Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 19, 2011

Mil e uma utilidades DORA KRAMER

O ESTADÃO - 19/07/11

“Enquanto o governo se debate com dificuldades reais, Lula rodopia País afora criando uma realidade paralela de ufanismo.”

Em projetos bem delineados de poder não há coincidência nem acaso. Descontados eventuais erros de cálculo, predomina a estratégia. Cada passo é pesado e medido de acordo com o objetivo pretendido.

Quando surgiu em meio ao episódio Antonio Palocci combinando atritos em toda a base por causa da desatenção da presidente Dilma Rousseff em relação ao Congresso, o ex-presidente Lula mais atrapalhou que ajudou.

A despeito das pesquisas de opinião mostrando que a maioria vê com bons olhos atos do antecessor que venham a compensar deficiências da sucessora, naquele momento não estava em jogo esse tipo de avaliação.

Mais importante era a percepção do mundo político, e a parcela mais bem informada da população permanentemente engajada no acompanhamento do desempenho governamental.

Para esse setor o resultado foi o oposto do pretendido, pois contribuiu para a fragilização da imagem da presidente como responsável pela condução do barco.

Refeito o cálculo, Lula recolheu-se e ficou na retaguarda.

Semana passada, em meio ao pesado charivari político-policial no Ministério dos Transportes, Lula reapareceu. Mas o fez em nova roupagem.

Já não mais se apresentou como o interlocutor dos partidos da base governista, no que foi criticado por, na prática, usurpar o poder de Dilma.

Ressurgiu em seu mais competente personagem: o de líder de massas, animador e exímio criador de cenários paralelos capazes de dividir, quando não desviar, as atenções do que requer foco e seriedade.

Enquanto em Brasília a presidente se via às voltas com a recalcitrante crise no PR, com atitudes ora elogiáveis, ora condenáveis, ora incompreensíveis, Lula atraía para si boa parte do noticiário com shows onde o sucesso é garantido: congressos da União Nacional dos Estudantes e da União Geral dos Trabalhadores, no Rio e em São Paulo.

Não fez nada de extraordinário. Apenas repetiu o que costumava fazer quando presidente. Na UNE redesenhou um conflito com a imprensa, a fim de levantar o estandarte do inimigo a ser combatido (qualquer um, menos o governo).

Na UGT levou ao delírio o auditório atacando as elites que “não se conformam” que o trabalhador possa comprar carro, eletrodomésticos e andar de avião.

Sem dizer quem é contra a inclusão de brasileiros no mercado de bens e serviços nem esclarecer que o estímulo desenfreado ao consumo sem planejamento e investimento em estrutura para sustentá-lo, produz desconforto urbano e serviços de baixa qualidade.

Para todos.

Lula não pode ser criticado por continuar a atuar politicamente depois de deixar a Presidência, embora não confira o mesmo direito a outros que, para ele, devem se recolher ao ostracismo como sinal de boa vivência na condição de ex-presidente.

Mas os movimentos de Lula podem e devem ser analisados à luz de suas intenções.

A maioria interpretou que ele está em campanha. Parece pouco: ele nunca deixou de fazer campanha, dado que sua lógica é sempre eleitoral.

Disseram também que já abriu a temporada de caça de votos para 2014. Parece precipitado: tanto que quando Dilma ou Lula fazem referência à hipótese de a presidente concorrer à reeleição as análises sobre a certeza da volta em 2014 imediatamente adotam o pressuposto contrário e não param mais em pé.

A eleição presidencial será definida mais à frente. O que se tem agora é um governo representativo de uma etapa a ser cumprida em nome do projeto de poder referido lá no início.

É a essa etapa que Lula se dedica agora. Tocando esse projeto no papel que desempenha melhor: o de ilusionista. Enquanto o governo se debate com dificuldades reais, Lula rodopia País afora criando uma realidade paralela de ufanismo e reforçando nas mentes que ele está firme no papel de garantidor do Brasil por ele inventado.

Assegura o eleitorado de sempre, não deixando espaço para a oposição se aproveitar das deficiências da sucessora. Dilma, de seu lado, faz o que pode no sentido oposto, de um jeito meio atrapalhado, mas ao gosto de quem não gosta de Lula.

Na hora da eleição, será somar dois mais dois, e se der cinco, como ensina o livro do MEC, melhor ainda.

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