Mestre dos livros de viagem, o americano
Paul Theroux retrata desencontros de
americanos na Índia
Moacyr Scliar
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A literatura de viagem é um gênero antigo, seja na sua forma descritiva, factual, seja na versão fantasiosa, ficcional. A Odisséia, o grande épico grego do século VIII a.C., já colocava em cena um herói viajante, Ulisses. E a Homero viria se juntar um time muito diversificado de autores de todas as épocas: Marco Polo, Jonathan Swift, Robert Louis Stevenson, Joseph Conrad. O mais destacado autor do gênero na literatura contemporânea é o americano Paul Theroux, de 67 anos. Sua literatura de viagem se projetou especialmente com O Grande Bazar Ferroviário, de 1975, relato de excursões de trem pela Ásia em que o autor exercita uma característica veia irônica. A ficção de Theroux também busca sua matéria-prima nas andanças do autor pelo mundo. É o caso de A Suíte Elefanta (tradução de Fernanda Abreu; Objetiva/Alfaguara; 304 páginas; 44,90 reais), reunião de três novelas que têm como denominador comum as experiências às vezes traumáticas de americanos na Índia moderna.
Na primeira novela, Colina dos Macacos, encontramos um rico casal de meia-idade que busca a cura espiritual numa espécie de spa aiurvédico e se vê apanhado no meio de um conflito entre hindus e muçulmanos. Em O Portal da Índia, a melhor das três histórias, um executivo americano chega a Mumbai para realizar uma série de negócios numa Índia que ele detesta (teme sobretudo a comida) e da qual se refugia no apartamento de um luxuoso hotel – a Suíte Elefanta a que alude o título. O Deus-Elefante tem como personagem principal Alice Durand, que, recém-formada na universidade, vem para a Índia em busca de espiritualidade (a clássica viagem dos jovens ocidentais de classe média com mochila nas costas) e acaba sendo estuprada por um indiano a quem dava aulas de inglês. Um elefante, que representa para Alice um símbolo da Índia, aparece para vingar o crime, num final que não prima pela plausibilidade.
Os personagens das três novelas são americanos que, apesar de fascinados pela Índia, se vêem assaltados pela incerteza tão logo se afastam dos hotéis e dos locais turísticos. Em parte, tal sensação deriva do choque cultural inerente a essa jornada, que já serviu de matéria para clássicos da literatura moderna, como Uma Passagem para a Índia (1924), de E.M. Forster. Mas, é claro, há diferenças substantivas entre a Índia moderna de Theroux e a colônia britânica que Forster conheceu. O dinâmico país de A Suíte Elefanta é reconhecido pela agressividade com que disputa espaço no mercado globalizado. Conserva, no entanto, uma brutal mistura de modernidade e atraso, da qual provém muito do estranhamento que assola os personagens ocidentais do livro. Theroux, é bom dizer, não traz nenhuma mensagem política ou denúncia contra a globalização. Sua narrativa centra-se no drama humano tal como o via, por exemplo, Somerset Maugham, autor de O Véu Pintado, com quem Theroux é freqüentemente comparado. Como o famoso escritor inglês, Theroux sabe extrair ficção das viagens. Grande literatura, a deles? Talvez não, mas é uma média literatura de excelente qualidade. O que, convenhamos, não é pouco.