Gelo enxuto - Alon Feuerwerker
Dilma corre o risco de só enxugar gelo. Pouco adiantará o Estado
brasileiro desembarcar na fronteira norte se vier desacompanhado do
vetor essencial para uma ocupação consistente: o intrépido povo
brasileiro
O governo federal elabora uma nova política para aumentar a presença
do Estado nas fronteiras. A iniciativa é boa. As divisas do Brasil com
outros países estão entre as mais porosas do mundo. E isso vem no foco
de nossos dramas de segurança pública, conectados intimamente à
epidemia da droga.
A porosidade das fronteiras brasileiras surge também de um aspecto
positivo. O Brasil não tem contenciosos com vizinhos.
Em tese, certo seria apostar na integração crescente, na dissolução
progressiva das barreiras para o livre trânsito de pessoas na América
do Sul.
A própria noção de uma fronteira a vigiar deveria, com o tempo,
caminhar para o arquivo morto. Mas infelizmente não é possível. Em
parte porque virou fumaça nos anos recentes a ilusão de um mundo sem
fronteiras, sem estados nacionais.
E em parte porque falta ainda aos vizinhos disposição ou condição
política para enfrentar o crime. Na droga, no tráfico de armas, no
roubo de carros, entre outras modalidades. O desejo é de integração,
mas a realidade impõe combater o contágio.
Ainda que no caso específico da droga certos políticos nossos, talvez
em busca de uma certificação "progressista", namorem a ideia de expor
ainda mais as crianças e jovens brasileiros a essa calamidade. Mas,
por enquanto enfrentam forte e saudável resistência social, além da
política.
Nossas fronteiras sofrem com o vazio populacional. Especialmente no
norte do país. O último movimento estratégico para povoar esses
limites aconteceu durante os governos militares.
Desde os anos 1990, nossos governantes civis vêm aceitando uma lógica
perigosa. Vêm se dobrando à ideia de que civilizar o norte do Brasil é
atentatório ao meio ambiente, aos povos indígenas e à própria
Amazônia. Nas diversas frentes da batalha das ideias, o bom e bonito
vai sendo associado à tese de deixar a Amazônia como está. O tal
santuário.
Trata-se de uma utopia, cuja melhor tradução para a realidade pode ser
observada no desastre econômico e social produzido com a demarcação da
terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
A utopia é preservacionista. Já a realidade que ela produz traz
pobreza, abandono, falta de oportunidades econômicas, desesperança
para os jovens. Uma triste obra produzida a muitas mãos pelos nossos
últimos presidentes.
É bom que o governo Dilma Rousseff esteja atento a ocupar nossas
fronteiras, e certamente a maior atenção da chefe do governo deve
estar voltada para o norte. É bom que o Estado brasileiro se faça mais
presente ali.
Mas Dilma corre aqui o risco de apenas enxugar gelo. Pouco adiantará o
Estado brasileiro desembarcar na fronteira norte se vier
desacompanhado do vetor essencial para uma ocupação consistente: o
povo brasileiro. E não haverá ali mais povo brasileiro, ao menos na
quantidade necessária, se não puder haver agricultura.
Levar o Banco do Brasil, a Receita Federal, a Polícia Federal e o SUS
merece aplausos. Mas se não existir meio de o brasileiro honesto e
trabalhador progredir ali, ao Estado restará o papel de tapa-buraco.
Ou de guarda de trânsito do crime e da contravenção.
O desejável seria uma política de colonização das fronteiras
alicerçada na expansão da agricultura, inclusive a familiar.
Incentivar uma nova onda migratória, como a que fez a prosperidade
explosiva do Centro-Oeste.
Infelizmente, porém, o governo parece mais inclinado a acender velas
para outros santos. Mostrou isso na votação do Código Florestal,
quando se rendeu a uma lógica alheia. Compreende-se. Se a utopia do
santuário amazônico não resolve os problemas do Brasil nem da própria
Amazônia, apenas os agrava, certamente renderá aplausos na Rio 20.