Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 21, 2008

A Petrosal e o bacalhau da Noruega - Roberto Macedo



ARTIGO
O Estado de S. Paulo
21/8/2008

Os jornais de ontem informaram que ganhou força no governo federal a idéia de criar nova empresa estatal para administrar, dentro de novo marco regulatório, os ganhos com a exploração do petróleo na tal camada do pré-sal, uma reserva que se estima de grandes proporções, localizada em área de faixa litorânea que vai do Estado de Santa Catarina ao do Espírito Santo.

Na terça-feira houve reunião do grupo governamental que examina o assunto. No que vazou do encontro, houve quem afirmasse que o presidente Lula já decidiu que levará adiante essa idéia e que, doravante, será trabalho de seus auxiliares viabilizá-la em termos políticos, legais e administrativos.

O marco regulatório atual segue o regime de concessões, em que Agência Nacional do Petróleo (ANP) leiloa o direito de explorar determinada área. Se há a descoberta, ela pertence a quem achou e o governo é remunerado com royalties, na base de 10% sobre o valor da produção e de uma “participação especial” de 30% sobre a diferença entre esse valor e o custo de produção acrescido dos royalties, conforme explicou ontem este jornal.

As informações indicam que a opção do governo será pelo modelo de partilha de produção, cujo lucro (receita menos custos de produção) seria dividido entre o governo e as empresas parceiras, com ele levando a maior parte, em porcentual a definir.

Quanto ao que o governo faria com o dinheiro é que entra o chamado “modelo norueguês”, também noticiado como preferido. Nesse modelo, uma empresa estatal, a Petoro, com apenas 60 empregados, administra contratos com empresas petrolíferas e destina os ganhos a um fundo cuja finalidade é assegurar recursos para o sistema estatal de previdência. Depois de completado o dinheiro que este gasta com seus beneficiários, o restante é investido de modo a garantir recursos para o futuro, em particular porque em algum momento as reservas se esgotarão, e permanecerá a conta dos benefícios. É como um sistema previdenciário em regime de capitalização, em que a Petoro entra como um forte contribuinte adicional.

Na imprensa, a Petoro à brasileira já é chamada de Petrosal. É apenas um nome que, neste estágio, serve para sintetizar toda essa descrição. Aqui, a destinação de recursos cogitada seria o financiamento da educação (muito bem!), mas o noticiário de ontem também fala de “erradicar a miséria” e “beneficiar o povo”, o que cheira a programas assistencialistas e eleitoreiros, com seus riscos de gerar famílias de petrodependentes.

Aliás, já que o governo busca experiências internacionais, seria interessante que olhasse também a evolução do chamado “welfare State” - de programas de bem-estar social custeados pelo Estado, muitas vezes sem contrapartida do beneficiário - para uma nova vertente, chamada de “workfare State”, em que essa contrapartida é exigida na forma de trabalho de interesse das comunidades onde residem os beneficiários.

A criação da Petrosal ainda está longe de bem justificada. Em particular, por que o governo não quer manter também nesse caso o sistema de concessões? A área do pré-sal está agora valorizada com as descobertas, o que elevará seu preço nos leilões, e o governo também poderia aumentar o que cobra a título de royalties e da referida “participação especial”.

Os interesses econômicos que giram dentro e no entorno de muitos políticos fazem com que fiquem babando, de tanta água na boca, diante da perspectiva de cargos e de influências sobre contratos, antes e depois de cada um, ao sonharem com a Petrosal.

Aliás, esses e outros sonhos são tão intensos que, num viajar na maionese, pouco se fala sobre as enormes dificuldades tecnológicas, operacionais, legislativas, regulatórias, administrativas e de financiamento da dificílima empreitada de tirar o petróleo das enormes profundezas em que se encontra. Como economista, assustam-me particularmente as cifras sobre a necessidade de centenas de bilhões de dólares de financiamentos, bem como as menções às dificuldades do lado da oferta de plataformas, navios, máquinas, equipamentos e mão-de-obra qualificada. Ou seja, em lugar de concentrar o empenho em como tirar o petróleo de onde está, e com muita atenção à salgada conta do pré-sal, gordos olhos se voltam para a “distribuição do excedente”, para usar expressão familiar a certas áreas do governo.

Outra inquietação na mesma linha está na possibilidade de que as reservas do pré-sal sejam contínuas, no todo ou em grandes segmentos, de tal forma que diferentes contratos levarão à retirada de um mesmo poço, como um único coco com sua água sugada por vários canudinhos e seus donos. E, nesse contexto, como conviveriam empresas em regime de concessão com as que seriam contratadas pela Petrosal? Vai ser preciso muita gente criativa e competente para dar conta de tanta regulação.

Como tudo parece fluir para o tal modelo norueguês, é preciso trabalhar desde já com a hipótese de que seja adotado e degenerado no Brasil. Assim, mesmo antes de começar a Petrosal o País deve cobrar de seus governantes que ela seja uma efetiva cópia da Petoro na sua parte administrativa, com seu número de funcionários limitado a 60. Vamos ver. O que acha o leitor?

Até aqui a Noruega é mais famosa no Brasil pelo seu bacalhau, cujo processo produtivo, que envolve o pré-sal e o pós-sal, leva a um peixe prensado, seco e magro, lembrado pelo perfil da Petoro. Aqui, se mal copiado, é enorme o risco de que a Petrosal, esse novo peixe nacional, não seja bem preservado no meio ambiente político do País. E venha também a cheirar mal, como vários outros entes governamentais.

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