O Estado de S. Paulo - 29/07/2011
Os Estados Unidos não são mais aqueles. Seja qual for a solução que venha a ser dada à questão da dívida pública, o fato é que a América expôs as suas vulnerabilidades ao mundo. Ao menos na minha geração, ninguém esperava vir a assistir ao fim da supremacia do dólar.
O século passado é apontado pelos historiadores como o "século americano". Nos anos 70 e 80 as pessoas guardavam dólares em casa. Era uma reserva de valor. "In God we trust" ("Em Deus confiamos") vem inscrito nas cédulas verdes. E nós - independentemente da crença no Todo-Poderoso - botávamos alguma fé também no dólar...
Hoje os EUA ameaçam uma moratória e as cotações da sua moeda estão despencando. Algo impensável poucos anos atrás. A Europa também vai mal e, com isso, a civilização ocidental fica sem referências. O século 21 promete ser dos Brics, que, com exceção da Rússia, são as únicas grandes economias que continuam crescendo (China, Índia, África do Sul e Brasil). E é a respeito do nosso país que falaremos agora.
O lulopetismo ficou encantado ao perceber, já no seu segundo mandato, que os ventos sopravam a favor do Brasil. Os preços das nossas commodities (ferro e soja, principalmente) subiram nos mercados internacionais e, assim, escapamos com poucos danos da crise financeira. Além disso, foram encontradas grandes jazidas de petróleo. Mesmo que porventura elas venham a mostrar-se economicamente inviáveis, serviram, ao menos, para criar uma grande expectativa em relação ao Brasil e aos brasileiros.
O grande líder descobriu, maravilhado, que a classe média havia crescido em tamanho e poder aquisitivo. Nosso estadista-operário tratou, então, de atribuir o fenômeno ao seu governo. "Isso foi possível graças às nossas políticas sociais", cantam seus acólitos. "Foi tudo obra nossa". O andor tem de ser carregado com mais apuro. Efeitos não devem passar por causas. Não é porque tudo isso ocorreu durante a gestão petista que lhe caberiam todos os louros. Aliás, o único mérito que reconhecidamente lhe cabe, no campo econômico, é o de não ter interrompido o que já estava sendo feito.
A tão alardeada "nova classe média" é composta de pessoas que, com certeza, não são clientes do Bolsa-Família, nem de nenhum outro eventual mecanismo de transferência de renda. É mais provável que tenham emergido socialmente porque a inflação acabou. Garantida a estabilidade econômica, a oferta de crédito aumentou e mais gente pôde ter acesso a ele.
Quanto às jazidas de petróleo, apesar do alarido, há que considerar que não foram descobertas pelos petistas, mas durante o governo deles. A mais de 7 mil metros de profundidade, não há nenhuma certeza quanto à viabilidade econômica de sua extração. Nem sequer existe tecnologia para tanto, vale ressaltar.
A bem da verdade, a estabilidade não se deve tão somente ao Plano Real. O problema é que as finanças públicas estavam desarrumadas, os poderes públicos - federal, estaduais e municipais - vinham gastando muito mais do que arrecadavam. Endividavam-se todos além do razoável e se cultivava o mau hábito de repassar tais passivos aos novos governantes. "O dever acima de tudo!", bradavam prefeitos e governadores. E como a inflação era alta, ela se encarregava de mascarar todo o processo. Para estancar de vez a sangria inflacionária não bastava um engenhoso plano econômico. Isso ficou evidente com o fracasso de todos os planos anteriores. O fim da constante elevação dos preços restabeleceu a verdade dos fatos: o problema estava no setor público.
O governo federal acabou com o déficit da União. E assumiu para si as dívidas dos Estados e municípios. Todos, a partir dali, poderiam recomeçar do zero. E para evitar que eles voltassem a se endividar foi criada a Lei de Responsabilidade Fiscal. Algo assim como o preceito popular "aqui se faz, aqui se paga". Governadores e prefeitos não mais poderiam assumir dívidas que não pudessem quitar durante sua gestão.
Vários setores da economia, antes em poder do Estado, foram privatizados. Nos anos 90, bem me recordo, não havia linhas telefônicas disponíveis. Aqui, em São Paulo, a empresa estatal de telefonia vendia novas linhas para entrega num futuro incerto. O jeito era alugar as já existentes. Celulares já existiam, mas custavam caro e não completavam as ligações, davam sempre sinal de ocupado.
Não dá para afirmar que as gestões tucanas tenham sido 100% virtuosas. Havia quase tantos escândalos como agora. Mas tiveram a visão correta dos males de que padecia o País e a coragem de fazer as reformas necessárias. O custo político foi alto. Como a economia não crescia, a popularidade do governo também não. Aos petistas, que chegaram ao poder depois, coube apenas colher os resultados. Restou aos social-democratas a oposição.
Quanto à "nova classe média", o governo acaba de encomendar pesquisa para aprender a lidar com ela. A classe média, no Brasil, já é maioria. Ela possui casa, carro e computador. E não é tola. Troca informações pela internet. Qual a mensagem que a sensibiliza? Talvez a do "espírito de fronteira". A cultura do desafio. Algo que no passado entusiasmava os americanos e agora não existe mais. É triste. A História nos ensina que a decadência dos impérios começa onde as virtudes de seus povos terminam.
O que distingue um sonhador de um realizador é que este cuida de transformar os próprios sonhos em realidade. E, para tanto sabem que é preciso dedicar muito esforço, talento e empenho. A educação também entra nessa lista. E a "nova classe média" não espera pelas dádivas de ninguém. Ela própria financia seus estudos. Seus membros têm consciência de que ninguém lhes dará nada sem lhes exigir alguma coisa. Eles têm o sagrado direito de buscar a felicidade. E já o fazem. Mas à sua maneira.
Entrevista:O Estado inteligente
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