Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 16, 2008

As loucuras de sir Alan Greenspan Steven Pearlstein*

O "mestre" não conseguiu adaptar-se à vida de aposentado.

Você poderia pensar que aos 82 anos, com uma carreira renomada e uma conta bancária polpuda, com honorários de palestras e direitos sobre seus livros, Alan Greenspan poderia estar aproveitando os dias de verão pescando na Escócia, aperfeiçoando a sua técnica de aquarela em Cape Ann ou apostando nos cavalos do clube Saratoga.

Mas não, e aí está ele, escrevendo artigos para o Financial Times, dando entrevistas ao Wall Street Journal e à CNBC e acrescentando mais um capítulo ao seu recente best-seller, no que parece uma tentativa desesperada de dar mais brilho ao seu legado, diante da evidência quase irrefutável de que....bem, ele errou redondamente.

Faz quase uma década desde que o mercado acionário na época em que Greenspan presidia o Fed alcançou a sua maior alta da história, com a famosa capa da revista Time durante a crise financeira asiática - retratando sir Alan, Bob Rubin e Larry Summers como o "Comitê para salvar o mundo". Mas, depois que o comitê se dissolveu, seus membros não tiveram mais um desempenho tão bom. Summers conseguiu ser contratado e demitido como presidente de Harvard, Rubin contribuiu para levar o Citigroup ao poço e Greenspan preparou a base para a pior crise financeira desde a Grande Depressão.

Ok, ninguém é perfeito. Mas, em vez de admitir que ele deixou que a ideologia do livre mercado obscurecesse seus julgamentos como intendente monetário e regulador financeiro, sir Alan tenta convencer as pessoas como elas estão em melhor situação por causa da desregulamentação, da globalização e as dramáticas expansões e retrações que provocaram. Ele me faz lembrar um político que, tendo acabado de perder uma eleição, diz que foi derrotado porque sua mensagem "não foi assimilada".

Pense na crítica de Greenspan ao "socorro financeiro" do governo para Fannie e Freddie. Para sir Alan, esse socorro mostra que ele estava certo todos esses anos, quando afirmou que as duas empresas patrocinadas pelo governo eram desnecessárias (porque os bancos de Wall Street podem fazer a mesma coisa sem ser subsidiados pelo governo) e perigosas (porque são muito grandes, a ponto de apresentarem um enorme risco para o sistema financeiro). Como ele disse desde o primeiro momento, essas empresas deviam ser desmembradas, privatizadas e vendidas.

O que espanta é como Greenspan consegue se estender na análise sem mencionar seu papel na criação das enormes bolhas creditícias e imobiliárias que levaram Fannie e Freddie aos atuais apertos.

Ao ler ou escutar Greenspan, você nunca saberá que foi o presidente do Federal Reserve quem manteve as taxas de juro excessivamente baixas por um tempo excessivamente longo, que negou a existência de uma bolha imobiliária até o momento em que essa bolha explodiu e se recusou a usar os poderes dados pelo Congresso ao Fed para impedir práticas abusivas de corretoras e instituições de crédito hipotecário.

Você poderia ignorar que o homem preocupado com a dimensão dos balancetes de Fannie e Freddie foi o maior responsável por uma dramática consolidação do setor de serviços financeiros num punhado de mastodontes globais que não eram somente grandes demais para falirem, mas também para serem administrados.

E não teria a mínima idéia de que ele é o mesmo regulador que não percebeu que os bancos sob sua supervisão estavam transferindo centenas de bilhões de dólares de ativos a complexos veículos financeiros fora do balanço, usados com o único propósito de burlar as exigências de capital estabelecidas pelos órgãos reguladores e mantê-las ocultas dos investidores.

Finalmente, você não teria a mínima idéia de que, exatamente neste momento em que Greenspan tenta nos convencer que Fannie e Freddie não são mais necessárias para garantir a existência de hipotecas baratas para os proprietários de imóveis americanos, o mercado de financiamento imobiliário foi completamente abandonado pelas instituições de crédito privadas, pelas companhias securitizadoras, pelas seguradoras e pelos investidores dos quais Greenspan dependeria.

O último ponto nos leva ao centro da "Falácia Greenspan" - ou seja, a noção de que a única maneira de se obter benefícios com o capitalismo do livre mercado é aceitar a inevitabilidade das expansões e retrações e aprender a conviver com conseqüências desagradáveis. É da natureza humana", ele escreveu no Financial Times, "oscilar do medo para a euforia e vice-versa, uma condição que nenhum paradigma econômico foi capaz de reprimir sem grandes privações. A regulamentação, que supostamente seria a solução eficaz para a crise de hoje, jamais conseguiu eliminar as crises da história".

Aqui nos Estados Unidos, ninguém diz seriamente que a regulamentação pode prevenir todas as crises do mercado. Mas, com certeza, nos 95 anos desde a criação do Fed, tivemos inúmeros regulamentos e intervenções do governo que ajudaram a reduzir a freqüência e a gravidade das crises e pânicos financeiros.

O fato de Greenspan ignorar esse sucesso ou equacioná-lo, como fez no artigo do Financial Times, a qualquer tentativa modesta de mudar os regulamentos com uma guinada na direção do socialismo e do protecionismo, nada mais é do que influência comunista.

Para Greenspan, as pessoas devem contratar hipotecas com taxas ajustáveis e empréstimos com taxas variáveis, porque a longo prazo pagarão menos. Ele acha que as pessoas devem poupar nos períodos de vacas gordas para conseguir superar as dificuldades na época das vacas magras e aceitar a inevitabilidade e os benefícios econômicos dos ciclos de expansão e recessão. Ele acredita que, a longo prazo, os mercados fazem uma autocorreção e uma auto-regulamentação. E, como disse à CNBC, ele considerou positivo o fato de os especuladores empurrarem o preço do petróleo a US$ 147 o barril, porque isso deu aos mercados a possibilidade de se ajustarem para futuros desequilíbrios na oferta e demanda.

O que Greenspan parece ter esquecido é que economia é uma ciência social, e não um ramo da matemática. No mundo real, as pessoas não vivem no longo prazo - elas tendem a viver o aqui e agora. Elas valorizam a segurança, a previsibilidade e a probidade e estão dispostas a sacrificar algum crescimento econômico para obter tudo isso. E, se o preço do galão de gasolina tem que saltar de dois para quatro dólares, elas preferem que isso ocorra durante cinco anos e não em um.

O que surpreende nessas últimas reflexões de sir Alan não é que elas sejam intelectualmente desonestas ou falsas - já vimos isso antes. Não, o que espanta é que, partindo de alguém que viu tanta coisa durante tantos anos, elas são singularmente insensatas.

*O autor escreve para o The Washington Post

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