Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 05, 2005

VEJA on-line Tales Alvarenga O preço do calote

"No Brasil, muita gente comemora ao ver um
país emergente como a Argentina enfrentando
gringos de peito aberto. Mas é a Argentina que
deve ter inveja do Brasil, não o contrário"


O Fórum Social de Porto Alegre, a maior reunião anticapitalista do mundo, já tem um novo herói, o presidente da Argentina, Néstor Kirchner. No último encontro, o herói da multidão foi o presidente venezuelano, Hugo Chávez, um populista fanfarrão. Tudo o que é contra a economia de mercado, o sistema financeiro e as multinacionais também alegra os freqüentadores do Fórum Social. Por ideologia, eles detestam o agronegócio e veneram a agricultura primitiva e oportunista do MST.

O presidente Néstor Kirchner será muito aplaudido em Porto Alegre se por lá aparecer no ano que vem porque na semana passada conseguiu aplicar o maior calote da história naqueles que compraram papéis da dívida argentina. De um total de 103 bilhões de dólares de dívida, Kirchner ofereceu-se para pagar 30% em até 42 anos. Cerca de 76% dos investidores aceitaram a migalha. Era isso ou nada.

Foi uma vitória política e econômica de Néstor Kirchner. O sucesso está no fato de que sua manobra para acuar os credores deu certo. Ele informou aos detentores dos bônus argentinos, meio milhão de cidadãos de classe média espalhados pelo mundo, além de investidores profissionais, que simplesmente não tinha dinheiro para quitar mais do que um terço do que devia.

O risco para o Brasil, em relação a essa vitória de Kirchner, é que passe pela cabeça dos brasileiros a idéia de imitá-lo. Por aqui, muita gente comemora ao ver um país emergente como a Argentina enfrentando gringos de peito aberto. Especialmente aqueles que acusam o ministro Antonio Palocci de levar muito a sério a disciplina fiscal.

Na semana passada, ao se encontrar com o presidente Lula e o venezuelano Hugo Chávez, em Montevidéu, Kirchner convidou-os a se unir para negociar juntos melhores condições de pagamento com organismos multilaterais de crédito como o Fundo Monetário Internacional. Lula e Chávez ficaram animados com o convite e combinaram que seus ministros da Fazenda deverão se reunir para discutir o tema dentro de um mês. Nesta hora, é bom saber que na Fazenda brasileira está um ministro como Antonio Palocci, que detesta fanfarronices.

É ainda cedo para dizer se os investidores passarão a fugir de Buenos Aires, mas essa é a maior probabilidade. Ao contrário do que se anda dizendo, a Argentina entrou no inferno na semana passada. Terá de enfiar a mão no bolso e pagar juros e parcelas da dívida renegociada e também o resto de seus débitos que ficaram de fora do calote e que são gigantescos. A dívida pública argentina representa agora 72% do PIB do país. A brasileira, 52%.

Os brasileiros que aprovaram a bravata de Kirchner devem entender que a Argentina faliu antes de decretar moratória. No Brasil do presidente Fernando Collor, também havia uma desculpa para ele fazer o confisco da poupança popular: a superinflação de 80% ao mês. Nada produziu a não ser um ambiente de grande instabilidade. No Brasil de Lula, o país tem caixa para saldar seus compromissos, respeita os contratos com investidores e conquistou a confiança da comunidade financeira internacional. Tornou-se um país adulto, coisa que não era no tempo de Collor. A Argentina é que deve ter inveja do Brasil, não o contrário.

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