Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 19, 2008

Desafios do Pré-Sal Ilan Goldfajn





O Globo
19/8/2008

Está sobrando espírito de cigarra e faltando de formiga no atual debate sobre as novas descobertas de petróleo na costa brasileira. A bonança futura já foi repartida e gasta diversas vezes no imaginário coletivo. Até uma nova estatal está sendo aventada, para supostamente abocanhar uma parcela maior do lucro. Mas, ao contrário de um "bilhete premiado", que pode ser retirado na esquina, essa nova riqueza terá que ser explorada a mais de 7 quilômetros abaixo do nível do mar, sob uma camada espessa de sal, a um custo considerável, que vai requerer montantes de investimentos "nunca antes" imaginados. O Brasil está preparado para isso?

Há uma incerteza considerável sobre o tamanho do investimento necessário para explorar as novas descobertas. Em parte, a incerteza advém da dúvida quanto ao tamanho total das reservas existentes em Tupi, Júpiter e Pão de Açúcar (os novos campos do chamado Pré-Sal). Mas é certo afirmar que quanto maior é o otimismo sobre as reservas totais de petróleo encontradas, maior tende a ser o custo total da operação e o desafio de obter o investimento necessário. Uma estimativa disponível é a do departamento de pesquisa do banco suíço UBS na sua publicação "Global Equity Research, Q-series: Global Oil Services", de 08/05/2008, baseada em análise de especialistas da indústria. O UBS estima que o custo de exploração das novas descobertas no Brasil será em torno de 600 bilhões de dólares, ou 38% do PIB, para produzir 50 bilhões de barris (boe). É muito investimento extra, para muito petróleo. Mesmo que o tamanho total das reservas seja bem menor que o previsto acima e que uma parte razoável do custo possa ser financiada com a própria venda do petróleo que for sendo extraído, está claro que haverá uma considerável necessidade de investimento no futuro próximo.

O desafio para a economia brasileira é resumido nas seguintes perguntas: de onde virão os recursos necessários para esse investimento significativo? Há espaço no Orçamento do governo e da Petrobras para tal? O atual estado da economia brasileira (gargalos, juros em alta para conter inflação) permite um salto deste tamanho na demanda por recursos (mão-de-obra qualificada, equipamentos etc.)? Qual é o marco regulatório que permite atrair os investimentos privados necessários para essa importante tarefa?

O governo central hoje investe apenas em torno de 0,5-1% do PIB, devido ao crescimento dos gastos correntes nos últimos anos. Com uma dívida pública ainda em torno de 40% do PIB e a conseqüente necessidade de gerar um superávit fiscal, é difícil imaginar espaço considerável para novos investimentos no orçamento público.

A Petrobras projetava investir 65 bilhões de dólares (4% do PIB) entre 2008-2012. Agora, deve elevar os planos de investimento. Mas, dadas as magnitudes envolvidas, não parece que a Petrobras conseguirá sozinha contemplar todo o investimento necessário para a exploração do Pré-Sal. A Petrobras tem também limitações dadas pelo tamanho da dívida pública e a conseqüente meta de superávit primário (há uma flexibilidade de 0,5% do PIB para investimentos da Petrobras). A conclusão é que a exploração do Pré-Sal vai precisar de consideráveis investimentos privados.

Mesmo com os investimentos privados, a economia brasileira pode deparar-se com restrições macroeconômicas de curto prazo. Um abrupto aumento da demanda por recursos escassos, como equipamentos e mão-de-obra, pode pressionar ainda mais a já aquecida economia brasileira e elevar a inflação.

Em suma, não há dúvida que a descoberta de novas reservas foi uma boa notícia para o Brasil. Mas isso não garante o sucesso do país. Há inúmeros exemplos de países abundantes em recursos naturais, com crescimento limitado e padrão de vida baixo. O atual debate tem que ir além da discussão atual sobre como dividir e gastar os ganhos futuros. É importante garantir que haja hoje incentivo e espaço para novos investimentos privados no setor, e que estes sejam feitos num ritmo adequado que mantenha o equilíbrio macroeconômico.

ILAN GOLDFAJN é professor da PUC-Rio. E-mail: goldfajn@econ.puc-rio.br.

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