Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 13, 2008

Nunca alimentei corvos; por mim, morreriam de fome

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Não alimentei nem alimento corvos. Por isso, se um dia eles me arrancarem os olhos, será em razão de nossa histórica divergência. Fernando Henrique Cardoso nunca disse: “Esqueçam o que eu escrevi”. Foi uma das mentiras-mantras inventadas pelo jornalismo filopetista. Ele nunca disse. Nem eu. Alertei de primeira, de imediato, para as portas do inferno que se abriam quando se dava à Polícia Federal o papel também de polícia social e de costumes, buscando seu lugar no teatrinho da luta de classes. Humilharam Eliana Tranchesi, por exemplo, e muita gente decente achou legal: “Isso mesmo! Agora os ricos também choram!” Era o começo. Só restaria a esperança no fundo da caixa.

Vão dando comida para os corvos pra ver... Deixem-nos bem robustos. E um dia eles lhes arrancarão os olhos sob o pretexto de lhes dar bicadinhas leves de carinho. Ah, nem digam: sonegadores têm de pagar pelo crime da sonegação; fraudadores da democracia e seus mensalões têm de pagar pela fraude; cobradores de pedágio em negócios com dinheiro público têm de arcar com as conseqüências de seus atos. O que não é possível é fazer o espetáculo seletivo, usando o crime cometido para estimular o rancor e o ressentimento de classe — ou sentimentos escravos outros de ordem ainda mais baixa.

By pass
E foi o que se fez. E foi o que se estimulou. E, infelizmente, com o apoio quase unânime da imprensa. Fico impressionado como as instituições brasileiras — tanto as dos códigos legais como aquelas da chamada sociedade civil — cederam com facilidade à tentação do by pass na ordem legal. O lema passou a ser este: “Se as leis são velhas, encarquilhadas, lentas, lenientes, então vamos dar à PF o big stick, vamos lhe facultar o fast track, assim ela fará justiça por nós”. Que grande tolice! Que grande asneira!

Ora, quanto tempo demoraria para que a própria imprensa passasse a ser alvo dos corvos que ela ajudou a alimentar? Quanto tempo demoraria para que os incentivadores do grande porrete, do caminho abreviado do estado de direito, se vissem na condição de acusar os “exageros”? Não por acaso, Márcio Thomaz Bastos, o primeiro chefe desta “nova” velha Polícia Federal, é hoje advogado de Eike Batista, um dos que entraram na mira da polícia justiceira e suas operações de nome pomposamente ridículos. Isso é tão velho, não é? Isso é história dolorosamente repetida em palcos diferentes — e, contra o velho adágio marxiano, nunca como farsa; sempre como tragédia. Extremo os exemplos para chegar à essência da coisa: vejam o que aconteceu com o regime do Terror na Revolução Francesa; vejam o que aconteceu com os que ajudaram Stálin a promover os Processos de Moscou. As revoluções comem seus filhos — sempre! E os regimes autoritários, formais ou informais, também.

Dirceu e companhia
Não é sem certa ironia que leio José Dirceu e Gilberto Carvalho — santo Deus!!! — a acusar características de estado policial no Brasil. Justo eles? O ex-ministro e deputado cassado acabou vítima da grande rede de informantes e vazadores incrustada no estado que ele próprio ajudou a criar. Ela agia e age em parceria com o Ministério Público e setores do jornalismo. Enquanto o Zé acreditava que os alvos dessa máquina de denúncia eram os certos, ele ficou alimentando os corvos com a reputação de seus adversários transformada em carne podre.

Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário-geral da Presidência (governo FHC), sabe bem o que é isso. Poucas pessoas, como ele, foram submetidas a execração pública tão dolorosa, comandada pelo "Protógenes" de então, o procurador Luiz Francisco de Souza. Eduardo Jorge provou a sua inocência, de maneira meticulosa e obsessiva, em cada uma das acusações que lhe imputaram. Não virou mais notícia. Luiz Francisco sumiu. Só reapareceu na semana retrasada nos e-mails das Farc...

Casa Covil
Leio agora que Gilberto Carvalho, um dos poderosos do PT, também está indignado. E, no mérito específico, com razão. Mas já estou grandinho o bastante para não desconfiar de indignações seletivas.

Esta mesma máquina que agora reclama do real destrambelhamento da PF criou, há poucos meses, um dossiê contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e sua mulher, Ruth Cardoso — cuja trajetória teve de esperar a morte para fugir da fome dos corvos. E onde estava o centro da tramóia? Na Casa Civil de Dilma Rousseff — que, outro dia, inadvertidamente, acabei grafando aqui, erro de digitação mesmo, “Casa Covil”. Eu e dona Reinalda rimos muito quando percebemos o acerto do erro.

Não! Eles não esquecem nada e também não aprendem nada. Seria necessária outra natureza para que deixassem de fazer o que fazem e de empregar os métodos que empregam. Como essa natureza não vai mudar, precisam ser contidos por aqueles que defendem os valores da democracia. Ainda que o arranca-rabo de classes deixe muita gente excitada, especialmente o jornalismo populista.

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