Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 16, 2005

Folha de S.Paulo -- Paulo Rabello de Catro: Autonomia do Banco Central - 16/03/2005

Autonomia tem quem pode e se preparou para tal. Numa aeronave, é a autonomia de vôo. Num cargo ou função, autonomia é o tamanho da esfera de decisão própria. Num ente público, autonomia é grau de independência.
Discute-se dar autonomia ao Banco Central do Brasil. Seria transformar em lei o poder ou alçada do banco de decidir sobre a aplicação das políticas monetárias, em prol da saúde e da estabilidade da moeda do país, o real. Na prática, o Banco Central já tem operado com notável grau de autonomia. Decide, sem influência externa, sobre a política de juros que julga compatível com a meta de inflação determinada pelo Conselho Monetário Nacional, um órgão de nível interministerial (Fazenda, Planejamento e Banco Central) que tem amplos poderes regulamentares nos setores financeiro, creditício e cambial.
O que se pretende agora é atribuir mandatos fixos aos membros do Comitê de Política Monetária -o conhecido Copom- e esclarecer em lei os novos poderes do banco na manutenção da estabilidade da moeda. O Copom ficou famoso por ocupar mensalmente a mídia nacional, antes e depois da reunião dos seus membros, que sobe ou baixa o nível da taxa de juros, em decisões definitivas e não-recorríveis que não só afetam a vida financeira de dezenas de milhões de brasileiros como também facilitam ou prejudicam o crédito de milhões de empresas, principalmente as pequenas.
A questão política é muito simples: saber se esse grau de autonomia, que afeta seriamente a vida de tanta gente, pode ser conferido, por mandato fixo, a diretores do BC que hoje integram o chamado Copom.
A experiência internacional é ilustrativa. Primeiro: não existe uma regra única e inflexível nessa questão. Os principais bancos centrais do mundo dão a membros de seus comitês níveis variados de poder. Segundo: não existe nenhum caso de poder ilimitado; o governo e o Parlamento podem sempre interferir no banco em certos momentos. Terceiro: o comitê não se confunde com as figuras dos diretores do banco, estando num nível superior à diretoria e, não raro, com componentes externos à organização, esses representando a visão da sociedade.
Essas poucas constatações da experiência mundial apontam quanto o Brasil ainda precisa experimentar e aprender antes de assegurar o alto grau de autonomia que nosso Banco Central pratica. São várias as razões dos cuidados que estão faltando. A principal dessas é a própria característica da moeda brasileira. O real é uma moeda esquisita. A parte visível é a moeda que circula, as notinhas no bolso dos brasileiros, que não rendem juros.
Há outra parte, invisível a olho nu, que é bem mais importante: a moeda remunerada, que os fundos de aplicação carregam em suas carteiras. Essa moeda invisível engorda quando os juros aumentam, ou seja, o Banco Central do Brasil tem aqui a missão de controlar um meio circulante diferente do resto do planeta.
Só que os instrumentos do Banco Central têm sido apenas os convencionais: juros altos e metas de inflação. Isso dificilmente dará certo. Por isso, um nível mais estrito de supervisão do Congresso Nacional torna-se necessário, até que moeda e o Orçamento público se equilibrem de fato.
Tampouco é garantia de maior confiança o mandato fixo de diretores do BC. Na Argentina, caiu o presidente do Banco da Argentina, Pedro Pou, pouco antes da explosão do regime de conversibilidade da moeda platina. Quando um regime monetário é frágil, de pouco adianta fixar os diretores do BC, como estacas pregadas no chão.
Além disso, há detalhes interessantes. Parte da tal autonomia é estar fisicamente distante do centro do poder político, como o BC Europeu, que se reúne em Frankfurt. Os recentes presidentes cariocas do BC brasileiro bem poderiam ter trazido o Banco Central para o Rio de Janeiro.
Quem sabe, no Rio, o cenário para a elaboração das salgadas atas do Copom fosse mais inspirador.

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