Figura mais performática do governo Lula, Gilberto Gil
renuncia ao Ministério da Cultura – e deixa só confete
Mary Altaffer/AP |
Tropicalismo no poder O então ministro solta a voz, com o então secretário-geral da ONU Kofi Annan na percussão, em 2003: o momento emblemático de Gilberto Gil no governo |
O Brasil perdeu, na semana passada, o seu ministro mais vistoso. À frente do Ministério da Cultura desde o começo do primeiro governo Lula, o tropicalista Gilberto Gil deixou o cargo para se dedicar integralmente à carreira artística – da qual, aliás, nunca descuidou nos seus cinco anos e meio como servidor público. Com freqüência, Gil sacou o violão para cantar em solenidades oficiais. Chegou a fazer uma jam session com o então secretário-geral da ONU Kofi Annan, em 2003, em episódio que gerou a imagem emblemática da sua gestão. Essa compulsão para o trio elétrico foi o, por assim dizer, ponto forte de sua temporada como ministro. "Gil deu visibilidade à cultura", diz Juca Ferreira, ministro interino e provável substituto de Gil. Ninguém contesta a tal visibilidade. Mas o que, afinal, havia para ver? Pouco. Gil agitou na discussão sobre as leis de direito autoral e de incentivo à cultura, mas deixou a resolução das duas matérias para o sucessor – ou para nunca mais. Deitou uma falação gongórica sobre do-in antropológico, descentralização da cultura e outros temas recorrentes. Um de seus projetos mais ambiciosos felizmente morreu no nascedouro – a Ancinav, a agência que regularia as atividades audiovisuais e daria ao governo controle virtualmente ditatorial sobre os meios de comunicação.
A Cultura conta, neste ano, com um orçamento de 1,15 bilhão de reais – uma porção ínfima do orçamento da União. Pode parecer uma pasta chinfrim, mas há muita gente de olho no osso que Gil largou. Entre outros nomes, o ator Celso Frateschi, presidente da Funarte, conta com a simpatia de setores do PT. Gil, porém, afirma ter obtido de Lula a garantia de que seu secretário executivo, o sociólogo Juca Ferreira – que já respondia pelas operações diárias do ministério, especialmente durante as licenças artísticas do ministro –, seja empossado quando o presidente retornar da viagem à China, no dia 10. "Entrego um ministério recuperado para a sociedade e repactuado com os setores culturais", diz Gil, em sua versão da retórica lulista do "nunca antes neste país".
Mas Gil não trouxe inovações para o governo. O Ministério da Cultura e os órgãos a ele vinculados têm uma propensão histórica para pitorescos programas de "proteção" à nacionalidade folclórica. No governo Sarney, a passagem de Ziraldo pela Funarte virou piada quando o cartunista anunciou a disposição heróica de proteger a culinária mineira, no que ficou apelidado de "política da broa de milho". Na mesma linha, a gestão Gil reconheceu que a capoeira, pernada a três por quatro, faz parte do "patrimônio cultural imaterial". O ex-ministro é simpático à idéia de tombar o chá de ayahuasca, alucinógeno conhecido como santo-daime. "São manifestações importantes da vida subjetiva do país", afirma. É de esperar que, fora do governo, Gil continue trabalhando as suas subjetividades. Palco é com ele mesmo.