Panorama Econômico |
O Globo |
18/9/2008 |
As autoridades americanas continuam improvisando e sendo surpreendidas pela crise. Erraram na regulação e na fiscalização, erraram na avaliação da dimensão da crise, erraram na dose do remédio. E erram quando têm comportamento contraditório e errático. Os bancos tomaram decisões absurdas, as agências de risco fizeram barbaridades. As falhas continuam e isso detonou uma crise de confiança. Ontem, o nervosismo bateu forte no mercado brasileiro. A bolsa caiu 6,74%, mantendo a tendência negativa iniciada em maio e que já registra queda de 37,5% desde que atingiu seu pico no ano. O dólar subiu 2,6% e já acumula alta de 19,6% desde 1º de agosto, quando começou a subir. Para hoje, a expectativa do mercado é de mais um dia de volatilidade. E um dos motivos é exatamente a falta de informação sobre o que o Fed, o banco central americano, vai fazer com a AIG. A seguradora AIG era triplo A, a melhor classificação de risco possível, até a tarde da última segunda-feira. No fim do dia, foi rebaixada em dois ou três degraus, mas continuou sendo A; acima do nível do Brasil, por exemplo. No dia seguinte, terça-feira, a seguradora já tinha perdido dois terços do seu valor de mercado e agonizava. Na noite da terça-feira, o governo americano estatizou a empresa já nas últimas. Esse episódio ilustra a grande falha do mercado e dos reguladores nos Estados Unidos. Com base nesta classificação AAA da AIG, muita decisão foi tomada. Bancos regionais se encheram de papéis da seguradora; investidores compraram ações da empresa; pessoas físicas e empresas compraram seguros e fizeram planos de previdência na seguradora. A crise do subprime já soprou a primeira velinha. Não é mais novidade. Neste meio tempo, mesmo o mais desavisado dos participantes desse mercado já entendeu uma coisa básica: que a crise não ficou restrita a quem concedeu empréstimo de alto risco. Os papéis do subprime foram securitizados, ou seja, transformaram-se em outros produtos financeiros e esses derivativos se espalharam pelo mercado, entraram em carteira dos bancos, lastrearam operações que alavancaram os bancos, os bancos de investimento e as seguradoras. Como foi possível que as agências de risco não tivessem somado dois mais dois? Como não viram que a AIG fez o seguro das financiadoras hipotecárias e recebeu, como garantia, os ativos dessas empresas, constituídos por esses papéis podres e que, portanto, seu risco não poderia ser o menor possível? Ela não podia ser triplo A até a véspera de entrar na câmara da morte, de onde foi salva por essa inusitada estatização. As agências de classificação de risco são apenas uma perna do imenso polvo de falhas do mercado e dos reguladores que a crise revelou. As notas das agências não são inofensivas. Produzem efeitos econômicos. Por exemplo: quando foi rebaixada, a AIG teve que cumprir exigências. A regulação determina níveis de operação para cada patamar da classificação de risco. Ao cair, a AIG teve que buscar mais capital no mercado e não encontrou. A reclassificação na undécima hora foi o tiro de misericórdia que a fez afundar mais. Isso levanta duas questões: se as agências têm o poder de disparar ordens dos reguladores, elas são meio sócias dos reguladores; se atrasam tanto na reclassificação, para que servem? Em outras palavras: para que serve um alerta depois do desastre? No começo dessa crise, ficou claro que as agências tinham uma relação promíscua com os emissores de ativos financeiros derivados das hipotecas de alto risco. Seguindo instrução das agências, o mercado financeiro lançou títulos que ganharam o nível de bom investimento, mesmo sendo feitos com papéis de alto risco e uma cobertura de papéis bons. Desta forma, as agências ajudaram a convalidar a orgia de crédito e de consumo sustentada em ativos podres. Estimularam a bolha e a falsa noção de que não havia risco. Os reguladores, espalhados naquele balcanizado banco central americano, não foram capazes de ver, através das suas várias agências, o tsunami se formando, e nem de agir a tempo. O mercado de seguros, por exemplo, é regulado por autoridades estaduais, só para explicar o que quero dizer com "banco central balcanizado". Aliás, essa expressão eu ouvi no Banco Central brasileiro, numa boa análise da crise americana feita por um dos diretores. Os consumidores americanos transformaram suas casas em caixas automáticos: bastava refazer o financiamento hipotecário para se ter dinheiro vivo para outras compras dos mais variados produtos. Mas isso só daria certo se os imóveis se valorizassem para sempre. Essa corrente do imóvel mais valorizado, que permitia uma nova hipoteca, que dava mais dinheiro para o consumo, iria mesmo explodir algum dia. Quem tinha que ver, não viu. Foi o maior surto coletivo de cegueira na História daquele país. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, setembro 18, 2008
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