Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 21, 2008

Míriam Leitão - Licença de dividir



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
21/8/2008

O aumento da licença-maternidade divide o tema dos direitos da mulher. Parece um avanço e pode ser um retrocesso. É tema polêmico, de mil faces e que não comporta simplificações. Hoje, nos países onde a população está diminuindo, há incentivos à natalidade, mas, como disse a demógrafa Ana Amélia Camarano, são mais bem sucedidos os programas em que os benefícios são também para o pai.

Pessoalmente acho a ampliação da licença-maternidade um perigo para as mulheres. Sei da importância da relação mãe-filho, claro, porém acho que isso vai aumentar a discriminação contra as mulheres jovens. As brasileiras hoje têm mais escolaridade que os homens, mas só 11% dos cargos executivos das 500 maiores empresas brasileiras estão ocupados por mulheres, segundo pesquisa do Instituto Ethos. Pior é a diferença salarial. Se a mulher tem três anos de escolaridade, ganha 82% do que os homens ganham. Se tem 15 anos ou mais de estudo, tem que se contentar com 56%. Isso é forte indício de que elas estão sendo barradas em suas carreiras. Será que essa ampliação da licença será mais uma desculpa para novas barreiras? Temo que sim; muitas mulheres jovens que se manifestaram no blog acham que não. Ouvi Ana Amélia Camarano, e ela acredita que, sim, há riscos:

- Licença-maternidade maior pode ser um peso a mais para a mulher e aumentar as diferenças no mercado de trabalho. O mundo inteiro está discutindo isso. Na Itália, as feministas brigam contra a elevação da licença. As políticas pró-natalistas mais bem sucedidas são as da Escandinávia, que repartem os benefícios, dando licença inicial de um mês para ambos e depois uma licença de até um ano, mas que pode ser tirada por quem cuida da criança: ele ou ela. A licença não se chama "de maternidade", porém, sim, de "cuidado com a criança".

Em alguns países, as populações estão diminuindo, como Japão, Rússia, Itália, Portugal, França e Alemanha. A Rússia está encolhendo em 700 mil pessoas por ano. A Alemanha perde quase 100 mil pessoas anualmente. O Brasil começará a reduzir o número absoluto de pessoas a partir de 2025. As projeções de Ana Amélia são de que nós chegaremos a 225 milhões em 2025, contudo, em 2030, seremos 219 milhões.

As políticas natalistas que incluem a visão de gênero, explica a demógrafa, conseguem pacificar os dois sonhos: do cuidado com o bebê e dos avanços da mulher. O progresso é exatamente o de promover o conceito de que gerar e cuidar dos futuros brasileiros não é uma tarefa exclusiva da mulher.

A discussão sobre o tema pegou fogo ontem no blog (www.oglobo.com.br/miriamleitao). De início, os homens é que começaram a opinar e, entre eles, ficou meio a meio os que concordavam com a mudança e os que eram contra. Com a entrada das mulheres, a balança pendeu a favor da ampliação. Mesmo assim, ainda entre as mulheres, houve discordância: algumas acharam que era tempo demais para se ficar afastada do trabalho; já outras querem mais tempo para ficarem dedicadas ao bebê. Alguns homens se preocupam com o aumento do custo da empresa. Outros leitores e leitoras preferiram dar destaque à importância da mudança para a sociedade e, até mesmo, aos custos do Estado com a saúde. Alguns leitores, de ambos os sexos, opinaram reforçando o papel estereotipado da mulher.

Débora Thomé, que trabalha aqui comigo na coluna, está grávida. O bebê chega no próximo mês; assim está ainda mais ligada ao tema. Ela argumenta que, se seis meses é o tempo que os técnicos de saúde - OMS, Ministério da Saúde, Sociedade Brasileira de Pediatria - dizem que é o mínimo necessário para a amamentação, é esse o tempo que a mãe deve ter de licença. Ela concorda com a ampliação. Alvaro Gribel, que trabalha no site, e outros leitores, são da tese de que as empresas não têm mais como abdicar da presença feminina, inclusive, em cargos de chefia, portanto não haveria o risco que eu acredito que existe de se criarem mais obstáculos ao avanço da mulher na carreira. Juliana Rosa, jornalista que trabalha comigo na Globonews, disse que seis meses é tempo demais para ficar em casa. E contou que, nos primeiros meses do seu filho, ela dividiu com o marido os cuidados com a criança. Recebeu e-mails de colegas com críticas. Uma das leitoras argumentou que as novas tecnologias poderiam ajudar muito parte das mulheres a trabalharem mais tempo de casa (por um período, que fosse). Isso é verdade: a tecnologia é mesmo uma aliada. O diretor de RH da Nokia-Siemens mandou de Munique um comentário contando que, na Alemanha, a licença é de um ano. Deu vários exemplos de países onde a licença é grande, e diz que não há discriminação contra as mulheres. No entanto confirmou que os homens também tiram licença e realmente cuidam da criança. Não há a cultura da babá.

Assunto cheio de controvérsias. O custo das empresas é, em parte, repassado para o Estado. As pequenas têm um custo intangível, mais difícil de enfrentar. A renúncia fiscal é o de menos, porque, afinal, é muito mais meritório o gasto público em garantir a saúde das futuras gerações de brasileiros que a renúncia fiscal para a indústria que o governo aprovou recentemente. O caminho, como ensina Ana Amélia Camarano, é sair da idéia de licença "maternidade" para a de licença de "cuidado com a criança", em que os homens sejam incentivados a participar mais desse direito e tarefa.

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