A crise financeira ameaça acabar com a gastança no futebol inglês, cuja riqueza depende do crédito fácil e de milionários estrangeiros
Thomaz Favaro
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Quatro dos dez times mais ricos do mundo disputam a Premier League, a primeira divisão do campeonato inglês. Nenhuma outra competição de futebol arrecada tanto dinheiro e paga salários tão altos – em média, 75% acima dos pagos na Espanha. Com seu apelo global (partidas transmitidas para 200 países), a Premier League é uma vitrine de craques. O segredo do sucesso do futebol inglês foi a cooptação de investimentos de milionários do mundo todo. Nove das vinte equipes da primeira divisão são controladas por estrangeiros, que despejam fortunas (não raro de origem duvidosa) para reforçar as equipes. A maioria deles nem sequer está atrás de lucro, mas apenas de notoriedade e diversão. "São milionários que gastam fortunas nos times da mesma maneira como torram dinheiro com seus iates", diz o inglês Wyn Grant, da Universidade de Warwick, especialista na economia do futebol. O resultado foi a formação de uma espécie de bolha, que inflou o valor do campeonato inglês – e que agora está ameaçada pelo estouro de outra bolha, a dos mercados financeiros.
Na última década, os ingleses aproveitaram-se do crédito fácil para financiar a compra do que havia de melhor no mercado da bola. Atualmente, dois terços dos jogadores da primeira divisão são estrangeiros. A euforia na gastança eclipsou a preocupação com as contas, e doze dos vinte times estão no vermelho. Juntas, as equipes devem mais de 5 bilhões de dólares, o dobro do que arrecadaram no ano passado. Boa parte do déficit tem sido financiada, sem juros, pelos ricaços russos, americanos e franceses que controlam os clubes. Mas a crise mundial colocou investidores e patrocinadores em apuros. O principal perdedor é o West Ham. O patrocinador do time londrino faliu e seu dono, o banqueiro islandês Bjorgolfur Gudmundsson, viu sua fortuna derreter junto com a economia de seu país. A fortuna do russo Roman Abramovich, dono e mecenas do Chelsea, encolheu 20 bilhões de dólares nos últimos meses. Por falta de crédito, o Liverpool precisou adiar os planos de construir um novo estádio. No mês passado, sua torcida saiu às ruas para protestar contra os investidores americanos que controlam o clube.
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A RAINHA DA BOLA Amanda Staveley: a empresária ajudou a trazer Robinho e os petrodólares para a Inglaterra |
Uma das raras equipes que podem se considerar a salvo é o Manchester City. Pouco antes de seu dono, o ex-premiê tailandês Thaksin Shinawatra, ser condenado à prisão por corrupção, o time foi vendido em setembro para o xeque Mansur bin Zayed, da família real de Abu Dhabi, cujo patrimônio é estimado em 850 bilhões de dólares. Da noite para o dia, o "primo pobre" de Manchester, cujo último título relevante data de 1976, tornou-se uma potência futebolística. "É como ganhar na loteria e fazer aniversário no mesmo dia", comemorou Mark Hughes, o treinador do clube. O negócio foi intermediado por Amanda Staveley, 35 anos, chamada de "rainha do futebol inglês". Ex-namorada do príncipe Andrew (de quem recusou o pedido de casamento), ela controla um fundo de investimento especializado em atrair petrodólares para os gramados ingleses. A compra do brasileiro Robinho por 52 milhões de dólares, a transação mais cara da história do futebol inglês, só foi concluída depois que ela entrou no negócio. Ainda é difícil dimensionar o impacto da crise financeira no futuro do campeonato inglês. As probabilidades de falência generalizada, no entanto, são ínfimas. "A crise é má notícia para os clubes, mas os torcedores podem ficar tranqüilos", disse a VEJA o economista inglês Stefan Szymanski, da City University, em Londres. "Pouquíssimos times desapareceram nos últimos 100 anos, o que faz do futebol uma das economias mais estáveis do mundo." Só que, depois do estouro da bolha, os clubes serão mais modestos.