Especial | O impacto no Brasil
Blindagens do país reduzem o contágio da turbulência externa, mas o governo precisa ajustar suas contas para manter a estabilidade
Giuliano Guandalini
Rodrigo Paiva/Reuters |
"CRISE DO BUSH" |
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Para a avassaladora maioria da população brasileira, a crise financeira ainda soa como um evento extraterrestre. Os efeitos foram pouco notados até aqui na chamada economia real, e há boas chances de que o contágio permaneça limitado. O crédito segue disponível para quem deseja comprar um carro (como na cena da foto acima) ou um imóvel, e o consumo se mantém aquecido. Esse é o benefício da couraça construída pelo país na última década, a qual, ainda que não invulnerável, funcionou bem até aqui. O cenário mais provável para o país, nos próximos meses, é uma desaceleração moderada da atividade econômica – em vez do atual ritmo de 6% ao ano, a velocidade deverá recuar para perto de 3%. As empresas brasileiras vinham tirando proveito dos bons ventos lá fora, ampliando suas exportações e se valendo do mercado de ações para financiar seus investimentos. Esses motores trabalharão com potência reduzida por algum tempo.
"É razoável que haja uma gradual desaceleração das exportações e no crescimento da economia brasileira", diz o economista Carlos Langoni, professor da Fundação Getulio Vargas e ex-presidente do Banco Central. O economista José Júlio Senna, ex-diretor do BC e sócio da MCM Consultores, concorda: "O Brasil vai sentir, sim, a experiência mundial de atravessar essa crise. A percepção de risco subiu, o que deixou o crédito mais caro para as empresas. Como conseqüência, o país deverá crescer por algum tempo abaixo de seu potencial, numa velocidade ao redor de 3%". Essa diminuição na taxa de crescimento do país não deverá ser tão grave quanto em turbulências passadas – após a crise asiática de 1997, por exemplo, o Brasil permaneceu estagnado por dois anos seguidos. Mesmo assim, a queda no ritmo exigirá prudência da equipe econômica. Nesse aspecto, causa preocupação o projeto de Orçamento para 2009, que acaba de ser concluído. O documento prevê mais um ano de incremento brutal das despesas. Os gastos classificados como obrigatórios deverão alcançar 455 bilhões de reais, numa alta real (já descontada a inflação) de 8% em relação a 2008.
Para bancar tamanha gastança, o governo pressupõe que a arrecadação tributária siga de vento em popa, crescendo também 8%. E aqui vai o principal problema. Com a economia menos aquecida, há menos negócios, menos lucros e menos tributos sendo pagos. Em outras palavras, pode ser que, sem um aumento de impostos ou cortes drásticos de investimentos, as contas do governo não fechem. O Orçamento é engessado (90% composto de gastos obrigatórios, entre eles o pagamento do funcionalismo e de aposentadorias), dificultando o corte de despesas. A saída, mais uma vez, deverá ser o caminho fácil, mas trágico para o país, de reduzir os gastos com infra-estrutura. A reação correta seria que o governo anunciasse, a partir de já, uma reprogramação de suas despesas correntes e poupasse recursos – algo fora do radar, às vésperas das eleições municipais.
Na semana passada, o presidente Lula exibiu confiança na capacidade do país em enfrentar a tormenta. "A imprensa vive me perguntando sobre a crise americana. Eu digo: pergunte ao Bush. A crise é dele, e não minha", afirmou Lula, para quem os efeitos no Brasil serão "quase imperceptíveis". Para um país cuja economia já foi salva mais de uma vez por pacotes de ajuda do Tesouro americano, o desdém soa a ingratidão. Espera-se, no entanto, que o presidente esteja certo. O risco seria o governo incorrer em dois pecados capitais: a soberba perante a gravidade da crise e a leniência diante da necessidade de fazer os ajustes necessários à preservação da estabilidade.
Com Reportagem de Cíntia Borsato