REVISTA VEJA
Não é todo dia que se assiste a uma página virada na história do mundo. O modesto estado americano de Indiana (modesto em termos da federação a que pertence) começará a virá-Ia a partir do início do próximo ano letivo, em setembro, quando suas escolas deixarão de ensinar obrigatoriamente a letra de mão aos alunos. Há algum tempo corre nos Estados Unidos o debate sobre a utilidade de ensiná-la. O tempo aí empregado seria mais bem aproveitado em disciplinas hoje mais pertinentes, a começar pelo manejo do teclado do computador. Mas Indiana é o primeiro estado a tomar a medida oficial, por meio de instrução às escolas. Obrigatório será o ensino do teclado. A letra de mão, que também atende pelo bonito nome de cursivo, com origem em "correr" e "corrente", terá ensino facultativo. Ela hoje corre bem menos, coitada. e é bem menos corrente que os caracteres do computador.
O cursivo, como até os chimpanzés saberiam prever, foi atropelado impiedosamente pela eletrônica. Que as cri.anças precisam familiarizar-se desde cedo com o computador é ponto pacífico. Discutível é se o abandono do cursivo trará perdas às novas gerações. Especialistas acenam com possível involução na capacidade motora e na coordenação entre olho e mão. Outros pergutam como as crianças de hoje assinarão os cheques que as esperam na vida adulta - se é que ainda haverá cheques, e se é que algum truque digital não virá a substituir as assinaturas.
A máquina de escrever já foi um golpe na letra de mão. A rigor, a prensa de Gutenberg, muito antes, já fora um golpe. Mas nenhum deles acertou em cheio. O computador sim, com seu avanço totalizante sobre a vida. A morte do cursivo pode resultar no fenômeno, inédito na história, de uma criança de hoje não conseguir ler o que o pai escreveu na escola, ou numa cana, ou num diário. Aqueles traços redondos como argolas, inclinados para a direita como matagal ao vento, engatados uns aos outros como vagões de trem, que diabos seriam? O cursivo difere bastante da letra de fôrma. O filho achará que o pai escrevia em árabe.
A ilegibilidade de um texto em letra de mão não é ocorrência nova na história. Documentos do século XVI só os paleógrafos são capazes de decifrar. Mas sempre se passou um tempo considerável, até que uma maneira de escrever caducasse aos olhos dos vindouros. O que se desenha de inédito no horizonte é o fenômeno se dar no espaço de apenas uma geração. Os avanços tecnológicos têm ocorrido velozmente, mas corte tão nítido e abrupto, a erguer-se como muro generacional intransponível, ainda estava por vir. É um mundo que vai embora.
O mundo que volta, quem o traz é o comandante Hugo Chávez. É o mundo dos reis cujas doenças eram escondidas do povo - afinal eles tinham parte com os deuses, que não ficam doentes - ou, se as revelavam, o faziam só em parte, sem especificarlhes a natureza nem a gravidade. Vá lá, o presidente eleito Tancredo Neves e seus médicos tentaram esconder a doença que o acometia, e os presidentes franceses também têm, ou tinham, como norma não dar satisfações ao público quanto a esse item. Mas o Brasil se corrigiu. O linfoma da então candidata DiLma Rousseff foi noticiado ao primeiro momento. E mesmo na França, onde os presidentes Georges Pompidou e François Mitterrand disfarçaram os respectivos cânceres enquanto puderam, dificilmente o mesmo procedimento se repetiria. No mundo democrático fixa-se a doutrina de que entre as obrigações do mandatário inclui-se a de dar conta ao eleitorddo de seu estado de saúde.
De novo podemos invocar os chimpanzés. Até eles saberiam dizer por que Chávez não veio se tratar no Brasil. Aqui, o segredo da doença não duraria 24 horas. Cuba oferece as ideais condições de censura - ou de encarceramento, se preciso for - para a manutenção de um segredo. Restam, como sempre ocorre, as especulações. A mais radical é a de que não haveria doença alguma. Estaria em curso uma farsa, com o fim de preparar uma suposta vitória sobre a suposta doença que revelaria a força invencível do líder. Outra é a de que se trata de câncer de próstata, e nesse caso o chimpanzé, agora travestido de especialista em psicologia dos caudilhos, interpretaria o caso a partir da constatação de que cirurgia da próstata pode resultar em esterilidade ou mesmo impotência. Ora, como um líder de tão másculas virtudes, herói do povo e salvador da pátria, se arriscaria a ser visto como estéril? Ou IMPOTENTE?
Entrevista:O Estado inteligente
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