Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 09, 2008

Por que a vantagem de Obama é tão pequena

Não vai ser moleza

Na largada da campanha americana, a surpresa 
é que Obama, o candidato que tinha tudo para
dar de goleada, está patinando para superar McCain


André petry, de Nova York

Mike Blake/Reuters
OS SUPER-HERÓIS 
Revistas em quadrinhos com a biografia dos candidatos: sinal de que a eleição despertou a atenção dos americanos


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O democrata Barack Obama é um fenômeno pop. Ele reúne 200 000 pessoas num discurso em Berlim, arrecada dinheiro de 2 milhões de americanos e sua foto está sempre estampada na capa de alguma revista americana, sem contar publicações pelo mundo afora. Por onde vai, seja um campo de batalha no Iraque ou um remoto vilarejo no interior dos Estados Unidos, Obama atrai um enorme exército de repórteres e cinegrafistas. Tudo isso sendo apenas um candidato. Obama faz tanto sucesso que, para acusá-lo de ser fútil e despreparado, seu adversário, o republicano John McCain, em vez de cotejá-lo com uma nulidade política qualquer, sentiu-se obrigado a compará-lo com duas celebridades do balacobaco, Paris Hilton e Britney Spears. Fazendo tamanho sucesso de público, Obama não causaria surpresa se estivesse num folgado primeiro lugar nas pesquisas. A surpresa é que ele, ao contrário, está suando em bicas para manter uma esquelética vantagem sobre John McCain (veja o quadro).

A dificuldade do democrata em disparar na preferência do eleitorado fica mais alarmante diante de três dados que, teoricamente, lhe são altamente favoráveis: 76% dos americanos acham que o seu país está no caminho errado, 66% são contra a guerra no Iraque e 72% desaprovam a condução da economia pelo presidente George W. Bush. Na semana passada, para entender o desempenho titubeante de Obama nas pesquisas apesar de ambiente tão favorável, VEJA ouviu sete cientistas políticos americanos. Um ponto aparece na avaliação de quase todos – a inexperiência de Obama, um político que não foi nem prefeito no interior, e sua presença ainda tão recente no cenário político nacional, cuja estréia se deu na sua eleição para o Senado há menos de quatro anos. Como novato, e ainda dono de uma biografia tão singular, Obama provoca estranhamento e não inspira confiança no eleitor, especialmente para tratar de assuntos internacionais. Uma pesquisa recente da rede de televisão CNN mostra que o eleitor acha McCain mais talhado para lidar com "terrorismo, Afeganistão, Iraque, Irã e imigração ilegal". Obama é o melhor quando o tema é "imposto, crise econômica, preço da gasolina, sistema de saúde e desemprego". "O pior que pode ocorrer a Obama é estourar uma crise internacional perto da eleição", diz o cientista político Charles Bullock, da Universidade da Geórgia. (Se Bush ouvir, é capaz de providenciar uma.)

A inexperiência internacional de um candidato só ganhou peso eleitoral devido à guerra no Iraque. Em geral, temas estrangeiros atraem menos atenção, e candidatos sem traquejo externo já acabaram vencendo a eleição. Jimmy Carter chegou à Casa Branca com uma carreira restrita ao estado da Geórgia e às plantações de amendoim, e acabou esmagado pela crise dos reféns americanos na embaixada em Teerã, em 1979. Ronald Reagan é outro que não tinha experiência internacional quando virou presidente, mas saiu-se bem: tornou-se protagonista de acordos inéditos de desarmamento e fez parceria histórica com o líder soviético Mikhail Gorbachev. "Obama concorre numa época em que imprensa e público estão muito focados em assuntos como Iraque e economia", diz o cientista político Alan Gitelson, da Universidade Loyola, em Chicago. "O próprio McCain tem sido questionado sobre vários temas, particularmente sobre sua inexperiência em lidar com crises econômicas."

 

Fotos Charles Rex Arbogast/AP e Mauricio Duenas/AFP
DIFERENTES EM TUDO 
Michelle, a negra de origem humilde, e Cindy, a branca de família rica: o eleitor é neutro com Cindy, mas tem fortes emoções em relação a Michelle

À primeira vista, é incompreensível que, com a economia às portas da recessão e um candidato governista que confessadamente não entende do tema, a oposição patine nas pesquisas. Larry Bartels, da Universidade Princeton, tem uma explicação: "Os pontos fundamentais numa eleição, sobretudo o estado da economia, pesam muito mais quando o eleitor está na frente da urna do que quando está diante de um pesquisador". Bartels, em seu livro mais recente, Unequal Democracy (Democracia Desigual), examinou os pleitos presidenciais de 1952 até agora. Descobriu que o partido governista sempre perde na urna quando a renda per capita cresce menos de 2% no ano eleitoral – a exceção foi em 1996, na reeleição de Bill Clinton. Agora, para tristeza de McCain, a renda per capita está estagnada. "A insatisfação com Bush e os republicanos dá a Obama uma perspectiva de vantagem eleitoral que talvez só apareça na sua inteireza nos momentos finais da campanha. Isso, claro, não garante vitória a Obama, mas ajuda a explicar por que as pesquisas de agora parecem dissociadas do humor nacional."

Além do cenário econômico e internacional, há outro ponto controvertido sobre Obama e cujo impacto é uma incógnita – a cor de sua pele. As pesquisas sugerem que 5% dos americanos deixariam de votar num candidato por causa de sua cor, mas, como se trata de um assunto sensível na sociedade americana, é imprudente acreditar que todo entrevistado esteja falando a verdade. "É um desafio para Obama ser o primeiro afro-americano a presidir o país. Ainda que tenham percorrido um longo caminho no terreno racial, os Estados Unidos, tal como o Brasil, precisam fazer mais progresso nessa área", diz Ange-Marie Hancock, professora de ciência política e estudos afro-americanos na Universidade Yale. Hancock salienta que a quebra de tabus – e a eleição de um negro seria um ineditismo histórico – raramente se dá com maiorias avassaladoras na história eleitoral americana. "O primeiro presidente católico, John Kennedy, ganhou a eleição por margem muito estreita." Kennedy foi o primeiro católico e, até agora, o único.

O desempenho opaco de Obama nas pesquisas também se deve a deméritos de sua campanha e méritos de McCain. "O pessoal do Obama tem feito pouco para mostrar quem é McCain, e muitos eleitores acham que McCain é mais moderado do que ele realmente é", diz Amy Fried, da Universidade do Maine. "McCain é provavelmente o candidato mais competitivo que os republicanos poderiam indicar neste momento", diz Michael McDonald, da Universidade George Mason e do Brookings Institution, um dos mais antigos centros de estudos em Washington. "Isso porque McCain exerce considerável apelo sobre os eleitores independentes." De 2004 para cá, segundo dados colhidos em 26 estados e no distrito de Colúmbia, os republicanos perderam 1,4 milhão de eleitores, os democratas ganharam 200 000, mas quem está crescendo em ritmo acentuado são os independentes. Em doze estados, eles cresceram mais que democratas ou republicanos. Em lugares como Arizona, Colorado e Carolina do Norte, os independentes já têm tamanho de um terceiro partido.

Em que pesem as imensas diferenças entre as eleições americanas e as brasileiras, há pelo menos uma semelhança – a decisão tardia do eleitor. "No fundo, o que explica a aparente dissociação entre o ambiente político e o desempenho dos candidatos é que é muito cedo. As primárias se prolongaram muito, a campanha começou faz pouco", explica Lawrence Jacobs, professor de ciência política da Universidade de Minnesota e autor de nove livros sobre política. É cedo para a consolidação do voto, mas o interesse pela campanha e por assuntos conexos talvez nunca tenha sido tão grande. Os sinais estão no lançamento de uma biografia dos candidatos em formato de história em quadrinhos, indício de interesse pelo assunto, e nas pesquisas sobre as candidatas a primeira-dama, que raramente deixam o centro do palco. E, curiosamente, aos olhos dos eleitores, Cindy McCain e Michelle Obama são um reflexo dos próprios maridos. Cindy, branca e filha de família rica, é mais apagada: 40% lhe são indiferentes e apenas 9% a admiram. Já Michelle, negra de origem humilde, desperta fortes emoções: só 27% têm opinião neutra sobre ela, 17% levantam para aplaudi-la e 18% não querem vê-la nem pintada de ouro. À medida que o dia da eleição se aproxima, Michelle é a melhor garantia de que ninguém vai morrer de tédio.



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