Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 22, 2008

Míriam Leitão - Fim ou ajuste?



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
22/8/2008

O economista José Roberto Mendonça de Barros acha que a crise atual não é o fim de um ciclo, mas um ajuste no meio do ciclo. Ele acredita no descolamento. Diz que a demanda interna dos emergentes pode segurar o crescimento dos países, o Brasil depende cada vez menos dos Estados Unidos; as bolsas dos emergentes vão se recuperar mais rapidamente; e o saldo comercial brasileiro pode ir a zero no ano que vem.

Aqui tenho escrito, desde o começo, que não acredito que os outros países, principalmente os emergentes, possam se descolar da crise da economia americana. Se a globalização adensou as relações entre os países, como é possível que o que acontece na economia mais forte do mundo não se reflita em outros países? A tese do descolamento foi muito popular e hoje tem menos defensores. O economista que previu a crise, Nouriel Roubini, nunca apostou uma ficha furada nela.

José Roberto tem mantido outra convicção. Ele acha que o que realmente não descolou foi o mercado de renda variável; as bolsas. Elas caíram no mundo inteiro. Mas isso tem um motivo, explica:

- É gestão de portfólio de investidores globais. Até por razões prudenciais, eles têm que manter a mesma proporção de carteira em cada país. Se cai muito o valor das ações lá, têm que vender onde não caiu para manter a mesma proporção.

Os dados ainda mostram, ressalta José Roberto, que o crescimento dos países emergentes é mais forte que o dos desenvolvidos.

- O que está acontecendo é o fim do ciclo econômico ou uma mudança no meio do ciclo? - questiona.

Depois de crescer forte por cinco, seis anos, as economias desenvolvidas caíram. Primeiro, caíram os Estados Unidos, pela crise hipotecária; na semana passada, a Europa e o Japão divulgaram dados mostrando que encolheram no segundo trimestre. Para José Roberto, a economia mundial está apenas num ajuste no meio do ciclo.

- O Fed já mostrou que vai evitar o pior, ou seja, uma crise bancária; o mercado de trabalho americano é flexível e pode recompor a renda das famílias. Em dois ou três anos, ele faz a digestão da crise imobiliária e volta a crescer. A resiliência (capacidade de absorver choques e se adaptar) dos mercados emergentes é grande por causa do dinamismo dos mercados internos.

Um exemplo de como os mercados internos podem suprir a queda da demanda americana está na venda de carros. Ele conta que, nos Estados Unidos, a venda de automóveis caiu de 16 milhões para 13,5 milhões este ano; na China, o aumento agora em 2008 está sendo de 3 milhões.

No caso do Brasil, o país deve crescer 4,8% este ano. Diminuirá o crescimento para 3,5% no ano que vem, mas depois se recupera. José Roberto acha que o mercado interno continuará forte; com crescimento de emprego e renda. A receita de exportação vai cair com a queda das commodities, e, se os preços delas caírem muito, o saldo comercial vai a zero no ano que vem.

- O dólar começará, então, a se recuperar em relação ao real.

O Brasil depende hoje menos dos Estados Unidos na exportação. Em 1999, o país mandava para os EUA 22,6% das suas exportações, hoje manda 15,8%; para a Europa, iam 28,6% e agora, 25,2%. O gráfico abaixo mostra esses e outros exemplos.

- Há casos concretos. O pessoal de móveis e granitos vendia para o boom imobiliário americano. A crise começou, e eles redirecionaram para o Oriente Médio e a Europa, mas a exportação ficou estável em dólar.

José Roberto argumenta que, dentro da inflação, há outro dado indicando a diferença entre as economias. Nos países desenvolvidos, a inflação no núcleo (expurgando alimentos e energia) está baixa, por volta de 2%; nos países emergentes, até o núcleo está alto. Isso porque, em locais como Rússia, Índia, China, a forte alta da demanda faz com que a inflação tenha contaminado todos os setores. Esse indicativo confirma o descolamento, na visão dele, pois mostra que esses países estão crescendo a despeito da crise americana ter completado já um ano.

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