Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 15, 2008

Condessa de Barral – A Paixão do Imperador, de Mary Del Priore

Condessa de Barral – A Paixão do Imperador, de Mary Del Priore

No coração do império

Uma biografia da condessa de Barral - a grande paixão
de dom Pedro II - revela uma mulher avançada demais
para os padrões provincianos do Brasil do século XIX


Jerônimo Teixeira

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Trecho do livro

Com sua fina educação francesa, Luisa Margarida Portugal e Barros, a condessa de Barral, horrorizou-se com as maneiras toscas de um conterrâneo que visitava a Europa. Ele tinha as unhas sujas, comia com a faca e cultivava o desagradável hábito de bater nas costas dos interlocutores. "O senhor Alcântara tem dois defeitos insuportáveis: é egoísta como ninguém e cabeçudo como todas as mulas do mundo", anotava a condessa em seu diário de 1871. Referia-se a Pedro de Alcântara, o imperador dom Pedro II, então em sua primeira excursão européia. Luisa brigou muito com ele: achava que sua figura simplória, sempre com o mesmo jaquetão preto, representava mal o Brasil. Ela gozava da intimidade necessária para fazer críticas tão pessoais. Fora dama de honra da princesa Francisca, irmã de dom Pedro, e aia das filhas deste, Isabel e Leopoldina. Também era a mais querida amiga do imperador - e as palavras "amiga", "amigo", "amizade", recorrentes na correspondência entre os dois, são eufemismos: Luisa foi amante de dom Pedro II. Reconstituída com muita graça na biografia Condessa de Barral - A Paixão do Imperador (Objetiva; 264 páginas; 33,90 reais), de Mary Del Priore, a vida extraordinária de Luisa permite um vislumbre único do que se passava no recesso das alcovas reais. A historiadora buscou fazer um retrato humano, despido da aura reverencial que cerca seus personagens. "Meu objetivo foi mostrar o imperador de pijama e a condessa de bobes na cabeça", brinca Mary, autora também de O Príncipe Maldito, biografia de Pedro Augusto, neto de dom Pedro II.


Reprodução
AMOR DE OUTONO
Dom Pedro (à esq.), com filhos e netos, já no exílio - e com Luisa (quarta da dir. para a esq., na fila de trás): flores na porta do quarto

Nascida em Salvador, em 1816, Luisa era nove anos mais velha que dom Pedro II - mas, como certa vez disse o próprio imperador, uma "mulher de espírito" nunca envelhece. Os trechos dos diários e cartas da condessa que Mary reproduz na biografia revelam, de fato, um espírito agudo e jovial. Dom Pedro encontrava em Barral uma inteligência inquisitiva - como ele, uma amante dos livros, das línguas, da cultura, qualidades que a colocavam em franco contraste com a imperatriz Teresa Cristina, mulher de intelecto limitado. A ligação entre imperador e condessa foi sobretudo intelectual. Nada disso significa que não tenha havido também um intenso relacionamento carnal, sobretudo entre 1856 e 1864, quando Luisa, na condição de aia das princesas Isabel e Leopoldina, tinha livre trânsito pelo paço imperial. As referências sexuais, porém, são muito veladas na correspondência trocada entre os dois (há indicações de que eles teriam destruído as cartas mais ardentes). O decoro parece ter regido a relação dos dois. Mais para o fim da vida, já viúva de Barral - o conde francês que ela traiu em seu affair com o imperador brasileiro - , Luisa sofreria certa crise de consciência. "Eu não digo que não me afastasse da boa vereda. Oh! Se me afastei dela. Mas sempre foi com a consciência do mal que eu fazia", escreve ela ao antigo amante.

A personalidade tímida e reclusa de dom Pedro II encontrou um complemento perfeito na extrovertida condessa de Barral. "Ela foi uma porta aberta para um mundo que ele só conhecia dos livros", diz Mary. Cosmopolita, Luisa sentia-se igualmente à vontade passeando na Champs-Élysées ou cavalgando pelas propriedades rurais da família, ouvindo Chopin tocar piano em um sarau parisiense ou vendo os escravos dançar lundu em dias de festa. Luisa teve uma educação liberal para sua época. Seu pai, o diplomata, político e senhor de engenho baiano Domingos Borges de Barros, acreditava que a educação feminina deveria ir além dos bordados. Mesmo assim, quis impor à filha o casamento com um amigo brasileiro, bem mais velho do que ela. Luisa, ainda adolescente, rebelou-se. Escolheu ela mesma um marido francês - o conde de Barral.

Bruno Veiga/divulgação
HISTÓRIA ÍNTIMA
Mary Del Priore: o imperador de pijama e a condessa com bobes no cabelo

Muito próxima do ideário do pai, Luisa seria sempre uma liberal moderada. Defendia a abolição - ponto de vista que expressou na correspondência com o imperador. Paradoxalmente, não hesitava em mandar que seus próprios escravos sofressem castigos físicos - e registrava essas ordens no diário: "Roubaram os patos e o óleo de mamona: Ignácia chicoteada quinze vezes". A condessa testemunhou de perto alguns acontecimentos críticos da história brasileira e francesa. Estava na Bahia em 1837 quando eclodiu a Sabinada, revolta contra a regência. Na França, como dama de companhia da princesa Francisca, casada com um dos filhos do rei Luís Felipe, assistiu à Revolução de 1848, que derrubou a monarquia, e seguiu com a corte dos Orléans para o exílio na Inglaterra. Estava de volta à França, em 1871, quando eclodiu a revolta popular conhecida como Comuna de Paris. Eram tempos conturbados para as casas reais. Luisa, no entanto, nunca deixou de acreditar no poder moderador e na autoridade moral da monarquia.

A proclamação da República, em 1889, foi uma desilusão: "Para mim não há mais pátria", escreveu a condessa brasileira, na França. O imperador, já sem império e sem casa, perambulava pela Europa, dependente da hospitalidade de amigos. Passou algum tempo no castelo de Luisa no interior da França. Romântico, gostava de colher flores para deixá-las à porta do quarto da antiga amante. Foram suas últimas manifestações de afeto - a condessa de Barral morreria poucos meses depois, de pneumonia, em janeiro de 1891. Pedro de Alcântara seguiu-a em dezembro do mesmo ano.

As outras

A amante do rei é uma personagem indissociável da história das monarquias. Algumas das mais célebres:

Nell Gwyn
(1650-1687)
Popular atriz de comédias, foi amante do rei inglês Charles II. Era analfabeta, mas muito esperta – conseguiu títulos de nobreza para um filho e uma pensão vitalícia que garantiu seu conforto depois da morte do rei
Bridgeman Art/Grupo Keystone


Madame de Maintenon
(1635-1719)
Entrou na corte de Luís XIV como governanta de uma amante anterior do rei francês. Chegou a se casar com o monarca, mas não foi proclamada rainha. Piedosa, impôs um perfil carola à corte
Erich Lessing/Album/Latinstock


Madame de Pompadour
(1721-1764)
Amante e secretária de Luís XV, foi uma figura influente nos negócios de estado da França. Amiga de iluministas como Voltaire, também foi uma grande patrocinadora das artes

Corbis/Latinstock


Marquesa de Santos
(1797-1867)
Foi o caso mais escandaloso de dom Pedro I, que tentou fazer a corte aceitar a presença da amante. Pistoleira consumada, arrancou título de nobreza, propriedades e jóias do imperador
Divulgação


Condessa de Barral
(1816-1891)
Dama de companhia da irmã de dom Pedro II e preceptora de suas duas filhas, foi a paixão mais duradoura do imperador. Educada na França, destacava-se na acanhada corte brasileira pela cultura e elegância
Reprodução


LIVROS

Trecho de Condessa de Barral - A Paixão do Imperador, de Mary Del Priore

Capítulo I
O nascimento da camaleoa

No dia em que Luísa Margarida Portugal e Barros, a futura condessa de Barral, nasceu, o centro do quarto estava ocupado por uma cama de armação com cortinado. Nela, deitada de costas, estava uma mulher com a camisola de cassa e renda repuxada até o pescoço. O chão coberto por esteiras trançadas e as paredes pintadas com arabescos davam um ar alegre ao aposento. Entre resmungos e gemidos, a parturiente beijava escapulários espalhados sobre o lençol. Os cabelos pretos grudavam na testa suada. Ela contraía o rosto de dor. Apoiada num rolo de panos, abria as pernas, seguras por três ou quatro parteiras. Uma delas lubrificou a genitália com uma mistura de gordura de galinha e óleo de açucenas. Seguindo o costume, esta mesma parteira rompeu a placenta com a unha comprida do dedo mínimo. A seguir, molhou as partes íntimas da futura mãe, com vinho quente. Na cabeceira, as outras gritavam: "Puxa, puxa."

Se não estivesse para dar à luz, a parturiente estaria como outras beldades da cidade, no balcão enfeitado de sua casa, pronta para assistir à passagem da procissão. Mas, no quarto, Dona Maria do Carmo Portugal e Barros aguardava quase em silêncio as contrações. À volta, comadres, escravas e uma ou outra parenta viúva traziam mais bacias de água e panos limpos. Tinham passado um cordão de Santo Antônio em volta da barriga dela e amarrado no joelho esquerdo uma pedra chamada de "mombaza", cuja função mágica era a de atrair a criança para fora. Em toda parte, havia velas acesas diante de imagens protetoras: Nossa Senhora do Parto, do Leite, Sant'Ana e Santa Margarida. Tomara muito chá de canela para parir filho macho. Quando começou a perder águas, serviram-lhe ovos quentes, café e vinho do Porto.

Mãe e filha eram muito parecidas: pele alva, cílios longos, olhos e cabelos escuros. D. Maria do Carmo entrou em resguardo e a pequena Luísa cumpriu alguns rituais. Pingaram nos seus olhos gotas de limão verde, foi mordida por uma pessoa de belos dentes e tomou o primeiro banho, com uma moeda bem grande no fundo da gamela. Seu cordão umbilical foi enterrado no quintal perto de uma árvore de fruta. Como presente dos pais, recebeu uma medalha da Virgem Maria, acompanhada de uma figa. O corpinho molengo foi imerso em cachaça misturada com água. Modelaram a cabeça para ficar mais bonita e o umbigo recebeu pimenta em pó para cicatrizar mais rápido. O pai, Domingos Borges de Barros, que aguardou o parto com paciência na sala de baixo, podia comemorar. Aumentara a descendência. Não havia pior castigo do que não ter filhos.

Era a manhã de 13 de abril de 1816, na cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos. O Brasil ainda não era independente de Portugal. Fazia apenas oito anos que o futuro D. João VI tinha passado por ali a caminho da Corte no Rio. A menina passou a integrar a população de cerca de 55.000 habitantes, entre os quais muitos estrangeiros. De africanos a americanos. A província era movida basicamente à produção de açúcar e tabaco. Sua família pertencia a uma sociedade fechada e patriarcal, onde se conhecia quem tinha fortuna e poder. Onde todos sabiam quem mandava e quem obedecia.

Pois Luísa ia revirar este mundo de ponta-cabeça. Não só porque teve uma relação muito especial com D. Pedro II, mas porque teve uma relação muito especial com a vida. Devorou-a com apetite. Tomou o destino nas próprias mãos. Verdadeira camaleoa, Luísa se negou a ser prisioneira dos limites de sua época. Preferiu as aventuras do dia-a-dia. Inventora de uma maneira de viver, criadora de uma imagem de si, Luísa modelou seu destino, sempre insatisfeita com o que lhe foi dado. Sua existência, como a de todos os personagens fascinantes da história, foi marcada por ambigüidades. Ela foi "maravilhosa", coquete e amante. Quando quis, no entanto, também foi esposa exemplar.

Há pessoas que parecem estar à frente de seu tempo. Luísa foi uma delas. Cresceu num engenho, estudou na Europa, voltou ao Brasil, serviu na Corte francesa e depois na brasileira. Viveu entre dois mundos. Um arcaico e outro moderno. Tal como uma heroína romântica foi independente e audaciosa: escolheu o marido, em detrimento do velho amigo do pai que lhe queriam impor. Enfrentou revoltas das mais variadas: de escravos no Recôncavo baiano e de republicanos e anarquistas na França. Foi abolicionista, antes de quase todo mundo. Fazia alianças e pensava em dinheiro de forma moderna. Era inteligência e espírito, além de extremamente feminina.

Luísa nasceu numa época em que suas conterrâneas nem saíam nas ruas. Em que, ao cair da tarde, a família encabeçada pela matriarca se reunia para observar o movimento da rua pelas janelas. No máximo, as mulheres se expunham na varanda dos sobrados, penteando os longos cabelos ou catando piolho, umas das outras, e esperando a hora de rezar as ave-marias. Chamadas de "senhoras" ou "donas", tinham como única aspiração o casamento. Casamento com parente, com amigos da família, enfim, com gente igual. Os maridos podiam ser velhos, feios e doentes. Ficar solteira, ou "no caritó", como se dizia, era castigo.

Para essas "donas", os dias transcorriam lentos, em torno do calendário religioso: festas, missas, novenas. No dia-a-dia, trabalhavam nos bordados, faziam rendas ou bolos para vender. Afora casar, ter filhos e rezar, algumas mulheres desenvolviam uma pequena indústria caseira, para aumentar os proventos: a do preparo da rapadura e do melado; ou a fiação do algodão do qual se faziam roupas de escravos. Também havia a de velas com aproveitamento de sebo de bois; e a do sabão, preparado com gorduras e cinzas de plantas.

Elas trabalhavam e ajudavam os maridos, mas poucas estudavam. Luísa faria parte desse grupo? Nunca. Teve uma vida especial. Seus pais foram figuras muito singulares na sociedade baiana e o destino da família acabou por transformá-la numa pessoa totalmente atípica. Sobretudo, em se tratando de uma mulher.

Se suas contemporâneas eram convidadas a obedecer, a manter os olhos baixos, a não fazer perguntas e a não desagradar o sexo oposto, Luísa era o contrário. Dona de personalidade forte, culta, poliglota e elegante, não deixava escolhas: era amada ou detestada. Não se submetia jamais ao despotismo dos homens: nem do pai, nem do marido. Menos ainda ao das mulheres. Sua formação se deu entre os melhores livros e professores, num dos países mais avançados da Europa - a França. Órfã de mãe, muito cedo se aliou com o pai, que lhe ensinou como funcionava um mundo onde os homens eram reis.

Mas Luísa também cresceu numa época de suspiros e langores da alma. De sonhos que inspiravam escritores como Chateaubriand ou Lamartine cuja especialidade era cantar amores sob um céu estrelado. Depois da Revolução Francesa, um novo código se consolidou. O sentimento, por tanto tempo reprimido, se tornou uma prioridade. Era o romantismo. A literatura falava em expansões da alma e anseios etéreos. Tudo mais espiritual do que físico. A mulher devia ser como uma deusa, colocada sobre um pedestal. Aos seus pés, ajoelhado, o homem enlevado. Este distanciamento alimentava um imaginário feminino focado no pudor. Era proibido se olhar nua no espelho ou na água do banho. O corpo escondido e protegido por botões, nós e laços suscitava um efeito perverso. O erotismo se fixava no colo, na cintura estreita, no couro das botinas e nos cabelos. Nada de carne, de sexo ou de sangue. Mas palavras e corpos que se procuravam, sem se encontrar. Ternura, generosidade e probidade eram as virtudes esperadas no terreno do coração. Ela as encarnou todas. E ao amar, inovou. Escolheu o marido que quis, não o que devia. E um amante mais jovem do que ela. Sua força? A mistura de duas culturas, a do engenho baiano e a das ruas de Paris.

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O dia em que Luísa nasceu era um Sábado de Aleluia e as negras apregoavam nas ruas pastéis quentes para desenfastiar da Quaresma. Pela manhã, ao som dos primeiros sinos, as ladeiras da Preguiça, Misericórdia e Conceição se enchiam de devotos. Homens e mulheres entravam e saíam das igrejas com palmas bentas nas mãos e já livres das vestes escuras que eram obrigados a usar. As cadeiras de arruar, em madeira leve e cortinas coloridas, serpenteavam, levando sinhôs e iaiás, ricamente vestidos, para a missa. São Salvador da Bahia de Todos os Santos mergulhava nos ruídos de uma cidade em festa. Muito verde e toda em subidas e descidas, ela abrigava uma babel de casas, igrejas, conventos, becos e travessas.

Enquanto a menina dormia o primeiro sono, escravas envoltas em seus panos-da-costa, pulseiras de ouro, turbantes brancos ou azuis ofereciam, desde cedo, seus quitutes nos tabuleiros. Em meio aos fiéis, carregadores transportavam na cabeça e nos ombros todo tipo de objetos: de barris de vinho e água a cestos com animais vivos. Gritos de trabalho enchiam o ar. Nas esquinas, se acendiam os fogareiros para aquecer as grandes panelas de mingau de milho e tapioca. O acaçá quente, de farinha de arroz, perfumava as calçadas. Aqui e ali, um barbeiro ambulante aparava gaforinhas e barbas.

No sobrado alto e imponente onde a menina nasceu, as janelas abertas absorviam a música da cidade em festa. Com as paredes coloridas e as portas emolduradas por azulejos trazidos de Portugal, a construção ficava na Cidade Alta e era rodeada por um jardim gigantesco. Da esplanada onde estava localizada, gozava-se do panorama de toda a baía. Nos fundos, dando para as encostas abruptas, as galinhas ciscavam entre bananeiras e pés de mandioca.

A cidade na qual nasceu Luísa era lindíssima. A densa vegetação entremeada com construções estendia-se até o extremo onde ficava a Igreja de Santo Antônio da Barra. Os morros se esfumando e a baía, com suas ilhas, ofereciam aos olhos um panorama sem igual. A Cidade Baixa impressionava pelo mercado, muito semelhante aos da costa da África. Entre pirâmides de frutas e legumes, sentavam-se vendedoras com trajes das mais diversas cores. Escravos seminus trabalhavam ativamente, carregando e descarregando as frutas e gaiolas. O brilho das conversas, o chiar dos papagaios e outros bichos de pena, o riso das mulheres e o grito dos patrões enchiam os ares. Nas praias, canoas descarregavam peixes. Cheios de produtos variados, o grande número de barcos, lanchas, saveiros e outros tipos de embarcações agitavam as águas.

A pequena tinha um ano quando estourou, em Recife, a maior insurreição que o mundo luso-brasileiro conhecera até então. Alguns fatores se transformaram no estopim da bomba. Houve uma crise na produção açucareira à qual se somou uma grande seca que varreu a região. Além disso, os pernambucanos tinham a sensação de que os altos impostos que pagavam serviam apenas para financiar a Corte lusa no Rio. Tudo resultou num caldeirão onde prevalecia a idéia de que os portugueses exploravam a nobreza da terra. Nas missas passou-se a usar cachaça, no lugar do vinho, e mandioca, no da hóstia, para afirmar o sentimento de natividade. Houve até quem tentasse recrutar soldados de Napoleão para lutar em favor de uma república no Nordeste. E a história acabou mal. Em menos de três meses, os revolucionários que tinham ocupado a capital pernambucana foram apeados do poder por tropas portuguesas. "Má peste persiga tal canalha que quer viver do suor alheio", imprecava a Gazeta da Bahia. Quatro líderes foram executados e o editorialista se felicitava: "Levantemos as mãos ao céu, por se haver acabado este fatal desastre sem que fosse preciso arrasar Recife."

Na Bahia, a situação também estava longe de ser tranqüila. Certo mal-estar se instalara desde a transferência da sede do governo de Salvador para o Rio. E este sentimento, combinado com outros fatores, tendia a aumentar o desejo de um governo diferente. Um governo constitucional mais sensível às necessidades das diferentes regiões e que seria encarregado de distribuir todos os benefícios concentrados na capital. Na falta desse governo, contudo, um cheiro de guerra civil se espalhava no ar.


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