O GLOBO - 14/07/11
Corria o ano de 1978 e o grande debate nacional era sobre a lei de anistia, que indicava o começo do fim do regime militar. Na economia, a discussão era igualmente intensa: como o país deveria reagir à crise internacional? Outro ponto, porém, chamava a atenção: onde construir o novo aeroporto de São Paulo, destinado a ser o principal do Brasil e da América do Sul?
Viracopos, em Campinas - foi a resposta dada pelo então ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Mattos, em entrevista nas páginas amarelas de "Veja", a mim concedida. Mas Campinas está muito longe de São Paulo - tal era a objeção que todos faziam. Isso já foi estudado, tem solução fácil e já encaminhada, garantia o ministro.
Qual? Adivinharam, o trem rápido para São Paulo. Como verificam os leitores, não é de hoje que os governantes garantem projetos e obras que depois ficam rodando por aí. No caso, o novo aeroporto acabou sendo o de Guarulhos, também com a garantia de um trem fazendo a ligação com o centro de São Paulo. Viracopos, hoje, está de novo nos projetos do governo federal para se tornar o maior aeroporto da América do Sul - 33 anos depois! - e o trem evoluiu. Agora é um trem de alta velocidade, e que ligará o aeroporto a São Paulo e daqui até o Rio de Janeiro - esse mesmo cuja licitação acaba de fracassar.
Se é para não fazer, melhor projetar uma coisa grande, não é mesmo? Não faz do mesmo jeito, mas o anúncio dá muito mais propaganda. Aliás, os diversos anúncios.
Este projeto é mais recente. O governo Lula começou a falar disso em 2007. Em janeiro de 2008, anunciou que o trem-bala seria licitado em março de 2009. Seis meses depois dessa data, em agosto de 2009, novo anúncio, agora mais ambicioso, ou seja, com mais propaganda: o edital sairia em outubro de 2009, o contrato em janeiro de 2010 e o trem começaria a rodar no início de 2014, a tempo da Copa. Nessa época, custava em torno dos R$10 bilhões - o número redondo indicando que se tratava de uma, digamos, suposição.
Foi também em 2007 que o governo Lula anunciou pela primeira vez a refinaria de petróleo Abreu e Lima, a ser construída em Pernambuco por uma associação entre a Petrobras e a venezuelana PDVSA. Ficaria pronta em três anos e custaria cerca de US$4 bilhões.
A refinaria foi "inaugurada" várias vezes por Lula e Hugo Chávez: no projeto, no memorando de intenção, no acordo em princípio, na placa do início da terraplenagem.
Só que a PDVSA simplesmente ainda não entrou no negócio. Não formalizou sua participação, não colocou dinheiro e está duvidando das contas da Petrobras, que garante ter feito 35% da obra, aplicando cerca de R$7 bilhões.
No intervalo, a data de inauguração foi empurrada para frente e o preço já pulou de US$4 bilhões para US$14,4 bilhões.
Como o trem-bala, que ficaria pronto para a Copa e, agora, nem para a Olimpíada, e isso se tudo estivesse dando certo. E o preço, do governo já saltou para R$35 bilhões, considerado subestimado pelas companhias privadas nacionais e estrangeiras interessadas no negócio.
Se isso não é improvisação, o que seria?
O ainda diretor do Dnit, Luiz Antonio Pagot, em depoimento no Congresso nesta semana, apresentou outra resposta para essa ampliação dos prazos e, sobretudo, dos preços: "mudança de escopo".
Sabe como é, no andar do projeto o pessoal verifica que faltou um trecho, que se poderia ampliar a capacidade, mais uma mão de tinta - e pronto, o preço triplica. Novo escopo, novo preço, novas licitações, e assim vai.
Tudo considerado, há uma mistura de improvisação, incompetência técnica, corrupção e... propaganda.
Sabe-se como a propaganda é importante para a política. E sabe-se que uma das maiores habilidades de um governante é escapar de desastres. No caso de planos cujos objetivos não são realizados, a receita é direta: lance um novo plano, ainda mais ambicioso.
Um milhão de moradias no primeiro lançamento do Minha Casa, Minha Vida. Não deu? Pois agora são dois milhões. Não saiu o trem Campinas-São Paulo? Pois agora é Campinas-São Paulo-Rio e de alta velocidade.
Por essas e outras, Lula conseguiu realizar tarefas que pareciam difíceis, inclusive a eleição de Dilma Rousseff. E ainda convenceu boa parte das pessoas que se tratava de profissional e política muito competente, especialmente para tocar obras como o trem-bala.
Entrevista:O Estado inteligente
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