Esaó e Jacu
"Se o governo não consegue cuidar de uma coleção
de bolinhas de gude, como vai cuidar de uma boiada?"
Não é toda hora que alguém, mesmo sendo do governo, consegue colocar de pé uma obra com nível zero de acerto. É como em teste de múltipla escolha: errar da primeira à última pergunta, sem nenhuma exceção, é tão difícil quanto acertar todas. O Ministério do Meio Ambiente, pelo jeito como anda a história dos bois que capturou dois meses atrás no interior do Pará, está fazendo o possível para incluir um feito desses em sua lista de realizações. A apreensão, como se sabe, foi um dos grandes momentos do ministro Carlos Minc desde que assumiu o cargo; segundo ele, serviria como uma dura lição para os desmatadores da Amazônia e, também, como um gesto de justiça social. "Boi pirata vai virar churrasco do Fome Zero", disse Minc logo após a operação de captura em junho. A bela frase do ministro foi o máximo que se obteve, até agora, com a "Operação Boi Pirata". A partir daí, tudo o que poderia dar errado deu errado.
O problema começou onde sempre começa, quando o governo se mete a guardar alguma coisa que não é dele. Se não tem capacidade para cuidar de uma coleção de bolinhas de gude, como é que vai cuidar de uma boiada? Resultado: já sumiu boi. Das 3 500 cabeças que foram apreen-didas só havia, pela última contagem, 3 046. A dificuldade continuou com as tentativas de vender o gado. O primeiro leilão fracassou – não apareceu nenhum comprador. Resolveu-se, então, baixar o preço inicial, de 4,9 milhões de reais para 3,1 milhões, e convocou-se um segundo leilão. Também não houve interessados. Mais uma vez o preço foi rebaixado, agora já em clima de liquidação total – 1,4 milhão de reais, menos de um terço do valor inicial –, e partiu-se para o terceiro leilão. Foi um terceiro fracasso: a Justiça achou que os bois estavam sendo vendidos na bacia das almas, suspendeu o leilão e mandou que se voltasse ao preço anterior. O quarto leilão, marcado para o começo do mês, acabou em derrota por W.O. – quem não apareceu, dessa vez, foi o próprio governo, que decidiu adiar a venda. Para quando? Não há data marcada.
Quatro fracassos em quatro tentativas, sem contar os bois sumidos, é um aproveitamento e tanto, mas a história está longe de terminar aí. O churrasco para o Fome Zero, por exemplo – se o povão chegou a contar com ele, pode ir esquecendo. A Justiça decidiu que, mesmo no caso de se realizarem, um dia, o leilão e a venda, o dinheiro obtido não poderá ser dado aos pobres; terá de ser depositado em juízo, até a decisão final sobre a ação que está sendo movida contra o Ibama pelo dono da boiada – e sabe-se lá quando isso vai acontecer. Além do mais, há o problema aritmético de saber quantos bois, em carne e osso, poderão realmente ser vendidos. Uma condição básica para isso é que estejam vivos – e as notícias atuais quanto ao seu bem-estar não parecem ser animadoras. Repórteres da Agência Brasil, em recente visita aos pastos onde o rebanho está detido, notaram uma suspeita "concentração de urubus" num deles; contaram também "duas carcaças" e observaram os severos efeitos da estiagem sobre o local. Levar os bois para outro lugar? É muito caro: só de transporte, pelos cálculos do Ibama, teriam de ser gastos 400 000 reais. Trazer comida de fora para eles? Não parece ser uma opção. O que se tem, enquanto isso, é uma venda incerta, em data incerta, de uma quantia de reses incerta.
O ministro Minc dá a impressão de ter se en-joa-do logo da coisa toda; infelizmente, isso não faz o problema que ele criou ir embora. A cada dia que passa, na verdade, a complicação fica pior, pois a cada dia é preciso gastar mais dinheiro para cuidar dos bois – segundo informação do repórter Hudson Corrêa, da Folha de S.Paulo, o governo já tinha torrado cerca de 928 000 reais até o começo de agosto para pagar diárias de policiais e funcionários do Ibama encarregados de vigiar a boiada, combustível, vôos de helicóptero e outras despesas que só governos conseguem fazer. Nesse ritmo, o Ministério do Meio Ambiente vai gastar com a manutenção do rebanho mais do que receberá por sua venda, se e quando houver mesmo essa venda. Grande negócio, sem dúvida.
O Erário seria poupado de todo esse prejuízo, é claro, se o ministro Minc tivesse feito duas ou três perguntas elementares, antes de montar seu show, a alguém com um mínino conhecimento do assunto; ficaria então sabendo que iriam acontecer, um a um, todos os erros descritos acima. Mas preferiu sua Operação Boi Pirata – e hoje ela parece estar dizendo, como naqueles joguinhos de salão nos quais ganha quem consegue errar mais numa única frase, que os cinco evangelistas eram três, Esaó e Jacu.