NOVA YORK. Já faz parte da história dos momentos marcantes da política a resposta do senador Cristovam Buarque à pergunta de um estudante, em uma palestra aqui em Nova York, que lhe pedia para opinar sobre a internacionalização da Amazônia “como humanista, e não como brasileiro”, numa clara tentativa de colocá-lo em um dilema ético.
Cristovam não teve dúvidas: disse que, em caso de risco de degradação ambiental, a Amazônia deveria, sim, ser internacionalizada. Mas acrescentou que nessa mesma linha, tudo o que tem importância para a humanidade, ou pode colocá-la em risco, também deveria ser internacionalizado.
Como as reservas de petróleo, o capital financeiro, os arsenais atômicos. E até mesmo as crianças pobres de todo o mundo, que precisam de mais cuidados que a Amazônia. Muitos anos depois, o senador Cristovam Buarque voltou ao tema de forma mais elaborada, falando sobre democracia e globalização no seminário sobre a situação da democracia no mundo, realizado recentemente na sede da ONU aqui em Nova York.
Segundo ele, a solução para resolver a equação do direito à nacionalidade com responsabilidade global “é tratar a Terra como um imenso condomínio, onde cada nação é dona de seu patrimônio, mas só pode usá-lo respeitando regras comuns a toda a humanidade”. Da mesma forma que o dono de um apartamento pode usar seus bens internamente, mas não pode incendiá-lo ou deixar a torneira aberta permanentemente, nenhum país deve ter o livre arbítrio de destruir seus recursos naturais e mobilizar livremente seu patrimônio tecnológico, propôs o senador petista.
Para ele, assim como foram feitos acordos para reduzir a produção de armas nucleares, ou a emissão de gases poluentes que levaram à assinatura do Protocolo de Kyoto, “é igualmente importante que regras éticas sejam definidas para todos os países, em todos os campos, como o uso da ciência e tecnologia, os direitos humanos, o uso de recursos públicos para a luta contra a corrupção, o terrorismo, a luta pela inclusão”.
O senador Cristovam Buarque defendeu a tese da “democracia global” no mesmo painel em que falaria também Francis Fukuyama, professor de economia política internacional da John Hopkins, autor da polêmica tese sobre o “fim da História”. Buarque brincou, dizendo que falaria sobre “o começo da História”, que surgiria do debate sobre “qual tipo de democracia a humanidade deseja para seu futuro”.
A democracia, embora não tenha substituto, para Cristovam Buarque “já não responde às exigências do mundo global, envelheceu em um mundo onde o poder de qualquer presidente vai muito além das fronteiras de seu país, e tem efeitos que vão muito além dos seus períodos de governo, repercutindo na vida de cidadãos que não os elegeram, por serem de outros países ou de gerações futuras”. Para que seja democrática, a globalização deve deixar de ser identificada somente com o comércio, analisa Cristovam, e “combinar a democracia nacional com a solidariedade internacional e histórica, com as sociedades do presente e as gerações do futuro”.
Para ele, “a cortina de ferro que impedia a globalização, dividindo a humanidade segundo fronteiras ideológicas, políticas, econômicas e militares”, está sendo substituída por uma “cortina de ouro que impede a globalização democrática, dividindo a humanidade segundo fronteiras sociais e demográficas”. O mundo global atual formou uma humanidade dividida e criou “um Primeiro Mundo internacional de ricos integrados nos mesmos modernos padrões de consumo e de cultura”.
A continuação desta realidade, diz Cristovam Buarque, levará o mundo, em poucas décadas, “a uma divisão tão brutal entre os ricos e os pobres, não importa em que país eles estejam, que surgirá uma ruptura biológica na espécie humana, uns vivendo mais, com mais saúde física e mais inteligência e outra parcela, a maioria, vivendo menos, fisicamente debilitada e sem educação”. Por isso, ele sugere que, em tempos de globalização, é preciso um novo Plano Marshall, “em escala global e com propósitos sociais”. A melhor maneira de garantir essa ajuda seria “o lançamento de um imenso programa mundial social, pela educação e pela saúde, que gere emprego nos países pobres, com atividades diretamente ligadas à promoção da saúde e da educação, além de apoio às economias”.
Citando como exemplos mais conhecidos de subsídio social os programas Bolsa Escola, no Brasil, e Progresa, no México, e como pequenos instrumentos de apoio aos grupos pobres na Índia conseguem provocar um salto desses grupos, com sua inclusão social e saída da pobreza, Cristovam Buarque disse que “em escala mundial, com apenas 13% do serviço da dívida dos países pobres, é possível abolir o trabalho infantil e colocar 250 milhões de crianças na escola”.
Disse também que “se a engenharia financeira desses gastos for feita levando em conta a redução do serviço da dívida dos países pobres”, o custo será bastante viável. E citou a recente negociação entre Argentina e Espanha,“que permitiu a troca de parte da dívida do primeiro país com credores do segundo país, com a condição de que o valor perdoado seja utilizado na educação, especialmente em programas do tipo Bolsa Escola”.
Cristovam Buarque citou um dado impactante, que só confirma sua metáfora: na fronteira dos EUA com o México, morrem por ano mais pessoas do que em toda a história do muro de Berlim, “o que significa que atravessar a cortina de ouro é muito mais arriscado e provoca muito mais mortes do que era a travessia da cortina de ferro”.
Entrevista:O Estado inteligente
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Um comentário:
Durante debate em uma universidade, nos Estados Unidos, CRISTOVAM BUARQUE, foi questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia.
O jovem americano introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro.
Esta foi a resposta do Sr. Cristovam Buarque:
"De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso.
Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade.
Se a Amazônia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro...
O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extracção de petróleo e subir ou não o seu preço.
Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país.
Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.
Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França.
Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural Amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país.
Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele, um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.
Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada.
Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris,Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua historia do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.
Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil. Defendo a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do Mundo tenha possibilidade de COMER e de ir à escola.
Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Crianças pobres do mundo como um patrimônio da Humanidade, eles não deveriam viver.
Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo.
Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa!".
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