Na semana em que o Brasil comemora 20 anos de democracia, o Congresso dá seguidos sinais de desapreço pela opinião pública e pelo dinheiro dos contribuintes. É assustador. A nova geração de cidadãos brasileiros não tem uma boa razão para tolerar qualquer coisa pela democracia. As gerações mais velhas viveram o horror da vida sem Congresso livre. Mas a nova, quem tem entre 20 e 30 anos, pode achar que os políticos são um estorvo.
Corre risco o país que esquece a própria história. Nós, os que vivemos aquele tempo, ficamos repetindo para os jovens que a vida sem liberdade, sem eleições, sem independência dos poderes da República é o inferno do cidadão. Sabemos o que nos custou cada dia daquela longa noite. Mas quem tem hoje 20 anos nasceu quando o último general já tinha saído pela porta dos fundos do Planalto. Quem tem hoje 30 anos foi ter algum entendimento em plena abertura. A certeza democrática que eu, cidadã brasileira, carrego vem de ter chegado à juventude em plena era do AI-5; de ter visto o pacote de abril, o Congresso fechado, as torturas nas prisões.
Sou de uma geração que sabe, da forma mais profunda que se consegue saber, que a democracia é a melhor forma de governo. Suportamos irresponsabilidades do Congresso, erros de julgamento do Judiciário, incompetência administrativa do Executivo sem em momento algum pensar que foi errada a trilha escolhida há 20 anos.
Mas, e os jovens? O que pensarão eles do que vemos diariamente nos jornais? Uma queda-de-braço política, numa mistura de ambição e incompetência administrativa, deixa os doentes à morte no Rio de Janeiro. Os deputados receberam a informação clara da opinião pública de que não deveriam aumentar seus salários. Contornaram o obstáculo aumentando as verbas que podem distribuir aos seus funcionários, muitos deles seus parentes. Deputados que não fazem uma conta sequer decidem aprovar todo o tipo de bondade: ampliação de R$ 21 bilhões para os programas de assistência social, autorização para que delegado, auditor fiscal e advogado público ganhe mais do que governadores, dona-de-casa recebendo salário com dinheiro público, revogação na prática de todos os ganhos que a reforma da Previdência duramente conquistou. Contas e mais contas que só podem ter como destino o único pagador de todas as despesas: os contribuintes brasileiros. E esse grupo, o dos pagadores de impostos, diminui a cada dia. Mais e mais pessoas fogem para a informalidade. A maioria contrafeita porque gostaria de ter seus negócios à luz do dia, não ter medo de fiscais, cumprir suas obrigações de cidadão. Mas fogem por não suportar mais impostos.
Quem aumenta gasto público, em qualquer dos três poderes, tem o dever cívico de se perguntar se há dinheiro para isso, se há uma fonte pagadora. Se não se pergunta, é irresponsável.
No Executivo, são cada vez mais freqüentes as notícias de aumento de gastos e contratações sem critério e sem explicações. Dessa forma, o governo eleva os gastos hoje e contrata novas altas no futuro. Esse aumento de funcionários não está melhorando a capacidade de a máquina pública desempenhar suas tarefas. Todos os dias, os jornais trazem notícias sobre mau funcionamento de algum órgão público.
O governo Lula tem sido, nestes 27 meses, bem-sucedido na economia, confuso na política e incapaz na gestão. Esse é o diagnóstico que deveria estar sobre a mesa presidencial no momento em que ele prepara nova mudança ministerial. Mas os critérios que avalia são as alianças que devem ser feitas para garantir a reeleição em 2006. O PT, que durante 20 anos bateu no próprio peito e se disse um partido melhor, mais ético, mais ideológico que os outros, é capaz hoje de qualquer aliança e qualquer nomeação para permanecer no poder.
A minha geração teve utopias. Com elas, construímos nossos valores. Mas como passar para os jovens esses mesmos valores que garantirão o futuro democrático da nação se as autoridades parecem estar prisioneiras do absurdo? Repetem diariamente atos abusivos que escandalizam e vão, dia após dia, erodindo os valores que devemos preservar.
Sou de uma geração de jornalistas de economia que viu a devastação que a inflação produz nas empresas, no tecido social, na vida de cada consumidor. Vimos, na cobertura diária, os planos que invadiam os lares, rompiam contratos, revogavam decisões e agrediam o dinheiro poupado. Ouvimos nas ruas as histórias mais chocantes da arbitrariedade de planos feitos nos gabinetes. Assistimos emocionados às demonstrações de paciência e lucidez de cada brasileiro na longa luta pela estabilização. Hoje, quem tem menos de 20 anos não tem a menor lembrança do mais violento e absurdo dos planos: o confisco de Collor.
O que aprendemos, da pior forma que se pode aprender, é que a gastança irresponsável do governo vira inflação. E, no Brasil, a inflação ganha asas e fica incontrolável, destruindo os projetos de sermos uma economia forte que jogue no primeiro time mundial.
Nós, que vivemos a ditadura e a inflação, sabemos. Mas, e os jovens? O que podem eles entender desses tantos erros dos políticos? São eles que garantirão, no futuro, a economia estável e a república democrática. Eles é que terão de convencer brasileiros ainda não nascidos, os futuros jovens, de que são esses os valores do país.
Entrevista:O Estado inteligente
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