar dos direitos da cidadania. Segundo o artigo 6º, os governos devem consultá-los, "mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente". Também devem "estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que os outros setores da população, e em todos os níveis, da adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes". Pelo menos na mesma medida?
Pelo artigo 6º, "ao se aplicar a legislação nacional aos povos interessados, deverão ser levados na devida conta seus costumes ou seu direito consuetudinário". É o fim da unidade legal do Estado brasileiro.
A quem interessa a criação desses Estados dentro do Estado? Pode haver mais de uma resposta, mas o seminário realizado sobre o assunto em Brasília, nesta semana, foi apoiado pela Red Jurídica para la Defensa de los Derechos de los Pueblos de la Amazonia, pela União Européia e pela Fundação Floresta Tropical, da Noruega. A lista dos estrangeiros interessados pode ser longa.
Entre os 20 signatários da convenção há 14 latino-americanos. Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia não constam. Talvez suas autoridades tenham lido o texto. Gente esperta.