Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 09, 2008

Energia Angra 3 patina em exigências do Ibama

Energia
Chantagem atômica

A retomada das obras de Angra 3 esbarra em exigências 
exageradas do Ibama e na inércia de estatais e ministérios


Marcelo Bortoloti

Bruno Domingos/Reuters
CONTROVÉRSIA
Funcionário no depósito de lixo nuclear, em Angra:
destino provisório

A construção da usina nuclear Angra 3 sofre, há mais de trinta anos, de paralisia crônica. O projeto, dos anos 70, começou a andar em 1984, e as obras foram interrompidas dois anos depois, durante o governo de José Sarney. Só no mandato de Fernando Henrique Cardoso se voltou a falar no assunto. Finalmente, em junho do ano passado, o Conselho Nacional de Política Energética – composto de sete ministros, além de representantes da sociedade civil – decidiu tirar do papel a unidade, capaz de gerar 1 400 megawatts de energia (suficiente para suprir um terço do consumo do estado do Rio de Janeiro). Um ano depois, nada indica que o projeto vá mesmo andar. VEJA procurou cada um dos setores do governo envolvidos no assunto para conferir o que já foi feito. Descobriu-se um fosso entre o discurso oficial, que promete o início das obras para breve, e a realidade.

O Ministério do Meio Ambiente, o crítico mais feroz da energia nuclear, comprometeu-se a apressar o licenciamento ambiental. De fato o fez, o que é um avanço em relação à inércia do passado. Mas o Ibama, órgão subordinado ao ministério, apresentou uma lista de exigências excessiva para liberar a obra, como a promoção de ações educativas para o fim da pesca de arrasto na região (veja o quadro). O Ministério de Minas e Energia nem sequer definiu o modelo de venda dessa energia, e a Eletrobrás, a quem cabe buscar financiamento com empresas estrangeiras e com o BNDES, também não se mexeu, sob o argumento de que depende das definições do governo. A Eletronuclear, que deveria negociar uma atualização de orçamento com a construtora Andrade Gutierrez, contratada para realizar a obra em 1983, não tomou providências. Ainda assim, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, insiste que as obras começam em setembro. A impressão que se tem é que o ministro está falando sozinho.

Ricardo Moraes/AP
MANIFESTAÇÃO
Ativistas do Greenpeace em protesto contra a construção de Angra 3, no Rio: preconceito

O Ibama, que recebeu em 2005 a solicitação de licença prévia, só a concluiu há três semanas. Nela, impôs sessenta exigências para conceder a licença de construção. Segundo a Eletronuclear, é impossível dar conta de todas elas e iniciar as obras antes de fevereiro de 2009, o que significa um atraso de pelo menos um ano em relação ao cronograma estabelecido na reunião de 2007. Uma análise mais detalhada da lista demonstra o absurdo. A licença prévia é um documento técnico. No caso de uma usina nuclear, envolve estudos complexos e requer conhecimentos científicos. Mas, além das exigências que já encontrou prontas, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, acrescentou, de próprio punho, quatro itens à pauta. Entre eles, que se dê destinação final ao lixo atômico. Parece uma condição cabível. No entanto, nem mesmo os Estados Unidos, donos de 104 usinas nucleares, conseguiram isso. O que se tem são soluções provisórias até que se viabilize economicamente a tecnologia para o reaproveitamento dos rejeitos de urânio. No caso do Brasil, ainda há um complicador, como lembra o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear, Odair Dias Gonçalves. "Não podemos construir um depósito final sem saber quantas usinas nucleares serão instaladas no país nos próximos anos", diz.

Pela lei, a Eletronuclear já destinaria 1,1% do valor da obra – 80 milhões de reais – para compensações ambientais. Não é pouco. Por que, então, acrescer à lista de ações obrigatórias para reduzir o impacto ambiental da obra itens como a adoção do Parque da Bocaina? O Brasil precisa urgentemente de novas fontes de energia. No início deste ano, por muito pouco não foi preciso recorrer a um programa de racionamento, como ocorreu em 2001. O perigo imediato passou. Isso não significa que o problema tenha acabado. Para crescer a taxas de 5% nos próximos anos, o país terá de dobrar sua oferta de energia até 2030. O Plano Nacional de Energia prevê que, até lá, será necessário duplicar a participação da energia nuclear na matriz elétrica brasileira. Sem Angra 3, isso é impossível. Falsas promessas e exigências descabidas podem dar algum brilho momentâneo a paladinos da defesa ambiental. Mas não acendem lâmpadas nem movem indústrias.

 


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