O Estado de S. Paulo - 23/07/2011
O fechamento de um novo pacote de socorro à Grécia mostrou que as autoridades da Europa estão fortemente dispostas a cacifar o euro para o que der e vier. Isso não foi pouco, dadas as enormes resistências políticas já vencidas. Mas também ficou claro que há um longo caminho a percorrer para garantir solidez para a moeda.
O aprofundamento da crise serviu para questionar e testar as questões de fundo. Todas as hipóteses de desistência do projeto do euro foram exaustivamente consideradas. Páginas e páginas de análise foram redigidas para examinar o que seria a volta às moedas nacionais ou o desmembramento do euro em duas ou três moedas comuns. Muitos defenderam o ponto de vista de que o custo econômico e, sobretudo, político do conserto do euro seria maior do que o de uma volta atrás. Mas a aposta feita na quinta-feira, em Bruxelas, foi de seguir em frente.
Entre os problemas imediatos não está ainda o do lançamento de fundações mais sólidas para o euro, mas o de colocar em marcha e aceitar as consequências do que ficou decidido.
Prevaleceu a visão de que, para que a dívida grega possa ser honrada, um pedaço importante dela tem de ser perdoado. Isso implica aceitar um calote de um Estado soberano, o primeiro da história do euro. A expressão técnica para isso é a palavra de origem francesa default (defeito). Acontece quando o devedor deixa de honrar qualquer cláusula importante de um compromisso contratual de financiamento.
A maneira confusa com que as autoridades lidaram com isso mostra o mundo de ficção em que vivem. As agências de classificação de risco, que se encarregam de examinar a qualidade de uma dívida, advertiram que a troca de títulos em condições mais favoráveis para o devedor teria de ser considerada default. A primeira reação dos líderes dos países-membros do bloco foi responsabilizar as agências por jogar contra o futuro do euro. Depois, tentaram envolver o termo com adjetivos arredondados (default seletivo e default restritivo), como se um pequeno assassinato não fosse assassinato.
As autoridades tentaram assim evitar que o Banco Central Europeu e os bancos fossem obrigados a registrar prejuízos em seus balanços e acionassem os seguros de crédito (contra defaults) contratados ao longo de todos esses meses.
Também procuraram evitar o efeito contágio sobre todo o mercado financeiro, especialmente sobre dívidas ainda não atacadas pelos especuladores, como os da Itália e da Espanha. Aparentemente, não levaram em conta que, longe de uma catástrofe, uma dívida agora sustentável é fator de retorno praticamente garantido para os bancos, ao contrário do que antes acontecia.
A tarefa agora consiste em garantir que a reestruturação, enfim, equacionada da dívida grega seja definitiva, não mais sujeita a intermináveis revisões.
Essa questão não se limita à encrenca em que está (ou esteve) metida a Grécia. O precedente foi criado. O maior risco agora é o de que os próprios gregos e outros endividados sejam tentados a chantagear os sócios da área do euro por mais concessões. Afinal, se os gregos conseguiram arrancar esses favores, por que portugueses, irlandeses e, eventualmente, também italianos, espanhóis e belgas não poderiam criar situações que levassem ao mesmo desfecho?
CONFIRA
Derrapagem. O governo federal está derrapando na condução do abastecimento do álcool. Nesta sexta-feira, a Fundação Getúlio Vargas verificou que a alta de preços do álcool anidro (que vai na mistura com a gasolina) é a maior em meses de junho, ou seja, em plena safra. No atacado, no período de 12 meses, subiu 46,1%.
Estocar como? O governo quer, por exemplo, que cada usina se encarregue de estocar o produto para que não falte na entressafra do Centro-Sul (de dezembro a abril do ano seguinte). O problema de fundo não está na falta de estocagem, mas na insuficiência da produção. Estocar como, se não há o quê? Vamos importar álcool de milho dos Estados Unidos?
Pouco alcance. O projeto de reduzir de 25% para 18% o volume de álcool anidro na mistura com a gasolina, ao qual vai se aferrando o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, tem pouco alcance prático. O álcool anidro não passa de 30% do consumo de álcool no Brasil.
Entrevista:O Estado inteligente
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