Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, julho 18, 2011

O inverno do nosso desalento Lya Luft

Veja - 18/07/2011






Não há como não ver, escutar, comentar: a ponta do iceberg, a ponta do novelo da realidade que finalmente começa a se desvendar, a imprensa divulga, os brasileiros comuns, como eu, encaram assustados - pois ela comanda nosso presente e futuro, o bolso, a esperança. Nos bastidores da vida pública, um fervilhante mercado persa de cargos, dinheiros e favores do qual não temos ideia

Pois nesse teatro ou circo todos correm a se proteger, a preservar as últimas ilusões da plateia, e a defender seus feudos não muito limpos. Havia muito eu andava perplexa; agora, começo a sentir aquele profundo desalento do qual falou um político honrado, antes de se recolher à vida particular, para pouco depois subitamente morrer. O coração não aguentou, imagino. Deve ser grande, dolorosa, a solidão dos honestos no meio público. Os honrados existem, mas hão de nadar penosamente contra uma correnteza poluída - objeto de preconceito dos seus pares, olhados como ameaça: o que eles pensam? Achando-se melhores que nós? E se forem nos dedurar?

E nós, do lado de fora, que pagamos a conta, que armamos o circo, carregamos a conta e as gambiarras, enfrentamos as feras, levamos nas costas até o elefante: e nós? Quem nos perguntou, quem nos pediu licença para organizar esse melancólico espetáculo, que transcorre em meio-silêncio e meia-luz? Que circo, que teatro é esse, causando desorientação nossa, falta de idealismo nos jovens, e que devia ser escondido das crianças como pornografia?

Aqui onde vivo faz frio neste inverno. Geada cobre gramados e campos, queima as colheitas, diverte os turistas, nos faz recear a rua onde de manhã frequentemente temos sensação térmica negativa. Nestes dias, parece que esse sentimento gélido é reforçado pelo clima dentro de nós, que contemplamos e ouvimos os atores desse espetáculo que nós sustentamos, sem entender direito - por alienados e fúteis -, no circo dos nossos pesadelos, no teatro das nossas desilusões. Quem lhes dá força, quem os protege? Algum será devidamente punido - ou vai fingidamente se recolher para reaparecer em outro cargo igualmente poderoso, igualmente facilitador de ganhos escusos? Enquanto nós, crédulos ou omissos, acreditamos em ganhar a vida e sustentar a família com o suor do nosso rosto, o desgaste do nosso corpo, a perda da nossa vida, o esforço da nossa inteligência.

Sim, nestes dias eu sinto, mais que o frio do clima, o gelo do desalento. De não acreditar que vá ocorrer uma grande faxina, uma real limpeza, alguma solução ou verdadeira melhora, um grande avanço em direção à honestidade. Pois "transparência" se tornou uma palavra banalizada e vazia, sem valor, quando tudo é obscurecido para favorecer as ações na sombra. Talvez, para ser algo real, essencial e radical, fosse preciso mudar tudo. Quase tudo. A cena, os atores, as falas, até a plateia. As coxias, os bastidores, teriam de ser varridos e abertos ao público. O público teria de prestar atenção, reagir, aplaudir ou renegar. Nunca relevar. Demitir muita gente do quadro de seu respeito e confiança. E tamanha mudança causa medo e insegurança.

Uma grande transformação seria possível com informação, para começar, que vem de uma educação eficiente, e leva tempo. Assim se fazem mudanças com ordem, calma, inteligência, vontade. Mas eu, neste frio que me assola, receio que o espetáculo apenas continue: trocados atores e nomes ou máscaras, o tom e algumas falas, recolocadas as luzes, o indevido oculto atrás de papelão pintado, e toca em frente, o teatro, o circo. E nós, omissa ou submissa plateia, continuaremos aplaudindo mesmo sem entender direito, ofuscados pela luz que vem do alto, ainda levando em nossas doloridas costas os paus, as lonas, até o elefante.

A solução poderia ser um desalento criativo, produtivo, ativo, que agisse para limpar o que está sujo e nos humilha, expor o que é duvidoso e nos envergonha, mudando, sabe Deus como, o que nos rouba a dignidade enquanto explora a indecisão de quem não quer ver, para não ter de crer.

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