Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 23, 2011

União reforçada Miriam Leitão

O GLOBO - 22/07/11
A Europa decidiu dobrar a aposta na união monetária. O que se viu nas últimas horas foi um esforço coordenado de encontrar uma engenharia financeira que dê mais tempo à Grécia e tente prevenir o contágio. O outro caminho da Europa poderia ser lançar os frágeis ao mar - o que os levaria a voltar para as suas moedas - enquanto os fortes continuariam sendo partes da União.

Só há dificuldades à frente para manter a União Europeia da maneira como ela foi concebida, mas os líderes estão fazendo um esforço extraordinário para resgatar e sanear a Grécia, criar um cordão de isolamento que proteja outras economias, e seguir em frente com o projeto de união. Não fazem isso pelas belas colunas gregas, mas porque os bancos de outros países e o Banco Central Europeu (BCE) estão expostos à dívida dos gregos. Mesmo assim, o que os grandes países fizeram foi redobrar a aposta, aumentando os recursos de ajuda, e obrigando os bancos a participar dos custos de uma solução.

A Alemanha estava certa desde o início. Não haveria solução possível sem a participação do setor privado. Em certo ponto, é uma proposta com os princípios do acordo de renegociação da dívida da América Latina. Na nossa crise, houve uma troca total de títulos das dívidas velhas por novos papéis, com desconto no valor do principal. Os bancos aceitaram perder. Desta vez, há um outro desenho: os governos centrais reforçam o caixa do Fundo Europeu de Estabilização Financeira, os bancos pagam parte da conta, o FMI também entra no financiamento, e a Grécia tem mais tempo e menos juros para pagar sua dívida.

A solução foi sendo desenhada na reunião interminável de quarta-feira em Berlim, entre a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy. Depois, o presidente do Banco Central Europeu, Jean Claude Trichet, entrou na conversa para o desenho final. Ainda é cedo para dizer que toda essa engenharia financeira resolverá a fila de problemas que o continente tem, mas é tempo suficiente para dizer que, testados no limite, os líderes europeus já demonstraram duas vezes que querem sim manter o projeto político de uma federação de nações com a mesma moeda, ainda que isso seja tão difícil de sustentar em tempos de crise. A primeira demonstração foi dada na criação do Fundo de Estabilização, e agora no desenho de uma proposta de resgate da Grécia e de medidas preventivas para outras economias fragilizadas pela longa crise.

A crise mostrou o tamanho de cada país. A Alemanha foi a líder incontestável do processo; a França resistiu às propostas alemãs e, nas últimas horas, entrou com ideia alternativa, como a de um imposto sobre os bancos, mais difícil de executar. Acabou cedendo ao projeto desenhado pela Alemanha de fazer os bancos participarem do custo de construção de uma solução. A Itália de Silvio Berlusconi é parte do problema porque também está endividada demais e recentemente foi a fonte de um dia de sobressaltos no mercado financeiro. A Inglaterra, que não faz parte do euro e manteve a sua libra, teve mais uma vez aquela atitude de distanciamento, resumida na famosa piada sobre eles. Quando o nevoeiro na região impede os voos entre a Grã-Bretanha e o resto da Europa, os ingleses dizem: "o continente está isolado." Eles são uma ilha à parte. Nos últimos dias, têm vivido seu próprio inferno, com o escândalo Murdoch que virou crise política, além de estarem economicamente fracos.

Como se sabe, o diabo mora nos detalhes e ontem estavam todos ocupados com o detalhamento dos pontos do acordo. Em princípio, ele estabelece que a Grécia terá uma redução das taxas de juros e mais tempo para pagar a ajuda que já recebeu. Antes, o período máximo era de 7,5 anos; agora, o período mínimo será de 15 anos. Além disso, os gregos receberão outro aporte de pelo menos 109 bilhões, além dos 110 bilhões que receberam, o que fará o socorro passar de 90% do pib. Para evitar um contágio, Irlanda e Portugal também poderão receber aportes com as mesmas condições.

A participação do setor privado é a grande novidade e foi estimada inicialmente em 37 bi. Os líderes europeus falaram de um menu de opções para que os bancos possam aderir voluntariamente ao programa, mas o cardápio não foi revelado. Normalmente, nessas negociações, há uma mistura de alongamento de prazos ou desconto. O banco que aceita um desconto maior recebe mais rápido. O banco que dá um desconto menor demora mais para receber.

O "Financial Times" afirmou que as três principais agências de risco vão classificar o socorro grego como moratória - que seria a primeira de um país da Zona do Euro - porque os credores não vão receber no prazo. Isso quer dizer que haverá perda para os bancos por meio do mercado de seguros CDS (Credit Default Swap). Quem estiver com seguro contra calote na mão poderá repassar a fatura. Mas há interpretações diferentes no mercado. Há quem considere que em se tratando de uma adesão voluntária dos bancos não seria tecnicamente um calote.

Também foi permitido que o Fundo Europeu de Estabilização compre dívida pública no mercado secundário e mantenha o socorro a bancos da Zona do Euro mesmo em países que estejam de fora do pacote, por meio de aporte aos governos. O BCE foi obrigado a ceder e aceitar títulos gregos como colateral, ainda que eles sejam rebaixados pelas agências.

Pode ser que nada disso dê certo. Afinal, nunca foi tão grande o ceticismo com relação ao futuro da união monetária entre países com tantas diferenças. Apesar disso, o euro tem desafiado as previsões e se fortalecido diante do dólar. Nas últimas 48 horas os líderes da Europa deram uma impressionante demonstração de que querem continuar com o projeto.

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